Por Brenda Silveira*, com ilustrações do blog do Marco D’Eça
Não li e nem quero ler o tal artigo no qual o articulista global Arnaldo Jabor compara o estado do Maranhão ao Afeganistão.
Apesar da rima e dos trocadilhos engraçadinhos aos quais o textos de Jabor são sempre predispostos, eu protesto e digo: pra cima de mim, seu Jabor, não!
Aliás, a rima preconceituosa, fruto da visão burocrática de um jornalista carioca zona sul atinge, numa só tacada, dois povos distintos, porém ambos de culturas fantásticas e históricas.
Mas, aproveitando a deixa do articulista, vou comparar as situações sob outro ponto de vista.
O Afeganistão, país Islâmico soberano da Ásia Central tornou-se inimigo público número um dos norte-americanos a partir de um suposto (e dez anos depois) ainda mal explicado, “ataque terrorista” a dois suntuosos prédios na ilha de Manhatthan , curiosamente, transmitido ao vivo pelas TVs do mundo inteiro.
Na falta de um inimigo real o “Terror” tornou-se o maior adversário norte-americano, personalizado pelo chefe do Taliban (grupo que domina o país) Osama Bin Laden, que teoricamente teria ordenado os ataques.
Estranho que a mídia não tenho dito que Osama era amigo dos estadunidenses até aquela ocasião. Que tinha sociedade em negócios de petróleo com a família Bush. Ou seja; aquele que era aliado do país durante anos, em segundos tornara-se o vilão da nação.
Estava instituída a Islamofobia.
Nenhuma novidade para quem se interessa um pouquinho pela política internacional e sabe primariamente dos interesses da decadente economia norte-americana no petróleo daquela parte do mundo; desde a famigerada guerra do golfo na qual os americanos na sua arrogante postura de superioridade, atacaram covardemente e destruíram impiedosamente o Iraque, berço da cultura da humanidade. A imprensa mundial chegou a circular com insistência uma imagem, cedida pela CNN, de um pássaro do mar recoberto por petróleo que teria sido derramado no Golfo Pérsico, por ordem de Sadam Hussein. Uma mentira midiática internacional que levou ao suicídio o jornalista que forjou a fotografia.
Após os acontecimentos ocorridos desde o segundo semestre do ano passado, com recrudescimento no final de 2013 e início de 2014, na Penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, a primeira reação de todo o país foi de uma preconceituosa, xenofóbica e irritante histeria coletiva. Os ataques da imprensa nacional e seus articulistas à realidade, ao povo e aos acontecimentos no Maranhão não resistem à uma breve “GooglePress” sobre a dramática situação de presídios e presidiários em todo o país, inclusive com atos de crueldade infinitamente superiores aos ocorridos na ilha de São Luis. No Rio de Janeiro, por exemplo, no final dos anos 90, um conflito entre facções levou presos a decapitarem detentos rivais, comerem suas vísceras e jogarem futebol com suas cabeças.
Isso para não se falar do massacre do Carandiru que – sob a batuta do Estado e suas instituições – protagonizou um dos maiores banhos de sangue do país com mais de 100 mortos no episódio.
A polícia de São Paulo é tida como uma das mais violentas do mundo e chega a matar em uma década o dobro do que é contabilizado em mortes na guerra do citado Afeganistão, cerca de 13 mil pessoas.
Enfim, conheço desde muito cedo a realidade do Maranhão. Conheço bem de perto a realidade dos morros cariocas que emolduram com imensa pobreza e violência a bela Zona Sul, onde reside o articulista Jabor.
Conheço a realidade de São Paulo, suas guerras civis quase silenciosas e sua violenta polícia militar.
Não quero com isso negar o inegável: que não haja pobreza, miséria, tristeza, analfabetismo, falta de saneamento básico, precária estrutura de saúde, educação e transporte coletivo no Maranhão e na ilha de São Luis. Mas nada disso foge à realidade brasileira, mesmo que em escala maior, e que justifique essa “Maranhensefobia” que se instalou nos meios de comunicação do Brasil.
Afinal, se o Maranhão é governado por uma Oligarquia esse padrão político/cultural é fruto de práticas bem conhecidas de quase todos os estados da federação. E esse grupo político não permaneceu por quatro décadas no poder, apenas com o voto de seus humildes eleitores. Essa oligarquia maranhense foi alimentada pelo poder político e econômico central que, certamente, lucrou bastante com isso. E não é privilégio do Maranhão. Em Minas Gerais temos ainda “feudos” e currais eleitorais como os dos Neves, para ficar num só exemplo e que, com seu poderio faz calar a imprensa em escândalos policiais envolvendo seus políticos com o tráfico de drogas.
O povo nordestino – apesar de ter dado ao país os brasileiros mais ilustres nas artes, nas ciências, na literatura e na política – foi, historicamente subestimado pelo “rico” e branco sul e sudeste que, neste momento de crise, ao invés de olharem para um problema de tamanha complexidade e de extensão nacional, preferem acusar e reforçar seus preconceitos contra um estado nordestino de grande riqueza natural, humana e cultural.
Hoje, uma matéria veiculada na imprensa do Maranhão revela que a taxa de ocupação dos hotéis da histórica Ilha de São Luis tiveram uma queda record de 80% na sua taxa de ocupação. Uma visível consequência negativa e que penaliza diretamente o povo deste já, tão sofrido estado do país.
Enquanto isso, acontece ( neste exato momento) uma grande movimentação cultural no Estado – atualmente um dos maiores polos de produção e distribuição cinematográfica do país – reunindo agentes culturais de todo o estado e cineastas nacionais na Mostra de Cinema Maranhão na Tela. Certamente nada disso foi noticiado. E eu me pergunto o que há por detrás de tudo isso? O que realmente move essa comoção midiática?
Senhor Jabor, guarde seus preconceitos no bolso e dê um “rolezinho” na periferia de sua cidade. Além de ver que a força do braço nordestino é a que move a engrenagem das grandes e desestruturadas cidades brasileiras, vai entender que o seu “Afeganistão” pode rimar também com Complexo do Alemão.
Ou então pelo noticiário de ontem na capital Paulista onde o trânsito foi paralisado pelas inúmeras e catastróficas inundações, ônibus queimando em chamas pela revolta popular, caminhões tendo suas cargas saqueadas e , em plena luz do dia, assaltantes fazem trabalhadores reféns.
E vai ver que a rima pode também ser Itaquerão…
*Jornalista de Belo Horizonte (MG), pós-graduada em Cinema
Artigo Maranhão, Afeganistão, Arnaldo Jabor e o seu complexo de (do) alemão… extraído da rede social Facebook