A 1ª Promotoria de Justiça Especializada de Defesa da Ordem Tributária e Econômica de São Luís ofereceu, nesta segunda-feira, 24, Denúncia criminal contra nove acusados na formação de cartel na venda de combustíveis na capital. Foram denunciados Dileno de Jesus Tavares da Silva, Manoel Oliveira Soares, Luiz Fernando Cadilhe Brandão, Carlos Moacir Lopes Fernandes, Carlos Gustavo Ribeiro de Paiva, Otavio Ribeiro de Jesus Neto, Thiago Morais Lima, Herberth de Jesus Costa dos Santos e Tácito de Jesus Lopes Garros.
O Ministério Público investigou o crime contra a ordem econômica ocorrido no primeiro semestre de 2011. Em fevereiro daquele ano, houve um aumento geral e repentino nos preços dos combustíveis vendidos em São Luís. O aumento médio da gasolina foi de 13,59%; do etanol, 9,47%; e do diesel foi de 6,86%. Na época, o presidente do Sindicato dos Revendedores de Combustível do Estado do Maranhão (Sindcomb), Dileno Tavares, afirmou que o aumento era causado pela retirada de descontos oferecidos pelas distribuidoras. Dessa forma, a elevação de preços ao consumidor seria apenas o repasse do aumento nas distribuidoras.
Em depoimentos ao Ministério Público, representantes das distribuidoras negaram a retirada de qualquer desconto, informação que é confirmada por pesquisa da Agência Nacional do Petróleo (ANP). No período de 6 de fevereiro a 5 de março de 2011, a variação nos preços praticados pelas distribuidoras foi de 1,11% para a gasolina, 3,43% para o etanol e redução de 0,22% no valor do diesel.
Corredores
Durante as investigações, a Promotoria de Justiça apurou que havia uma divisão da cidade em quatro “corredores”, nos quais os donos de postos eram orientados pelo sindicato a praticarem preços determinados na venda dos combustíveis. Essa orientação era feita por meio de planilhas, distribuídas aos associados pelo Sindcomb.
O chamado Corredor 1 engloba as áreas do Renascença, Calhau, Ponta D’Areia e Olho D’Água; o Corredor 2 atinge os bairros da Cohama, Turu, Angelim e Cohab; no Corredor 3 estão o Anil, João Paulo, Av. dos Franceses, Centro, Areinha, Camboa e Anjo da Guarda; já o Corredor 4 abrange a Forquilha, Maiobão, Cidade Operária, Maioba, Araçagi e Cohatrac.
O Núcleo da Assessoria Técnica do Ministério Público nas Promotorias de Justiça da Capital analisou a planilha do Sindcomb, verificando a sua equivalência entre os valores e a média dos preços praticados pelos postos nos “corredores”, a partir de pesquisa realizada pela ANP. A conclusão apontou “forte correlação, corroborando dessa maneira a tese da existência de influência do Sindicato na orientação dos preços praticados entre os postos”.
“Os números falam por si! Não é mera coincidência o fato de a média dos preços dos combustíveis no mês de fevereiro de 2011 ter sido exatamente igual ao valor contido na planilha distribuída pelo sindicato”, afirma, na ação, o promotor de justiça José Osmar Alves.
Além da orquestração dos preços, as análises feitas pelo Ministério Público mostraram que os valores praticados nas regiões mais populares era menor que nas áreas nobres de São Luís.
ANP
Em 16 de março de 2011, a Agência Nacional do Petróleo publicou a Nota Técnica n° 011/CDC, que analisa o comportamento do mercado de combustíveis em São Luís no período de janeiro de 2010 a fevereiro de 2011, prazo que inclui o período investigado pelo MPMA. Na nota, foram detectados indícios de práticas anticompetitivas, que caracterizam a atuação cartelizada dos postos.
Analisando a variação os preços semanais da distribuição e do varejo, a margem de lucro média mensal na distribuição e varejo e o coeficiente de variação dos preços, também nas distribuidoras e nos postos, a ANP não detectou o alinhamento organizado nos preços de mercado. Já no que se refere à gasolina (que nas áreas urbanas representa mais de 90% das vendas no segmento de combustíveis), a conclusão apontou para a existência de fortes indícios de cartel.
Levando em conta outras duas notas técnicas, elaboradas em 2003 e 2009, a ANP afirma que há um padrão de comportamento no mercado de São Luís, no qual as elevações nos preços da gasolina chegam a um ponto em que os preços não são mais sustentados, levando a uma “guerra de preços” entre os postos que “culmina em nova tentativa de acordo de preços em patamares elevados”.
