Primeira chamada. Destino: África do Sul. Os argentinos rezaram, pediram ajuda divina antes da partida. Nada adiantou. Os deuses do futebol são brasileiros. Com direito a aplausos dos torcedores hermanos e gritos de “olé” dos brasucas, o Brasil carimbou o passaporte para a Copa do Mundo de 2010 neste sábado, em Rosário, com uma atuação de gala, que misturou talento e frieza. Sem cair na provocação e no clima de guerra da torcida, a seleção venceu a Argentina por 3 a 1 e garantiu uma das quatro vagas sul-americanas para o Mundial com três rodadas de antecedência devido à derrota do Equador por 2 a 0 para a Colômbia. Luís Fabiano, autor de dois gols, assumiu a artilharia das eliminatórias com nove, superando o boliviano Botero, que tem oito. O zagueiro Luisão fez o outro gol brasileiro. Dátolo descontou. Com o resultado, a Argentina ficou em uma situação delicada. Em quarto lugar com 22 pontos, ainda vai enfrentar Paraguai e Uruguai fora de casa nos três jogos que restam na competição.
Dunga conquistou a terceira vitória sobre os argentinos desde que assumiu a seleção brasileira, em 2006. E o Brasil confirmou a superioridade nesta década. Foram dez duelos, com seis vitórias brasileiras, dois empates e duas derrotas. Além disso, acabou com duas enormes invencibilidades dos nossos hermanos. Eles não perdiam uma partida em casa há 41 jogos. E foi a segunda derrota da Argentina como mandante na história das eliminatórias em exatas 50 partidas. A outra havia sido para a Colômbia, em 1993, por 5 a 0.
Na próxima quarta-feira, o Brasil encara o Chile, em Salvador, em um jogo festivo, que vai servir para comemorar a classificação. A Argentina vai até Assunção para enfrentar o Paraguai.
A vaga para a Copa do Mundo premiou um momento abençoado da seleção brasileira. A equipe comandada por Dunga está invicta há quase 15 meses. Desde então, foram 18 jogos, com 14 vitórias e quatro empates. O Brasil vem de dez vitórias consecutivas: Peru, Uruguai, Paraguai e Argentina nas eliminatórias; Egito, Estados Unidos (duas vezes), Itália e África do Sul pela Copa das Confederações; e o amistoso contra a Estônia.
Diego Maradona, que foi um velho freguês dos brasileiros como jogador, manteve a tradição também como técnico. Com a camisa argentina, ele enfrentou seis vezes o Brasil e só conquistou uma vitória. Foram três triunfos brasileiros e dois empates. Após assumir a seleção em outubro do ano passado, substituindo Alfio Basile, Maradona tem três derrotas e seis vitórias em nove partidas.
Com os três gols contra os argentinos, a seleção chegou aos 100 na era Dunga. São ainda 33 vitórias, dez empates e quatro derrotas. Luis Fabiano é o artilheiro neste período, com 19 gols.
Baile brasileiro no primeiro tempo
O clima hostil no Gigante de Arroyito foi notado antes da partida. Uma bomba foi atirada no goleiro Julio César quando ele fazia o aquecimento perto da torcida argentina. O susto foi grande, mas ainda bem que não passou disso. Pouco depois, quando os jogadores reservas do Brasil se dirigiam para o banco, uma garrafa de água foi jogada em direção a eles pelos torcedores. Não acertou ninguém. Dunga pegou o objeto com tranquilidade do chão e o entregou a um representante da Conmebol, que levou a garrafa até o quarto árbitro.
Kaká deu o primeiro toque na bola. Mas foi a Argentina quem começou a mil por hora. A seleção arriscava ao deixar Messi com uma certa liberdade no meio-campo. Mas o entusiasmo dos nossos hermanos não refletia em boas jogadas. O Brasil, assustado, também não criava e procurava esfriar a partida.
O primeiro lance de perigo aconteceu aos 12 minutos. Messi recebeu livre na entrada da área e chutou no ângulo direito de Julio César. O goleiro só observou a bola sair muito perto da trave. Kaká passou, então, a pedir com gestos para a seleção brasileira marcar mais à frente. Mas o problema era que Messi continuava livre. Aos 17, ele deu uma arrancada, passou por quatro brasileiros e foi travado na hora do chute por Maicon. Foi por pouco. O Brasil estava acuado em campo. Em um mesmo lance, Lúcio e Kaká receberam cartão amarelo. Os dois, com isso, estão fora da partida contra o Chile, na próxima quarta-feira, em Salvador. Assim como Luis Fabiano, que pouco depois também foi advertido pelo árbitro.
