Por José Sarney
Norberto Bobbio, o grande cientista político italiano, já perto de completar cem anos, perguntado sobre a velhice, respondeu: “A velhice é muito boa, só tem um defeito, dura muito pouco.”
Agora, muita gente me tem feito a mesma pergunta. Eu digo que não sei, porque não sou velho; sou às vezes um adolescente, outras vezes um adulto curioso. Continuo estudando muito, escrevendo, lendo e trabalhando.
Magalhães Pinto me dizia que “velho é quem tem um ano mais do que eu”. Quase o que repetia o meu avô Assuéro, pai de minha mãe Kyola: quando o chamavam de velho ele prontamente respondia que “velhas são as estradas”.
Já o grande Picasso, ao chegar aos noventa anos, foi rápido no gatilho: “Estou com saudade dos meus oitenta anos.”
Eu tenho uma ojeriza a certos termos que passaram a usar para a velhice: terceira idade, melhor idade e outras mais. Eu tenho horror a essas expressões. Melhor chamar velho, ancião, velhote. Quando eu era menino me chamavam de Zequinha, agora só algumas primas da minha idade ainda me chamam assim. Tenho um primo, filho da minha tia Martinhana, Isaac Lobato, que mora em Santa Catarina, para onde foi logo depois de formado em medicina e onde fez grande nome, hoje um dos mais respeitados médicos daquele estado. É um pouco mais velho do que eu — uns três anos. Sempre falamos ao telefone. Ele vai logo dizendo “Como vai, Zequinha?”, e eu respondo “Vou bem, Isaquinho”, como o tratava em nossa juventude. Não é nada artificial, é apenas um tratamento terno, desses que na vida a gente não esquece nunca.
O velho Alexandre Raposo, vizinho do meu outro avô, José Adriano da Costa, pai do meu pai, era um tipo sanguíneo e pegava corda com tudo. Disse a meu avô que, quando um vaqueiro seu o chamou de velho: “Velho?!” — respondeu — “Vá lá em casa à noite que eu mostro a velhice”. Meu avô contou a história e comentou: “Velho debochado e mentiroso.”
Manuel Bandeira, o grande poeta, colocado na minha lista dos maiores, foi meu amigo — com ele sempre estava na casa de Odylo Costa, filho, outro grande poeta e meu eterno amigo. Bandeira era solteirão, mas, até o fim da vida, louvador do sexo feminino. Ainda moço, mas sempre com o sentimento de fragilidade diante da vida com que a tuberculose o marcara, escreveu: “Que mais queres / Além de versos e mulheres?… / — Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!… / Évoé Baco.”
Todos os dias agradeço a Deus a graça da vida que me deu, através de meu pai e de minha mãe. Pôs a mão na minha cabeça e fez tudo por mim. Estou chegando aos noventa. Escrevi 122 livros, em 172 edições, com alguns traduzidos em doze línguas. Deus me fez Presidente da República, Governador do Maranhão e deu-me a felicidade de trabalhar pelo povo brasileiro, pelo Maranhão, pelo Brasil.
Fez-me membro da Academia Brasileira de Letras, hoje o decano, com quarenta anos de eleito. Não tenho ódio de ninguém, nunca cravei, por meu desejo, espinho algum no peito de ninguém. Qual o período em que fui mais feliz? A infância, sinônimo de felicidade.
Deu-me uma família, que constitui com Marly e três filhos — Roseana, Fernando e Sarney Filho — que só me deram alegria e orgulho. Quem me ajudou? Deus. A ele, meu Pai Eterno, graças pela graça da vida, aleluia. Estou na Primeira Idade.
Coluna do Sarney