Por Antônio Pessoa
A Constituição Federal, art. 93, dispõe sobre os princípios basilares a serem observados; entre esses estabelece que “o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”. Essa obrigação é assegurada pela Lei Orgânica da Magistratura, art. 35, inc. V, pela Resolução 37/2007 do CNJ e pelas leis de Organização Judiciária e Resoluções dos Tribunais.
A exigência para o juiz residir na comarca não mostra singularidade alguma, pois o comum é que o administrador de qualquer empresa no ramo público ou privado monte seu domicílio no local onde exercerá sua atividade.
Nem se pode invocar maior produtividade do magistrado para justificar a fuga a esse princípio, porquanto o leque de suas atribuições não se esgota na agilidade do andamento dos processos; trata-se apenas de um dos requisitos enumerados para o desempenho da missão do julgador. A exigência constitucional é norma objetiva e não se aceita os argumentos subjetivos para o não cumprimento do preceito. A alegação de que não existe imóvel em condições dignas ou de ter o magistrado filho menor e necessário o deslocamento diário para levá-lo à escola ou ainda o de que precisa acompanhar a esposa, profissional em outra área, não servem para a fixação da residência fora da comarca. Há desvio na discussão do tema, pois o questionamento não comporta interpretação em função de interesses subjetivos ou corporativos, mas se alicerça na necessidade da comunidade. O horizonte situa-se na indispensabilidade de o jurisdicionado ter em seu meio o juiz.
A Revolução da Informática com os avanços tecnológicos, a exemplo do e-Jus, E-Proc, do PROJUDI, da penhora online, da audiência por videoconferência, não se mostram suficientes para elidir o cumprimento da exigência constitucional de residência na comarca. Todas as descobertas de facilidades na comunicação e na locomoção não podem interferir no sistema ao ponto de alterar a obrigatoriedade da presença física do magistrado junto à comunidade, disponibilizando para o cidadão comum os serviços jurisdicionais o tempo todo, dentro do horário de funcionamento dos fóruns ou fora dele através dos plantões judiciários.
O profissional vocacionado para a arte de julgar não cumpre sua missão institucional caso não estabeleça seu domicílio no local onde exerce o múnus público, porque além de violar um dos seus deveres fica impedido de compartilhar com a comunidade seu dia a dia e a missão do magistrado não se limita à solução de problemas urgentes pela internet, na realização de audiências, prolação de despachos e sentenças; alarga-se muito mais para adentrar na solução de problemas de ordem interna tal como a fiscalização e disciplina dos servidores, função inata, porque o juiz é corregedor da comarca. Ademais, o magistrado é sempre chamado para resolver abusos e arbitrariedades cometidas pelas autoridades locais, recusa do plano de saúde na prestação de assistência médica em caráter de urgência. Mas, se não bastasse isso, é importante para o munícipe tomar ciência de que na sua cidade o Poder Judiciário se faz presente, levando-lhe segurança na garantia da ordem pública.
O magistrado deve enxergar os bônus da atividade abraçada, mas não pode esquecer-se do ônus que se obriga a carregar, exatamente por ser um agente político. Quando o profissional da área jurídica busca a magistratura tem conhecimento perfeito dos seus deveres e direitos e entre aqueles se situa a obrigatoriedade de residir na sua sede funcional, não comportando invocação de eventuais necessidades ou comodidades subjetivas para fugir ao dever legal.
Antes de assumir o cargo já sabe da exigência constitucional para residir na comarca, daí porque, se vocacionado para a magistratura, deve procurar alternativa, a exemplo de fazer o concurso para juiz federal, juiz trabalhista, unidades existentes somente em cidades de maior porte, diferentemente da justiça estadual presente na maioria das pequenas cidades do interior.
O magistrado pode e, certamente, muito breve, decidirá à distância, julgamento virtual, mas, isso não implicará na desnecessidade de fixar residência na Comarca, pois como se disse acima, sua atividade não se esgota com as decisões, as sentenças e as audiências.
Não se concebe o juiz, o promotor, o delegado, o defensor público, o prefeito, o vereador, exercendo a função pública num local e residindo em outro, pois a comunidade tem o desalento de não ter em seu meio as autoridades representativas do Estado.
A função do juiz guarda semelhança com a do médico, pois tanto um quanto outro cuida do cidadão; o primeiro trata da saúde física, enquanto o magistrado da saúde política, social e econômica. A cirurgia, apesar de o tempo mostrar a possibilidade de ser feita à distância, não encerra a missão do profissional da saúde; também a atividade do magistrado não se cinge às questões inerentes ao julgamento desta ou daquela causa, pois os jurisdicionados reclamam por liberdade, dignidade e segurança.