Mas a seleção brasileira tem estrela. Luis Fabiano sofreu uma falta na intermediária. Elano cobrou para a área e Luisão, livre de marcação, cabeceou no canto esquerdo de Mariano Andujar. Brasil 1 a 0, aos 24 minutos. Foi o segundo gol do zagueiro em cima dos argentinos. Em 2004, na final da Copa América, o brasileiro também havia feito um de cabeça. E o gol saiu justamente na jogada mais ensaiada por Dunga nos treinos.
O jogo esquentou. Após uma falta em Kaká, Mascherano foi para cima de Robinho. O árbitro Oscar Ruiz chamou os dois. E deu uma bronca no brasileiro, que pouco antes havia pedalado em uma jogada na lateral. O atacante não ficou nada feliz com o questionamento. Alegou que estava tentando o drible.
Mas a seleção respondia na bola. Kaká foi até a linha de fundo e tocou para Maicon. O lateral chutou rasteiro. Mariano Andujar espalmou para o meio da área e Luis Fabiano, com toda tranquilidade, só tocou para o fundo da rede. Brasil 2 a 0, aos 30 minutos. Na comemoração, os jogadores brasileiros chutaram a bola para o meio da torcida argentina, que ficou calada. Foi o oitavo gol do Fabuloso.
Com a vantagem, os barulhentos torcedores brasileiros começaram a fazer a festa. Logo veio o grito de “ei, ei, ei, Maradona é nosso rei” em ironia ao ídolo e técnico local. Em seguida, o tradicional “mais um, mais um”. Julio César fez o primeiro milagre aos 37 minutos. Tevez cruzou para a área, e Maxi Rodriguez chegou tocando rasteiro. Com os pés, o camisa 1 evitou o gol. A resposta veio em uma outra cobrança de falta. Elano cobrou, Luisão e Luis Fabiano fecharam pelo meio e o goleiro Andújar se esticou assustado para evitar o terceiro gol. E o primeiro tempo terminou com o Brasil soberano em campo e os torcedores argentinos em total silêncio. Maradona caminhou para o vestiário preocupado e coçando a cabeça.
Golaço de Luis Fabiano fecha o placar
Veio o segundo tempo e as provocações dos torcedores brasileiros continuavam. O grito agora para os argentinos era de “eliminados”. Maradona fez uma substituição no time. Saiu Maxi Rodriguez e entrou Aguero, genro do treinador. Nada adiantou. A Argentina continuava com a maior posse de bola, mas não tinha criatividade para chegar ao gol brasileiro. O chute de Véron na arquibancada (a bola passou por cima da proteção que existe atrás do gol) retratava bem como estava a partida.
Mas aos 19 minutos, Datolo acertou uma bomba de fora da área. Um chute de muito longe, cruzado, que entrou no ângulo esquerdo de Julio César. O goleiro brasileiro, que ainda tocou na bola, nada poderia fazer. A Argentina diminuía e incendiava, novamente, a partida: 2 a 1. Maradona, que não parava de roer as unhas, beijou um crucifixo que levava no pescoço. Tinha fé na virada. Tudo em vão.
A resposta veio em grande estilo, três minutos depois. Kaká arrancou no contra-ataque e deu um passe perfeito para Luis Fabiano. O Fabuloso, com toda categoria, tocou por cima do goleiro Andujar. Brasil 3 a 1. Foi o nono gol do atacante, que assumiu a artilharia das eliminatórias. Na comemoração dos jogadores reservas, os argentinos jogaram uma pedra para o campo, que acertou Juan. Ele caiu no chão e foi carregado pelos companheiros para o banco. A comissão técnica da seleção ficou revoltada. Américo Faria pegou a pedra e levou até o quarto árbitro.
O jogo seguiu. Mas a Argentina se entregou. Maicon chutou cruzado e Ramires, de carrinho, quase marcou o quarto. O meia, que havia entrado na partida, chegou atrasado no lance. Dunga, então, chamou Adriano para entrar no lugar de Luis Fabiano. A torcida brasileira foi à loucura e começou a gritar “o Imperador voltou”. Conhecido como carrasco dos argentinos, o atacante entrou em campo. Mas a sua entrada serviu apenas para deixar os argentinos ainda mais assustados. O Brasil estava mais uma vez garantido na Copa do Mundo.
Por Leandro Canônico e Thiago Lavinas, Globoesporte.com/Foto: editoria de Arte: Globoesporte.com