“Conclui-se, assim, que há fortes indícios de existência de um cartel na revenda de gasolina comum no município de São Luís (MA), no qual os agentes buscam fixar preços e auferir margens de lucro acima dos níveis competitivos no mercado”, afirma a Nota Técnica da Agência Nacional do Petróleo.
Escutas telefônicas
No curso das investigações, a 1ª Promotoria de Justiça Especializada de Defesa da Ordem Tributária e Econômica de São Luís deflagrou a chamada “Operação Cronos”, quebrando o sigilo telefônico dos principais envolvidos no caso.
As escutas telefônicas do presidente do Sindcomb e quatro outros proprietários de postos captaram vários diálogos em que os interceptados tratam do acerto de preços, das providências para pô-lo em prática e de dificuldade em manter o acordo, dada a insistência de alguns proprietários em vender combustíveis a preços abaixo dos combinados.
“Em cada ‘corredor’ há sempre alguém disposto a descumprir o acordo, praticando preço abaixo do combinado. Quando isso ocorre, os vizinhos reclamam para os coordenadores, que entram em ação, pressionando o desobediente. Conseguido o alinhamento do renitente, o mercado ‘se acalma’”, explica o promotor José Osmar Alves.
As escutas também demonstraram a participação do gerente da Rede de postos Petrobras no Maranhão e Piauí, Manoel Oliveira Soares. Em uma ligação, o presidente do Sindcomb pede a Manoel Soares que intervenha junto a um proprietário de posto para que ele aumente os preços em um de seus postos.
O mesmo empresário foi tema de uma ligação entre o presidente do sindicato, Dileno de Jesus Tavares da Silva, e um proprietário de posto. A interceptação telefônica mostrou que dois falaram da necessidade de que esse empresário fosse “eliminado”. Em depoimento ao Ministério Público, o empresário Dileno Tavares explicou que, na ocasião, os empresários falavam da necessidade de eliminar comercialmente o concorrente, por meio de denúncias que fariam junto à BR Distribuidora por suposta ação predatória praticada.
Em outra ligação, o presidente do Sindcomb e o empresário Herberth de Jesus Costa dos Santos falam sobre o início da importação de etanol dos Estados Unidos e que iriam aproveitar para adicionar água aos combustíveis, já que o etanol norte-americano teria 0,5% a mais de água do que o produzido no Brasil.
Assessor
Um dos denunciados pelo Ministério Público é o empresário da área de comunicação Tácito de Jesus Lopes Garros, responsável pela assessoria de comunicação do sindicato. Foi apurado pela promotoria que, durante todo o período das investigações, Garros assessorava o Sindcomb ao mesmo tempo em que era coordenador de Comunicação da Procuradoria Geral de Justiça.
De acordo com José Osmar Alves, o assessor sabia da existência das investigações do suposto cartel e, portanto, sua posição de assessor das duas partes era incompatível por conflito de interesses. Dessa forma, houve um acordo para que o assessor fosse formalmente afastado do Sindcomb, “mas que ele continuaria a assessorar o Sindicato”, explica o promotor.
Em outra gravação, Garros orienta como o presidente Dileno Tavares deveria falar sobre a questão dos preços dos combustíveis à imprensa. De acordo com o promotor, pode-se observar que o assessor sabia da existência do acordo de preços e sua principal função era garantir a dissimulação da prática criminosa. “Faltou, portanto, no trabalho do jornalista Tácito Garros, o componente da verdadeira comunicação social, ao tempo em que sobraram indícios de seu comprometimento com a ‘causa’ dos operadores do cartel”, observa José Osmar Alves.
Penalidades
Na Denúncia, o Ministério Público requer a condenação de Dileno de Jesus Tavares da Silva, Luiz Fernando Cadilhe Brandão, Carlos Moacir Lopes Fernandes, Otavio Ribeiro de Jesus Neto, Thiago Morais Lima, Carlos Gustavo Ribeiro de Paiva e Herberth de Jesus Costa dos Santos por formar acordo entre ofertantes para a fixação artificial de preços com os agravantes de ocasionar grave dano à coletividade e ser o crime praticado em relação ao comércio de bens essenciais à vida. A pena é de reclusão por dois a cinco anos, além de multa, podendo ser aumentadas de um terço até a metade (Art. 4°, II, “a” c/c art 12, I e III da Lei 8.137/90).
Já Manoel Oliveira Soares e Tácito de Jesus Lopes Garros também estariam incursos no Art. 4°, II, “a” c/c art 12, I e III da Lei 8.137/90, além do art. 11 da mesma lei que trata de “quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade”.