Eu, os negros e a Fundação Palmares

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Por José Sarney

O Brasil nasceu quase junto com sua maior injustiça: a escravidão negra. Por ela, as pessoas eram coisas. No Maranhão ela assumiu ares oficiais: a Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará tinha monopólio estatal da venda de escravos.

Na época da Independência José Bonifácio pretendia combinar o fim da escravidão com a reforma agrária. E dizia que o Brasil precisava da “expiação de nossos crimes e pecados velhos”.

Dividi com meu amigo Afonso Arinos, autor da lei que leva o seu nome, de considerar crime a discriminação racial, a defesa da causa que herdamos deste nosso passado, de redenção dos mais pobres, de seus direitos individuais e sociais, terra, como queria o Patriarca, a educação, como pretendia Nabuco.

Como parlamentar e nos cargos executivos que exerci, governador e presidente, sempre saí na frente em sua defesa. Nas Nações Unidas, em 1961, como delegado do Brasil na Comissão de Política Especial, fiz um discurso em nome do Brasil, talvez o primeiro, condenando o apartheid, o regime da África do Sul que segregava negros e brancos. Presidente da República, cortei relações com o país e proibi o Brasil de participar dos eventos esportivos ali realizados.

Em 1988, era o centenário da Lei Áurea. Não quis fazer nenhuma solenidade de comemoração porque sempre tinha, ao longo dos anos, afirmado ser a escravidão a maior mancha de nossa História.

A condenação da discriminação racial no Brasil tinha sido politizada e segregada em retórica, sem nenhuma medida concreta para objetivamente extinguir essa vergonha de serem os pretos no Brasil os mais pobres dos mais pobres, as maiores vítimas dos assassinatos, os últimos a ter emprego, os que têm menor acesso à educação.

Estudioso da História, eu sabia que os Estados Unidos, onde o problema era mais agudo do que no Brasil, só tinham avançado em sua solução quando criaram instrumentos fortes de integração, de maneira a que os negros pudessem participar das decisões.

Assim, aproveitei a data dos cem anos da abolição para fazer o primeiro ato efetivo a favor dos afrodescendentes: criei a Fundação Palmares e procurei dar instrumentos para que ela cumprisse seus objetivos Fundação Palmares e procurei dar instrumentos para que ela cumprisse seus objetivos.

Na década seguinte, fui pioneiro ao propor uma lei de cotas para os negros nas faculdades, no emprego e no financiamento público, que só há alguns anos começaram a ser implementadas. Houve uma nova maneira de encarar o problema da discriminação racial, e começamos a colher o resultado das cotas.

Esta minha visão está expressa no fato de que criei uma das grandes personagens negras de nossa literatura, Saraminda, ao lado de Tereza Batista, do Jorge Amado.

Portanto, é com revolta, com profunda indignação que vejo se tentar deturpar os objetivos da Fundação Palmares, ignorando suas origens e seus objetivos. Em vez de fortificá-la, usá-la para estigmatizar os negros, falando mesmo, numa linguagem chula, de mandá-los para o Congo.

A maior parte dos que formaram o Brasil foram africanos. Sua contribuição está no mundo material e no nosso universo imaginário. O forte sangue negro permanece no nosso DNA, na nossa cultura, na nossa determinação. Mas nem todos partilhamos de seu sofrimento, que não se acaba, como se constata na agressão revoltante que presenciamos.

Coluna do Sarney

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O negro no Maranhão

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Por José Sarney

A raça negra tem uma importância grande para o Maranhão. Em algum momento da História colonial, ela chegou a ser dois terços da nossa população.

A Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, criada por Pombal, trouxe milhares e milhares de negros para, pelo braço escravo, criar grandes plantações de algodão, arroz e cana. Isso fez do Maranhão um dos estados com maior presença negra do Brasil.

Aqui já havia muitos escravos, uma parte trazida pelos tumbeiros, navios que faziam contrabando de africanos. Os mais valiosos eram os da Costa da Mina, homens fortes, altos, robustos. Daí sua religião chamar-se aqui tambor de Mina e não candomblé, como na Bahia. Outros frequentes eram os de Cacheu, na atual Guiné Bissau. Muitos dos testamentos daquele tempo referem-se a escravos de Cacheu, o que mostra a importância destes.

Eu sempre fui um grande defensor da raça negra. Em toda minha vida pública há essa preocupação.

São minhas as frases de que a “maior mancha da história do Brasil é a escravidão” e “nossa maior dívida social é com os negros”.

A grande mudança da política brasileira em relação aos negros, depois do marco da Lei Afonso Arinos, foi feita por mim. Vi a prioridade de sairmos da condenação política de suas deploráveis condições para criarmos instrumentos reais de ascensão. Precisávamos de políticas de discriminação positiva, porque os maiores problemas dos negros, vinculados à discriminação, são a pobreza e a impossibilidade de subir aos níveis de decisão na sociedade. Daí, para começar essa nova visão, nos 100 anos da abolição da escravidão, da Lei Áurea, criei a Fundação Cultural Palmares. Sou autor de dois grandes projetos de promoção dos afro-brasileiros: o primeiro, a ideia das cotas raciais, não somente para universidades, mas nos concursos para o serviço público e em todas as atividades dentro da sociedade; o outro, o do reconhecimento e de todo o processo de titulação das terras quilombolas, a ser feito pela Fundação Palmares.

Sustento que ao lado de Zumbi está o Negro Cosme, que fez um dos maiores quilombos do Brasil, com 3.000 membros, e cujo primeiro ato foi fundar uma escola, já sonhando que na educação estava a liberdade. Foi enforcado em Itapecuru, em praça pública, e merece uma estátua em São Luís.

2Pela minha atuação em favor dos negros, recebi o Troféu Raça Negra, que me foi entregue pelo Reitor, o grande líder e expressão do talento negro, Professor José Vicente, e o título de Chanceler da Ordem do Mérito Memória e Alma de Zumbi dos Palmares.

Creio que a Semana da Consciência Negra deve sempre ter como objetivo as políticas para retirar os afro-brasileiros da pobreza, pois são os mais pobres entre os pobres.

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