Nem se pode justificar a atividade médica à distância, pois essa é realidade da medicina do amanhã, como também é a do Judiciário, mas que ainda não se tornou prática natural no nosso meio.
O magistrado só poderá residir fora do local onde desenvolve sua atividade funcional, em caráter excepcional e depois de apreciado o pedido de licença pelo Tribunal de Justiça, desde que não resulte prejuízo à efetiva prestação jurisdicional, conforme as leis. O lamentável de tudo isso é que se torna comum a infração funcional sem merecer providência alguma dos Tribunais, sustentado no argumento de que vale a produtividade, como se o jurisdicionado esperasse do juiz somente os despachos, as audiências e as sentenças.
Ledo engano!
A desobediência caracteriza como infração funcional, sujeitando o infrator a processo administrativo disciplinar.
O Tribunal de Justiça da Bahia editou a resolução 03/2009, mas somente agora as Corregedorias providenciam o banco de dados, enunciado no art. 6º, para possibilitar “oportunidade de poder informar ao Tribunal Pleno sobre o efetivo cumprimento pelo Juiz da norma constitucional…”.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através do Provimento 546/2008, fixou regras e admite a residência fora da Comarca desde que o local da morada não fique mais de 50 quilômetros distante da sede funcional do magistrado.
Recentemente, o Tribunal daquela unidade federada indeferiu pedido do juiz de Mogi das Cruzes que buscava regularizar sua residência em Campinas, distante 74 km da comarca, onde a esposa exerce a função de psicóloga e tem um filho de dez meses.
O Rio Grande do Sul no mesmo sentido estabeleceu regras, considerando o deslocamento e a situação geral das vias públicas, além de fixar a distância de 30 quilômetros dentro do espaço metropolitano da capital e de 10 quilômetros no interior para fundamento do pedido de residência fora da comarca.
O Tribunal de Justiça de Goiás editou a resolução 13/2009 e baseado nela indeferiu pedido da ASMEGO no sentido de que juízes de Anápolis, 30 quilômetros de Goiânia, pudessem residir na Capital; requerimento de revisão da norma foi julgado improcedente pelo CNJ que não aceitou os argumentos de que a Resolução é arcaica e violadora do princípio da razoabilidade.
A residência fora da comarca causa danos para o próprio magistrado, pois sua segurança pessoal fica ameaçada, porque as viagens diárias expõem sua integridade física; o cansaço de dirigir todos os dias 100 ou mais quilômetros com o estresse do trânsito, compromete seu rendimento profissional, além do mau exemplo que oferece para os servidores que também podem querer residir em outra comarca. Isso sem contar com a eventualidade de não poder deslocar-se nesse ou naquele dia; registram-se casos de juízes que dão expediente durante três dias por semana ou semana sim e semana não; a ocorrência provocou ato da Corregedoria de uma unidade federada obrigando o juiz a marcar audiências nas segundas e nas sextas feiras.
Os advogados reclamam com razão os prejuízos causados ao jurisdicionado com o posicionamento de juízes que, sem autorização do Tribunal, sponte sua, residem em cidades distantes da Comarca 100 e até 400 km.
Situações como essa somente contribuem para posicionar o jurisdicionado contra a instituição.
* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior
A bem fundamentada peça do desembargador baiano sublinha com mais clareza ainda- se já não fosse suficientemente claro- o absurdo que é a ideia de auxílio residência não só a juízes mas igualmente a promotores, deputados e quejandos. Com a OBRIGAÇÃO mais que funcional, pois constitucional, de residir no seu local de trabalho, como qualquer pessoa que viva de seus rendimentos cabe-lhes providenciar residência, assim como providenciar alimentação, saúde,educação e todos os demais ítens de sua vida diária. Por quê auxílio-residência para eles e não para TODOS os demais funcionários públicos? E olhe que não estou falando da natureza de suas remunerações, o subsídio, que constitui parcela única. Na verdade, é mais uma tentativa de vantagem indevida da parte daqueles que deveriam não só aplicar a lei corretamente, mas também fiscalizá-la. É verdade:casa de ferreiro,espeto de pau.
O Juiz de Alcântara só vai lá de vez em quando…dizem que ele tem medo de andar de barco.
Coitado de quem precisa da tutela jurisdicional naquela cidade…a coisa lá é muito lenta.