Caminhões e estradas
Em matéria de greve ninguém tem mais experiência que eu. Não em fazê-las, mas a de conviver com elas. Quando fui presidente da República enfrentei doze mil e tantas greves — o número exato deve estar nos arquivos da Abin, que sucedeu ao SNI do meu tempo.
Noventa por cento delas de caráter político, pois tinham a finalidade de desestabilizar o governo, por sua investidura com a morte, sempre lamentada, de Tancredo Neves. O momento era difícil, pois era um período de transição de regime autoritário para os ventos da liberdade de uma democracia plena.
Sabe Deus o que me custou lidar com elas. Forças políticas e setores do poder econômico não admitiam que tivéssemos sucesso e buscavam o caos, com vistas em minha deposição. Mas, com as virtudes da paciência quase bíblica, venci essas agruras, a democracia não morreu em minhas mãos e entreguei o País democratizado, com o fim do militarismo (que por definição é agregação de poder político ao poder militar) e vivemos estes anos de absoluta liberdade, eleições livres, alternância de poder e a cidadania forte.
Agora vemos o quanto de perplexidade e incerteza vive o País com a paralização das estradas e, como consequência, o fim do abastecimento.
Tenho sido profeta, embora melhor seria que não o fosse. Condenei a Constituição de 1988 dizendo que o País ia ficar ingovernável. E ficou. Condenei esse modelo rodoviário, com o sucateamento das estradas de ferro e a resistência de um País tão cheio de rios navegáveis às hidrovias. Contra minha opinião a Constituinte acabou com o Fundo Rodoviário Nacional, e os recursos que o constituíam foram transferidos para o ICMS, com a destinação em grande parte para a ação política.
Recebi um boné de ferroviário quando preguei e fiz um plano para implantação de ferrovias no país. Quis fazer a Norte-Sul, mas não deixaram, e Lula muitas vezes penitenciou-se por combatê-la — e a fez. Conclui a Estrada do Aço e a inaugurei. Tentei fazer a Leste-Oeste, ligando Mato Grosso aos portos de nossa Costa, e deixar uma rede ferroviária que pudesse ser operada mais barato e diminuir nossa dependência do petróleo. Não deixaram. Quase me matam, tantas críticas e resistências!
No Maranhão salvei a ferrovia São Luís-Teresina dos planos de Geipot — o Grupo Executivo de Integração da Política de Transporte, que a partir de 1965 comandou o setor na área federal — de erradicação das estradas deficitárias, como fizeram no Pará com a Bragantina (Belém-Bragança). E ela sobreviveu e leva combustível para todo o Meio Norte, até ao Ceará.
Agora estamos vivendo os efeitos dessa falta. Na raiz dessa grande e até agora não resolvida crise está a vulnerabilidade de nossa malha de transporte, a totalmente estrangulada malha rodoviária e a ausência de redes ferroviária e hidroviária. Somos totalmente dependentes dessas estradas rodoviárias sempre estragadas e sobrecarregadas. Disse que isso ia acontecer e aconteceu.
Restou-me apenas o boné que os ferroviários de deram, como sendo o “Presidente Ferroviário”.
Foto: Jefferson Rudy/ Agência Senado