Crítica a Flávio Dino
A presidente Dilma Rousseff foi ao Maranhão para “entregar”, como se tornou moda dizer nesses casos, 2.020 moradias do Minha Casa Minha Vida. E deitou falação em defesa do próprio mandato. A governante que apareceu há menos de uma semana no horário político do PT que demonizava líderes da oposição — três deles presidentes de partido — afirmou o seguinte:
“Eu trabalho dia e noite incansavelmente para que essa travessia seja a mais breve possível. O Brasil precisa muito, precisa mais do que nunca, que as pessoas pensem primeiro nele, Brasil, no que serve à nação, à população, e só depois pensem nos partidos e em seus projetos pessoais. O Brasil precisa de estabilidade para fazer essa travessia.”
Entendi. Ela já vendeu essa ideia de “travessia” na campanha eleitoral. Mas isso é o de menos. Segundo se entende de sua fala, ser contra o governo é ser contra o Brasil, certo? Logo, o patriotismo só tem uma expressão em nosso país: o governismo. Tenham paciência! Quando a campanha eleitoral desta senhora acusava os adversários de querer tirar a comida e o emprego dos pobres, não lhe ocorreu que o Brasil deveria estar acima de seus interesses.
E Dilma prosseguiu com aquela mixuruquice retórica que Lula introduziu na política, comparando o país a uma família:
“É como numa família. Numa dificuldade, não adianta ficar um brigando um com o outro. É preciso que as medidas sejam tomadas. Ninguém que pensa no Brasil deve aceitar a teoria dos que pensam assim: ‘Eu não gosto do governo, então eu vou enfraquecer ele’. Quanto pior, melhor? Melhor para quem?”
Dilma não é da minha família. Não é minha mãe, não é minha tia, não é minha avó, não é minha prima, não é minha irmã, não é minha mulher, não é minha filha… Dilma não é nem mesmo minha vizinha. Ela pertence a um governo cujos postulados repudio. Logo, de saída, ainda que ela fosse a encarnação da honestidade pessoal, eu teria o direito democrático de me opor.
Mas calma lá! A honestidade pessoal — se enfiou ou não a mão no nosso bolso para enriquecer — não é o único crivo que pode levar um governante a perder o mandato. Basta ler a Lei 1.079, que muitos puxa-sacos, pelo visto, gostariam de banir do país. É aquela que tirou Fernando Collor de Mello do poder. De resto, quem disse que a gente aguenta qualquer desaforo, mesmo da família?
A agora presidente que, durante a campanha eleitoral, tentou faturar com a crise hídrica de São Paulo, que, sabia ela muito bem, não tinha como ser atribuída ao governador do Estado, afirmou:
“Quero aproveitar para fazer um apelo aos brasileiros: vamos repudiar sistematicamente o vale-tudo para atingir qualquer governo. Seja o governo federal, o governo dos estados e dos municípios. No vale-tudo, quem acaba sendo atingido pela torcida do quanto pior melhor é a população.”
Uma das misérias brasileiras está no fato de que os governantes só ficam recitando postulados da democracia quando estão à beira do abismo. Quando seguros em seus respectivos tronos, atropelam-nos sem pestanejar, não é mesmo?
A plateia para a qual falava era toda amiga. Tinha sido rigidamente selecionada, numa mistura dos critérios de democracia da turma de propaganda de Dilma com os do PCdoB, do governador Flávio Dino. Enquanto ela discursava, da plateia partiam gritos com esta espontaneidade:
“Renova, renova, renova a esperança”;
“A Dilma é guerrilheira e da luta não se cansa”;
“No meu país, eu boto fé, porque ele é governado por mulher”.
Flávio Dino, um homem, salvo melhor juízo, também resolveu dar uns pitacos sobre democracia e golpe:
“Nós aqui do Maranhão defendendo a democracia contra qualquer tipo de golpe instalado no nosso país. Estamos aqui manifestando o que se passa no coração do povo mais pobre deste país. É claro que todos nós somos contra a corrupção. Defendemos a investigação e a punição de quem quer tenha feito coisa errada. Temos que separar as coisas. Com respeito à Constituição, à democracia e às regras do jogo. Estamos aqui num abraço simbólico à democracia, à Constituição e ao governo da presidente Dilma Rousseff”.
Golpe é tentar impedir que os Poderes da República exerçam suas prerrogativas constitucionais. De resto, quem é Dino para falar? Recomendo uma breve pesquisa no Google. Coloquem lá na área de busca as seguintes palavras, sem vírgulas e sem aspas: “Flávio Dino grupo Sarney recorreu Justiça”. Vocês verão quantas vezes este senhor apelou a instâncias legais para tentar cassar mandatos ou eleições de seus adversários locais, ligados à família Sarney ou pertencentes à própria.
Dino é oriundo da escola de pensamento do PCdoB: o que serve a seu grupo e a seu projeto de poder traduz a redenção popular; o que não serve é golpe.
Essa conversa das esquerdas já não seduz mais ninguém, a não ser meia dúzia de colunistas cujas máscaras caíram de forma irremediável. Dilma tem de prestar contas à democracia, não à ditadura.
* Reinaldo Azevedo é colunista da Veja