HOSPITAL Qual a melhor escala para distribuição de hospitalistas?

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É um questionamento muito frequente e realmente importante.

Quando se fala em escala médica no Brasil, vem à mente automaticamente uma planilha, com dias da semana e turnos, preenchida com nomes de profissionais, muitas vezes sem ordem aparente ou mesmo sem lógica de fato. Depois de pronta, é enviada aos médicos, que efetuam trocas por conveniências pessoais. Em tratando-se de modelo hospitalista, a predominância disto representa má prática! Já deveria ser considerada em UTI’s, onde rotinas diurnas estruturadas são sinônimo de qualidade assistencial.

Nos EUA, há uma forma de organização do trabalho do hospitalista bastante comum que é a 7-on/7-off. Menos frequentemente, é 14-on/14-off. Resumidamente, funcionam com o generalista hospitalar trabalhando intensamente durante alguns dias, e folgando nos outros. Na prática, muitas vezes não folgam, dedicando-se a iniciativas de melhoria da qualidade ou pesquisa, por exemplo. Há evidências recentes demonstrando associação forte com burnout(esgotamento profissional), e elas têm sido paulatinamente abandonadas. Quando aplicam 7-on/7-off ou 14-on/14-off, os bons hospitais tentam ajustar a escolha entre 7 e 14 de acordo com o tempo médio de permanência dos seus pacientes. Há uma preocupação cada vez maior em limitar o número de hospitalistas por paciente por internação – idealmente esta relação deveria ser de 1:1, mas costuma não ser possível. No outro extremo, descontinuidade em excesso é sinônimo de perda de eficiência e de qualidade global.

E para o Brasil, o que escolher então?

Muitos têm dificuldades de assimilar quando respondo “depende”. “Depende” remete à incerteza. As pessoas, em geral, gostam é de certezas.

Gosto ainda de utilizar “não sei” como estratégia para provocar inquietude e reflexões, mesmo sabendo que ocorrerá de alguns dispensarem minhas opiniões adicionais antes que tenha tempo de oferecê-las. Não vejo muito problema nisto – aprecio mesmo é trabalho com quem permite-se pensar fora da caixa.

As pessoas gostam de quem tudo sabe de antemão e tudo prevê, mas não necessariamente deveriam. Confortamo-nos em mundo altamente controlado, mesmo que por ilusão. Mas reconhecer que navegamos em mar de incerteza quando tomamos decisões em saúde, sejam no cuidado de pacientes individualmente, sejam na gestão mais amplamente, é normalmente atitude positiva.

Há nos hospitais quem espere de consultores externos esporádicos fórmulas prontas e simples – sonhando com um problema a menos a cada incorporação de nova ideia. Já discutimos isto de forma mais ampla em Qualidade e segurança: menos pode ser mais. Tem representado calcanhar de Aquiles das acreditações no Brasil, com avaliadores, que deveriam apenas garantir observância a padrões, atuando além deste escopo e colaboradores internos sem saber como perseguir estes padrões, e neste formato raramente aprendendo. Facilitadores trazem muitas ideias que parecem fazer sentido na forma narrativa, mas que não necessariamente funcionam no mundo real de uma organização específica. E é para ser, em parte, assim! Como já escreveu Nassim Nicholas Taleb, em Antifrágil, “os sistemas complexos estão cheios de interdependências – difíceis de detectar – e de respostas não lineares. “Não linear” significa que, quando se dobra a dose de, digamos, um medicamento, ou quando se dobra o número de funcionários numa fábrica, não se obtém o dobro do efeito inicial”. Consultores podem ser maravilhosos, mas devem ser necessariamente complementares. Muita iatrogenia pode advir do contrário, e ambos os lados deveriam saber disto. “Skin in the Game”, o mais novo livro Taleb, é outra leitura que ajuda a entender o contexto.

Taleb não é o único nesta corrente. Em seu livro The Gift of Maybe (“o dom do talvez”), a consultora de negócios Allison Carmen toma como ponto de partida uma célebre fábula oriental que poderia ser assim resumida:

Um dia, o cavalo de um camponês fugiu. Seu vizinho lhe disse: “Que azar você teve!”. O agricultor respondeu: “Talvez”. No dia seguinte, o animal retornou acompanhado de cinco éguas. O homem voltou e o felicitou: “Que sorte você teve!”. O dono replicou: “Talvez”. Pouco depois, o filho do camponês, que estava acostumado a montar a cavalo, caiu e quebrou uma perna. O amigo lhe comentou: “Que azar você teve!”. Este respondeu: “Talvez”. No dia seguinte, chegaram alguns oficiais do Exército querendo recrutar o moço para lutar na guerra, mas não puderam levá-lo porque estava com a perna quebrada. Então o vizinho exclamou: “Que sorte você teve!”. O pai repetiu: “Talvez”.

