A revelação de que a assessoria política de uma firma inglesa incluía a manipulação de 50 milhões de contas do Facebook me faz retomar algumas reflexões que escrevi há quinze anos e não perderam atualidade.
O paradoxo do século XXI parece residir no feito de que o indivíduo considerado livre aparece como nunca destinado à opressão. Ele é livre e soberano, porém ao mesmo tempo frágil e vulnerável. E passa a ser o único culpado pelas decisões que toma.
A exigência de transparência na sociedade de informação se tornou uma exigência fundamental. Porém, se por um lado dá poder aos cidadãos e permite acompanhar a discussão do poder por meio da difusão do controle, por outro, em nome da transparência, o poder constrói uma série de sombras bárbaras que não são identificáveis nem controláveis.
A diferença entre espaço público e privado — o direito do cidadão à privacidade — é considerado como garantia fundamental das liberdades públicas. Cada ser humano deveria ter assegurado seu sigilo, sendo a inviolabilidade de correspondência e a proteção ao domicílio ícones dos direitos fundamentais.
A definição do equilíbrio fundamental entre a abertura que enriquece, porém debilita, e a sombra que empobrece, porém consolida, entre a transparência que ilumina a comunidade e o sigilo que a protege, se descreve por meio de novos termos, e definir este equilíbrio se torna impossível.
O cidadão que luta por mais transparência para exercer seus direitos e deveres acaba tendo que ser, ele mesmo, transparente. A sociedade de informação o posiciona diante de alternativas cruéis: ou opta pela solidão de um ermitão, e oculta todos seus sigilos, porém em liberdade, ou pela escravidão do ascetismo, ou ainda revela-se em cada um de seus personagens com o risco de ser preso pelos fios de uma tela invisível. Evitar que os fios se encontrem, fragmentar a informação de si mesmos, multiplicar suas custódias e impedi-las de estabelecer relações entre si, se torna então a única garantia fundamental da liberdade.
A melhor maneira de prevenir eventuais abusos não é concentrar a informação, o que é frágil. Deve-se, ao contrário, dispersá-la de maneira que fique longe de qualquer predador. Para que não se torne absoluta, a transparência deve ser organizada e fragmentada.
Ela deve adquirir os contornos de uma comunidade particular e dividir-se, seguindo lógicas funcionais, de maneira que ninguém, nem qualquer autoridade, possa acessar a soma das informações relativas a uma pessoa. Não somente cada pessoa tem direito a sua parte do sigilo, como a comunidade será definida pelos sigilos que ela compartilha com seus membros. Assim, um novo dilema se apresenta a cada pessoa, pois quanto mais aceitamos compartilhar, mais nos tornamos transparentes, mais ficamos sob a vigilância do grupo, e quanto mais protegemos nossa parte do sigilo, menos solidariedade podemos pedir ao grupo.
Quando, no entanto, a tecnologia que nos é oferecida como segura para revelarmos nossos gostos e segredos é passada a manipuladores de nossas opiniões, mergulhamos não numa ducha fria, mas num mar glacial de outra categoria: agora o que temos a temer não é o Estado, mas devemos temer pelo Estado, que, incapaz de nos proteger, torna-se vulnerável aos assaltos soturnos e impalpáveis das ambições.
Kkkkk. Que ridículo