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Origem das palavras “cheeseburger” e “trensalão”

Aparentemente, as palavras do título não têm nada a ver uma com a outra. Mas logo veremos que uma propriedade as aproxima.

Segundo o Houaiss, hambúrguer é uma “bife ger[almente] de forma redonda, aglomerado com carne moída e outros elementos, que costuma ser servido dentro de um pão também redondo; bife à alemã, bife de carne moída ou picada, hamburguesa”. “É também o sanduíche deste bife”, isto é, o conjunto, que pode conter diversos outros ingredientes.

Sabemos, à custa de ver propagandas ou mesmo de frequentar lanchonetes, que há uma variante desse sanduíche, que é o cheeseburguer, ou um hambúrguer com queijo – em inglês, “cheese”. Ainda por causa das propagandas, sabemos que este sanduíche é também referido como X-burguer; para os íntimos, apenas X (nunca se pronuncia TCHIS, mas XIS mesmo).

“Mensalão”, como se sabe, é uma palavra (aumentativo de “mensal”, originalmente um adjetivo) criada por Roberto Jefferson para designar pagamentos que parlamentares da base do governo receberiam. Os acusados negam a existência do fenômeno, como também se sabe.

“Trensalão” é palavra mais recente (mas já tem 82 000 ocorrências registradas no Google), surgida quando das denúncias de que teria havido pagamento de propina a gente do governo, predominantemente do estado de S. Paulo, por parte de empresas (a Siemens foi a que mais apareceu) que, com isso, teriam evitado concorrências. Haveria acordos entre elas, uma espécie de cartel.

Não vou analisar nenhuma notícia, favorável ou contrária, seja sobre o mensalão, seja sobre o trensalão. O que une mais claramente os dois casos é a acusação de corrupção. E também o famoso “não sabia”, declaração repetida tanto de um lado quanto de outro.

O que quero comentar são as palavras do título. Embora “ham” seja uma palavra do inglês e esteja no campo das carnes que se comem (presunto), “burguer” não é nada, ou seja, “cheese” não está ocupando o lugar de “ham” para formar um composto (se “ham” e “burquer” fossem palavras, o hambúrquer seria um sanduíche de presunto). Assim, “cheeseburguer” é um composto peculiar, porque junta “cheese” com uma falsa palavra. A junção das duas partes é um exemplo de palavra-valise, ou portmanteau, que é exatamente uma palavra formada a partir de duas, mas que não resulta de um processo gramatical regular, como a justaposição. “Aguardente” não é uma palavra valise; “portunhol” é, “motel” também.

“Trensalão” é do tipo “cheesburger”. Embora o começo (“tren”, com “n” por questões de grafia) tenha a ver com trens, porque as maracutaias teriam ocorrido na compra de equipamentos para trens e metrôs, “-salão” não tem nada a ver com salão, ou seja, não se trata de salão de trens, nem dos eventualmente existentes em vagões especiais, nem de exposições de trens e acessórios (compare com “salão do automóvel”). “Salão” é o resto da palavra “mensalão”, assim como “-burguer” é de “hambúrguer”.

A carne tem a ver com a cidade de Hamburgo. Deve ser um tratamento da carne inventado lá, ou que é típico de lá.

A sequência “salão” funciona como se significasse corrupção ou pagamentos indevidos. Num caso, seria mensal; no outro, relacionados a trem.

Há outros casos semelhantes: “gate”, por exemplo, por causa de Wattergate, tornou-se produtiva. Funciona para designar escândalos. Por exemplo, “clintongate” e “climagate”.

Deve haver muitas mais.

Artigo de Sírio Possenti. Linguista. Professor da UNICAMP.

 

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