A mensagem desse relato tradicional é clara: não se pode conhecer o alcance do que acontece ao nosso redor a todo momento. Allison Carmen diz a esse respeito: “Os seres humanos têm uma assombrosa capacidade de esquecer que uma das poucas certezas com as quais podem contar ao longo da vida é que esta vai mudando. À medida que as coisas dão um giro inesperado, tendemos a nos sentir afligidos pela incerteza. Mas quando começamos a aplicar a ideia do talvez, vemos que o ciclo da mudança é incessante. Cada resultado oferece mais possibilidades futuras”.

Mas voltemos ao melhor modelo de organização do trabalho do hospitalista para o Brasil. Qual será?

Depende!

Sempre tento destacar que uma atenção muito especial a continuidade é essencial. E que continuidade das/nas equipes deve importar tanto quanto continuidade do cuidado. E que fragmentação desnecessária é risco. Basta avaliar quais são os principais eventos sentinelas catalogados todo ano pela Joint Commission.

Quando gerenciei diretamente programa de MH, tínhamos hospitalistas rotineiros de segunda à sexta e eles próprios revezavam-se nos finais de semana. Poderia ocorrer quebra de continuidade do médico no final de semana então. Eu atuava como um dos hospitalistas, e, muito frequentemente, ia ao hospital em sábados e domingos, independente de ter outro médico na escala. Não é possível exigir isto de todos. Há grupos que usam profissionais completamente distintos para cobertura nos finais de semana. Os desafios do handover (transição do cuidado) são maiores, mas, havendo atenção e correções, é uma possibilidade que pode levar ao mesmo lugar em que meu grupo chegava ou deveria chegar.

Recentemente questionaram-me sobre modelo no Brasil onde os hospitalistas trabalham uma semana bastante intensamente, ficando livres para outras atividades nas outras três semanas do mês.

Talvez….

Atuando em realidade de tempo médio de permanência dos pacientes de não mais do que 4-5 dias, havendo a alternância a cada segunda-feira do hospitalista, a maioria dos pacientes ficaria predominantemente com um médico durante a hospitalização, no máximo dois. Daria, em média, o mesmo número de encontros com médicos diferentes do modelo mais acima descrito – o dos meus rotineiros de segunda à sexta e provável quebra nos finais de semana, sendo potencialmente mais fácil o handover aqui (entre dois médicos apenas, independente do número de duplas. Enquanto, no meu caso, envolvia usualmente quatro médicos transferindo informações para um quinto. Entretanto, fossem pacientes de longa permanência, o número de encontros com médicos diferentes aumentaria, e minha tendência seria dizer que o modelo é ruim, fragmentado em demasia.

Outra questão que parece-me importante é sobre o que fazem os médicos nas outras três semanas. A figura abaixo costumo utilizar nas minhas apresentações sobre hospitalistas, como uma das justificativas para modelo amparado em atuação focada do internista ou clínico geral (como queiram chamar) em um único hospital.

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Vejo muitos colegas com atuação ampla – a meu ver exageradamente ampla. Transitam da UTI ao aconselhamento ambulatorial de adultos assintomáticos para vida saudável. É possível dar conta disso tudo nos dias de hoje??? Quando não transitam entre atuação como generalistas e especialistas focais. Não costumam representar o tipo de especialista focal que eu preciso, ao menos.

Recentemente assumi emprego médico temporário. Quando comecei a utilizar bem o prontuário eletrônico lá, estava prestes a sair. Por alguns meses interpretei errado um exame (proteína C reativa). Somente perto da minha despedida aprendi que o valor de 10 no hospital de vínculo temporário representava 100 (elevada) no que mais fortemente e há bastante tempo atuo. Alguém ainda questiona, pela complexidade atual e crescente das organizações hospitalares, bem como pelas diferenças entre elas, que o posicionamento dos médicos deve mudar, com eles acoplando-se melhor a menos locais de trabalho e funções paralelas?

Em síntese, não devemos, via de regra, reduzir as coisas ao binário “ruim” ou “bom”. Vale para “escalas” de hospitalistas. Vale o mesmo para hospitalistas CLT versus pessoas jurídicas, contratação pelo hospital ou remuneração pelos convênios. A mesma solução pode passar de boa para ruim, mudando o perfil de pacientes, como tentamos demonstrar acima, entre outras possibilidades. Universalmente ruim no hospital só o modelo com um médico diferente a cada dia, em escala de puro plantonismo. Este certamente torna a MH pior do que o modelo tradicional, se é que a aberrância deveria ser chamada de hospitalista.

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