Por Joaquim Haickel
O texto a seguir é resultado de meia dúzia de tentativas que tenho feito desde a última terça-feira (17/6/13) de escrever alguma coisa sobre essa serie de manifestações que vem acontecendo pelo Brasil afora.
Estando insatisfeito com os textos anteriores, resolvi descartá-los e começar este que, juro, será o último.
Descartei a primeira crônica que escrevi por achá-la simplista; outra por reputá-la preconceituosa; uma outra por ter nela sido radical, extremista; a quarta por tê-la aprofundado demais ao ponto de vê-la quase transformada em um ensaio sobre as reações populares, suas causas e consequências. A anterior à atual por ser o resultado infrutífero da exaustiva tentativa de definir o que realmente está acontecendo, de tentar saber o que realmente desejam os manifestantes. Eu não sei e creio que em sã consciência, quase a totalidade deles também não.
Como cronista, político ou simplesmente como cidadão não posso deixar de participar deste debate que foi proposto inicialmente por um grupo de jovens paulistanos, líderes de um pequeno movimento que luta para implantar um sistema gratuito de mobilidade urbana.
Tenho que dizer algo a respeito de tudo isso, afinal de contas esta é uma das características mais marcantes desse movimento. A necessidade que as pessoas estão sentindo de participar, de dizer sobre algumas de suas insatisfações, de protestar contra qualquer coisa, de postar nas redes sociais suas opiniões, algumas delas absurdas, verdadeiros despautérios, ou simplesmente repercutir as opiniões de alguém que nem sempre são pessoas que deveríamos seguir, nem mesmo virtualmente.
Eu tenho que fazer parte disso de alguma maneira, e como não vou para as ruas, o farei daqui, dessa privilegiada tribuna, longe das balas de borracha e dos sprays de pimenta. Impregnado pelo mesmo espírito de brasilidade, de nacionalismo e de cidadania, mas tendo estes sentimentos completamente harmonizados com a realidade e a lógica dos fatos, patamar que muitos desses jovens só atingirão daqui a algum tempo.
Cerro fileiras do lado bom desse movimento e repudio peremptoriamente os atos de violência e vandalismo de uma minoria imbecil que quase desqualifica e invalida tudo o que está acontecendo.
Você que me lê agora pode esperar que mais adiante, antropólogos, sociólogos, psicólogos, cientistas políticos e jornalistas aparecerão com explicações acadêmicas complicadas para esse fenômeno que estremeceu as cidades brasileiras, principalmente as capitais, notadamente as maiores, sendo São Paulo o epicentro deste cismo.
Estou pasmo com a falta de preparo dos governantes para tratar com esse tipo de evento. Isso é um absurdo!
Parte do povo deste país cujo hino o diz “deitado eternamente em berço esplendido” é na verdade um bando de sonâmbulos que ingenuamente pensam estar acordados. Na última semana esse povo tem sido dirigido por um grupo de jovens idealistas que se tornaram vítimas de vândalos que invadiram seu sonho transformando-o em um pesadelo midiático.
São Paulo, assim como muitas outras cidades brasileiras, aumentou em vinte centavos de real os preços das passagens de ônibus. Esse teria sido o estopim dos protestos. Por isso a multidão saiu às ruas.
Vários dias após o inicio dos protestos, alguns dos líderes desse movimento sem cabeça disseram que se a prefeitura de São Paulo revogasse o aumento todos voltariam para casa. Pobres tolos, eles não sabem que arrombaram uma porta e que dela deixaram escapar um animal incontrolável. Um homem que busca uma causa pela qual lutar. Eles não imaginam o que começaram e o que é pior, não tem noção das consequências que podem advir disso.
O advento das redes sociais, neste caso serviu como fio condutor de tudo o que está acontecendo. Foram elas que serviram de assembleias para conclamar os manifestantes a comparecer aos eventos.
Lendo o que as pessoas postam em suas páginas, nos jornais de suas vidas, se vê, com total impotência, do que é capaz a massa, que como já pudemos observar no decorrer da história, é incontrolável. Assim foi quando tinha a sua frente grandes líderes e o é ainda agora com muito mais desenvoltura quando tem à sua frente a idealista e simpática garçonete e estudante de geografia da USP, Mayara Vivian.
É incrível que uma manifestação como essa corra a cidade, se espalhe pelo estado, invada o país de maneira tão incontrolável.
Repentinamente os protestos ampliaram e multiplicaram os seus focos. Passaram a ser contra os investimentos para a Copa do Mundo, contra a corrupção, contra a impunidade, contra a PEC 37, contra a cura gay, contra as bolsas do governo federal, em favor de maiores e melhores investimentos em educação, saúde, segurança pública, por uma reforma agrária imediata, e muitas outras coisas.
Aí, então, ficou fácil. Com isso o movimento agregou pessoas que jamais iriam para as ruas derramar lixeiras, quebrar vidraças e incendiar veículos. Entre essas pessoas posso incluir minha mãe, minha mulher e minha sobrinha de 12 anos.
Minha mãe é uma manifestante distante em favor de maiores investimentos em saúde, educação e segurança. Minha mulher se indigna com a corrupção e a impunidade. Minha sobrinha é contra os gastos com a Copa, a cura gay, a PEC 37, que na verdade ela assim como a maioria das pessoas não sabe o que é.
Eu também sou a favor de muitas dessas coisas e contra outro tanto delas, mas não apoio o tipo de manifestação, onde o manifestante busca aquilo que pensa ser seu direito destruindo o direito de outras pessoas. Evoca a democracia para em seguida assassiná-la em nome dos direitos que essa mesma democracia lhe garante.
Não me venham gritar que “violência não”, por parte da polícia, se muitos manifestantes não se controlam e usam de violência em um ato que se fosse pacífico seria perfeito, demonstraríamos amadurecimento cívico, republicano e democrático. Mas ainda é tempo.
Depois de ver várias agressões sofridas por jornalistas, saques, depredações e ações de vandalismo, depois de ver que um protesto verdadeiro, legítimo e pacífico foi infiltrado por radicais arruaceiros, violentos e até por alguns bandidos, acredito que ele possa até ter algumas conquistas, mas terá falhado fragorosamente na sua intenção de protestar pacificamente.
Repito: a participação de uma minoria violenta e vândala descaracteriza e descredencia esse movimento.
A Primavera Brasileira, no final, pode ficar sem flores, mas talvez já tenha dado frutos.