Por José Sarney
Dou prosseguimento ao meu testemunho sobre o que era o Maranhão quando assumi o governo em 1966. Afirmei então que vivíamos no século 19, pois não havia Estado (no seu conceito moderno) funcionando.
Era a estagnação e a ausência de serviços públicos: nem médicos, nem equipamentos de saúde, nem saneamento, nem leis que representassem a busca do bem público. O que existia era o poder do mando, era uma classe que, se apoderando das funções do Estado, em seu nome explorava o povo, condenado à pobreza absoluta. Vinham da Colônia a escravidão, nas grandes plantações e nos latifúndios, e o enfrentamento com os pobres e sofridos índios. José Bonifácio dizia que a obra da Independência — 1822 — não se completara porque deixou de adotar soluções sobre a emancipação dos negros e a liberdade dos índios, condenados, em sua cultura milenar, a viver em lutas que resultavam na sua dizimação, morte em guerras de extermínio ou escravidão.
Vieram leis de proteção aos índios e a abolição, mas elas não deram a uns e outros condições de participar da construção do país, problema até hoje existente, com a marginalização dos negros e o abandono dos índios. Os pretos continuam sem direito à ascensão social e os índios, sem uma política de garantias.
No Maranhão tínhamos 82% de nossa população na área rural, com taxa de analfabetismo estratosférica de 72%. Ainda convivíamos com a pobreza extrema, sem indústria, saneamento, água, energia, saúde, educação, e não tinha perspectiva nem recursos humanos na política que vissem a dimensão e a solução do problema.
Em vez de criticar ou abrir comissões de inquérito, antes mesmo de assumir o Governo, em 14 de março de 66, criei o GTAP (Grupo de Trabalho, Assessoria e Planejamento), para organizar a administração pública e um programa de Governo. A grande dificuldade era a falta de recursos humanos. Fiz uma convocação nacional para que os maranhenses que estivessem fora, e quisessem trabalhar nesse novo tempo, voltassem. Fui à Sudene e, junto ao Celso Furtado, seu idealizador, consegui a cessão de jovens técnicos para me ajudar: Mário Pires Leal, Joaquim Itapary, brilhante e ocupando posto de grande destaque naquele órgão, Darson Duarte, Mariano Matos, Manuel Lopes, Celson Mendes, José de Jesus Morais Rego; do CEM (Centro de Estudantes Maranhenses) do Rio, vieram João Alberto, Loester Mendes e outros. Depois vieram juntar-se Carlos Madeira, Eliezer Moreira, Murilo, Chico Batista, Amauri Ritter, Benedito Buzar, Bandeira Tribuzzi, Nivaldo Macieira, Emiliano Macieira, Vicente Fialho, José Reinaldo, Haroldo Tavares, Antônio Luís Oliveira, José Lins, Cesar Cals. Muitos se tornaram nomes nacionais.
Não conhecia quase nenhum deles nem recebi pedidos. Foram o idealismo e o desejo de renovar a política e a administração maranhense que me levaram a isso.
Quando me acusam de não querer renovar, meus atos mostram o contrário. Foi assim que sempre agi a vida inteira, sem passar em cima de ninguém e dando oportunidades para todos.