Prática não tem impacto no número de mortes e aumenta biópsias desnecessárias. Médicos brasileiros, no entanto, afirmam que, no país, ela fundamental para salvar vidas
O auto-exame das mamas pode fazer mais mal do que bem, de acordo com um levantamento feito pela organização não-governamental Colaboração Cochrane, que faz revisões periódicas sobre o conhecimento na área de saúde. Mas médicos brasileiros alertam que em um país onde a mamografia ainda é um luxo, o auto-exame pode fazer a diferença entre a vida e a morte.
A revisão feita por Jan Peter Kosters e Peter Gotzsche verificou o resultado de dois grandes estudos, feitos com 388.535 mulheres ao todo, na Rússia e na China, divididas em dois grupos: aquelas que examinavam suas mamas regularmente e aquelas que não tinham essa prática. Os trabalhos mostraram que o exame não alterou o número de mortes por esse tipo de tumor. Na verdade, a única coisa que o auto-exame fez foi aumentar em quase duas vezes o número de biópsias desnecessárias.
“Não há provas para recomendar o acompanhamento pelo auto-exame regular das mamas, mas há provas de danos [causados]”, disse Kosters . “É preciso lembrar que o acompanhamento regular de uma população saudável é bem diferente de consultar um médico por causa de sinais que podem ser câncer. Se você detectar possíveis sintomas, deve ver um médico imediatamente”, afirma.
Kosters acredita que as mulheres muitas vezes confundem alterações completamente normais do tecido das mamas com nódulos possivelmente cancerosos. E, segundo ele, ensinar sobre isso não adianta muito. “As mulheres nesses estudos da Rússia e da China receberam treinamento”, diz o especialista. “Apesar de terem sido treinadas, mais cedo ou mais tarde, uma grande proporção de mulheres vai encontrar um nódulo sobre o qual não têm certeza e que as faz pensar que podem ter câncer”, explica.
Realidade brasileira
No Brasil, os médicos reconhecem que a polêmica existe. “Em resumo, para quem tem acesso à mamografia, o auto-exame pouco acrescenta. O mais importante mesmo é fazer a mamografia anualmente a partir dos 40 anos”, afirma o mastologista Luís Gebrim.
O problema é que a população brasileira como um todo não tem esse acesso. Por isso, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) afirma que a realidade do país é diferente e que, aqui, o auto-exame é uma necessidade vital.
“Se tivéssemos condições melhores, talvez pudéssemos abrir mão do auto-exame. Mas o Brasil possui poucos mamógrafos, principalmente fora dos grandes centros. Aqui, o auto-exame é fundamental”, afirma Ângelo do Carmo Matthes, vice-presidente para a região Sudeste da diretoria nacional da SBM.
Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2003, 50,3% das mulheres brasileiras com mais de 50 anos nunca tinha feito uma mamografia na vida. A Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que o primeiro exame do tipo seja feito aos 35 anos; aos 40, ele precisa ser feito uma vez a cada dois anos; a partir dos 50, anualmente.
O presidente da SBM em São Paulo, Ivo Carelli, também afirma que é preciso levar o contexto do país em conta. “Temos uma grande carência na área de diagnóstico de imagem”, disse ele, que publicou neste ano em estudo na revista especializada “Breast” afirmando que as mulheres de países em desenvolvimento precisam ser melhor informadas sobre os benefícios de examinar os seios regularmente.
O médico ressalta que há casos em que o auto-exame pode ser essencial. “Próteses de silicone atrapalham a mamografia. Muitas vezes o exame aparece normal, mas a mulher consegue sentir o caroço e quando vamos ver o câncer está lá”, diz o especialista.
Pelo sim, pelo não, os médicos da Sociedade pedem que as brasileiras façam o exame. “Quanto mais cedo o câncer for detectado, maior é a chance de cura. Em um país onde não há mamógrafos suficientes, é melhor pegar um tumor aos dois centímetros com o auto-exame, do que quando ele já está com oito e os sintomas aparecem”, diz Carelli.