Beleza traduzida em saudade e agradecimento

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Por Zenir Pontes

Eu conheci Valney em 7 de março em 1974, e casei com ele (óbvio) em 23 de dezembro de 1974. Desde esta época passamos a viajar muito para Fortaleza (pois ele era cearense) e nas viagens eu via, no período de setembro, ipês floridos ao longo da estrada e eu sempre pedia para ele arrumar, para mim, duas mudas de ipês amarelo. E ele sempre perguntava: tu vais plantar ipê onde, mulher? E eu dizia que que eu queria os ipês fora do muro, um de cada lado do portão. E ele só dizia: tá certo, tá certo.

Um belo dia ele me aparece com quatro mudas de ipês e ele mesmo escolheu o local lá no portão, exatamente onde eu queria. Ele mesmo plantou, colocou umas proteções de madeira e ainda aguava esses ipês todo santo dia. Dois morreram naturalmente, mas ficaram os dois – um de cada lado do portão, exatamente como eu pedia para ele. Os ipês foram crescendo e estavam lindos… lembro que estavam mais altos que eu. E um dia, pela manhã, eu saí para trabalhar e me defrontei com a seguinte cena: alguém passou de noite e cortou os dois pés de ipês bem no tronco … pensem uma pessoa enfurecida, revoltada com tanta crueldade. Voltei para casa chorando e contei pra ele o que tinha acontecido. Ele ficou branco de tanta raiva e só dizia pra mim: larga de chorar, Zenir, eu vou dar um jeito nisso. Passaram os dias, a poeira baixou e eu até deixei de falar no ocorrido. Mas ele, certamente, não esqueceu do episódio.

Uns três meses depois, num sábado, ele disse que ia buscar algo que ele tinha encomendado. E eu nem perguntei o que era. Algum tempo depois, lá vem o carro dele na frente e um caminhão atrás. O caminhão estava cheio de varas (aquelas varas de fazer cerca) e em cima da carrada de varas cinquenta mudas de ipês (50 mesmo). E passaram a semana seguinte (ele e uns operários) plantando, ao longo do muro do sítio, uma alameda de ipês, e ainda fez o favor de cercar todo o muro protegendo os ipês com as citadas varas. Não satisfeito saiu, onde ele pode, na Maioba, divulgando que se alguém tivesse coragem de mexer com os ipês da mulher dele, não ia dar muito certo.

Síntese da “ópera”: dos 50 ipês, vingaram 36, que estão, hoje, como árvores e desde 2013 ele começaram a florar. Este ano tem nove florados. Uma beleza ímpar.

Mas a história não para aí: Valney nunca fez o tipo de homem romântico. Ele era muito prático, racional, por natureza. Ele preferia, no dia do meu aniversário, chegar em casa e dizer: Zenir, vamos ali e quando chegava numa concessionária, mandava eu escolher um carro. Mas eu que nunca esperasse um ramalhete de rosas.

Mas o mundo dá voltas … e em 2004 caiu como uma bomba na minha cabeça: o diagnóstico que ele, aos 62 anos de idade, estava com mal de alzhaimer – uma doença irreversível – e que só pioraria a cada tempo passado.

Dez anos se passaram e eu administro uma UTI ao longo desse tempo, só que ele não chegou a ver os ipês florados e já se vão dez anos sendo seis que ele vive vegetativamente.

Mas vejam a interpretação que eu dou para os revezes da vida. É como se ele, mesmo não sendo romântico, no sentido literal da palavra, me assegurasse para o resto da vida, receber a beleza de 36 pés de ipês florando todo mês de setembro, mês do meu aniversário. Assim sendo, ao longo do tempo da flora dos ipês, este passa a ser o meu período de resgate, de lembranças, de tudo que vivemos juntos … e se colocado numa balança … um crédito altamente positivo: – uma família linda: dois filhos que nunca me deram grandes problemas e que me enchem de orgulho sempre, uma nora e um genro que todo mundo sonharia ter; quatro netas lindas, inteligentes, amorosas. Tudo isto passou a se constituir a essência da minha vida. .Assim sendo, não é nem um pouco de exagero quando eu digo que a minha família é o meu porto seguro nos momentos de tempestade.

Desde setembro os meus ipês estão florando … Todos os meus sentimentos estão à flor da pele. Todas as minhas lembranças são resgatadas a toda hora e tanto as boas como as que não foram tão boas me fazem seguir em frente e encarar a vida, mesmo que matando uma fera a cada dia e levando a vida como “o la de cima” (Deus) determinar. Avante, Zenir Pontes, seus ipês florarão todo ano.

Eu tenho muito mesmo é que agradecer. Obrigada, meu amor. Eu, seus filhos, suas netas e toda a vizinhança, agradecemos a beleza deixada e cultivada por você: Linda alameda formada por 36 ipês amarelos. Uma paisagem cinematográfica e que nenhum fotógrafo pode deixar escapar a essência de tanta beleza.

Todas as fotos aqui registradas foram tiradas por mim. Podem curtir e compartilhar o legado deixado por Valney Pontes.

+ Valney Pontes morreu ontem (17/11/2016).

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