Não sou mais Excelência
Afinal eu nunca gostei de ser tratado como “excelência”. O Regimento do Senado determinava que os funcionários tratassem assim os senadores. Quando ali cheguei, em 1971, o ascensorista me cumprimentou: “Excelência Senador Sarney”. Disse-lhe: “Meu filho, não precisa do excelência”. Mas, no tempo do DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público, havia uma regra que dizia como deviam ser tratados os chefes. Vinham de senhor a ilustríssimo, a excelentíssimo, etc. e tal. Era sempre uma pegadinha nos concursos a preparação de um expediente a uma autoridade, com o desafio para o concursando de acertar a fórmula de tratamento.
O Presidente Bolsonaro resolveu acabar com isso. Agora todos são SENHOR. Acho bom. Sempre me perguntam como quero ser tratado. Se Governador, Deputado, Senador ou Presidente. Sempre digo que, quando estudei, o Eduardo Carlos Pereira, autor da gramática em que estudei, ensinava que as pessoas deviam ser tratadas pelo título maior que tivessem. Assim, meu interlocutor dizia: “Presidente.” Eu respondia que gramaticalmente estava certo, mas como que eu gosto mesmo de ser tratado é de “Sarney”, filho da Dona Kiola.
Sempre foi uma coisa difícil o modo de tratar as pessoas. Aqui no Maranhão, por exemplo, um dos maiores brasileiros, o negro Cosme, que fundou o maior quilombo do Brasil — e a primeira medida que tomou foi mandar construir uma escola para as crianças —, gostava de ser chamado de “Imperador das Liberdades Bentivis”. Bentivis era o apelido dos membros do Partido Liberal.
Na Revolução Mexicana, iniciada por Madero, continuada por Pancho Villa, Orozco, Zapata, o primeiro decreto foi muito prático e aliviou grandemente o país. É que as solenidades públicas duravam sempre várias horas. Começavam com as nominatas — e haja nomes a citar, títulos a dar às pessoas, “ilustre”, “grande amigo”, “excelentíssimo”, “ilustríssimo”, “generalíssimo” e por aí iam. Madero proibiu que qualquer solenidade durasse mais de uma hora e que das nominatas constasse o tratamento das pessoas, todos saudados como “ciudadanos”. Naturalmente um plágio da Revolução Francesa, que determinou o tratamento geral de “citoyens”. A Revolução Russa firmou o tratamento socialista de “camaradas”, aliás também usado pelos nazistas e franquistas (sem esquerdismo). Os cubanos lançaram o “compañero”.
Quando George Washington foi eleito presidente dos Estados Unidos, seu vice, John Adams, propôs que fosse tratado de “His Highness, the President of the United States and Protector of the Rights of the Same” (Sua Alteza, o Presidente dos Estados Unidos e Protetor dos Direitos dos Mesmos). Benjamin Franklin foi singelo: “Loucura absoluta.” Já Thomas Jefferson achou que era “a coisa mais superlativamente ridícula que jamais ouvi.” Afinal o Congresso ficou ao tratamento de “Mr. President”.
E agora, à moda brasileira, sem revoluções, o Bolsonaro resolveu nossa situação: eu perdi Excelência, mas todos ganharam: agora sou Senhor, Zé do Sarney e de Dona Kiola. Só falta limitar as solenidades a UMA HORA.