Por José Sarney
O tempo desfaz uma das maiores ilusões que abastece o ego político: o pensar que sobreviveremos e seremos sempre lembrados pelo que realizamos.
Mas o verdadeiro político — e como temos falsos profetas, também temos falsos políticos — é aquele que pensa sempre coletivamente, nunca de forma egoísta, extremamente individual: pensamos sempre que o que vamos fazer é em favor dos outros. Assim construímos escolas, fazemos estradas, hidrelétricas, e acreditamos, quase como se fosse uma religião, em ideias, e delas construímos nossas ilusões.
A morte de Cafeteira me faz pensar como o tempo corrói essas ilusões. Assim é com certa melancolia que o vejo desaparecer, e com ele a lembrança de tudo que realizou. Poucos políticos em nossa terra foram tão populares. Ele tinha um jeito e um modo de saber comunicar-se com o povo e estabelecer uma comunicação saborosa, que tocava a alma das pessoas.
Conheci Cafeteira, em 1961, quando eu era deputado federal. Ele trabalhava na agência do Banco do Brasil, no Congresso, e era meu interlocutor constante, que pouco a pouco foi ganhando intimidade.
Em 1962 a oposição rachou-se, e o PSP, que era o maior partido dela, não quis fazer mais a aliança das Oposições Coligadas. O objetivo era isolar-me para que, mesmo se obtivesse uma grande votação, não alcançasse a legenda necessária para reeleger-me.
Então, na ausência de políticos que quisessem compor a nossa chapa — eu, então na União Democrática Nacional e seu presidente estadual —, convidei o ex-deputado Pedro Braga, brilhante intelectual e político de grande talento; o Dr. Cesário Coimbra, do PTB, partido pequeno; e aventurei-me a convidar o Cafeteira para que também tentasse entrar na política do Maranhão. Ele aceitou.
Fomos para uma chapa de quatro candidatos, que se dizia ser de nenhuma perspectiva de qualquer vitória. Mas obtive grande votação (já então se falava em meu nome para governador), e nossa chapa, em que ninguém colocava fé, saiu não apenas com um deputado de grande votação — eu, então, com 32 mil votos, necessários para conquistar duas cadeiras; o segundo colocado foi o Pedro Braga, que obteve 3.200 votos; Cafeteira e Cesário Coimbra, suplentes.
Pedi licença algumas vezes, dando oportunidade a Cafeteira de assumir a Câmara dos Deputados. Foi numa dessas oportunidades que ele, com grande senso político, apresentou uma emenda constitucional dando autonomia a São Luís para eleger o seu prefeito, cargo para o qual ele foi eleito. Aí iniciou um caminho brilhante de prefeito, deputado federal, governador e senador. Foi assim que ele, com grande talento, exerceu sua carreira, que marcou a história política do Maranhão.
Tivemos, por essas vicissitudes da vida e da política, de muitas vezes estarmos separados, adversários duros, em partidos diferentes. Tive, entretanto, uma grande sorte, e ele também dizia a mesma coisa, de reencontrá-lo, e, depois de ser seu adversário, nós nos reaproximamos, e eu o indiquei para governador, quando era presidente da República, e nele votei. Depois novamente ficou ao nosso lado, compondo a chapa de Roseana para governadora, ele para senador.
Já então vivíamos os tempos da nossa primeira amizade, o afeto e a estima e a solidariedade que marcaram os últimos anos da sua vida.
Confesso que foi com profunda emoção que senti a sua morte. Fui o seu companheiro solidário e amigo durante a última década. Aí conheci outra faceta de sua personalidade: seu estoicismo no longo sofrimento, que acompanhei de perto. Conheci sua família, sua filha Janaína e seus netos, e uma pessoa extraordinária, que o encheu de afeto e, com sacrifício, dele zelou como um anjo, sua esposa, Isabel, exemplo dessas mulheres bíblicas.
O Maranhão perdeu um grande político. A geração das nossas lutas de oposição do tempo de Millet, Alexandre Costa, La Rocque, Neiva Moreira, Odylo Costa, filho, Manuel Gomes, Nunes Freire, Luís Rocha, Alarico Pacheco, Lino Machado, Genésio Rêgo, Clodomir Cardoso, Satu Belo e tantos outros. Era uma época diferente, em que não existia o ódio nem a perseguição. Nem era necessário mudar de calçada para não encontrar o seu opositor.
O tempo já consumiu cada um deles, e com eles aquele clima da luta que nos envolvia, criando e dissolvendo afetos, mas todos marcados pela paixão da vida pública.