Artigo causa polêmica e divide opiniões nos Estados Unidos.
É fato que mesmo tratamento tem eficácia variada, de local para local.
Há seis anos, uma parente minha descobriu que tinha câncer retal e precisaria de cirurgia, radiação e quimioterapia. Ela mora numa cidade pequena e consultou um cirurgião local no hospital comunitário.
Ele foi agradável e bondoso, e explicou claramente sua condição e a operação que realizaria. Também foi dolorosamente sincero: pelo tamanho do tumor, ele duvidava ser capaz de salvar os músculos do esfíncter responsáveis pelo controle dos intestinos. Ela provavelmente precisaria de uma colostomia, procedimento para desviar as fezes através de um corte no abdômen, e teria de usar uma bolsa de colostomia para o resto de sua vida.
Minha parente pensou em tudo. Ser tratada perto de casa pareceu tão fácil e conveniente, e ela estremeceu diante da idéia de procurar médicos enquanto se sentia doente, vulnerável e ansiosa. Era tentador pensar em receber tratamento de primeira linha em qualquer lugar que escolhesse.
Porém, ela também reconheceu que aquele era um hospital pequeno, e aquele era um cirurgião mais habituado a tratar hérnias e retirar vesículas do que a operar pacientes com câncer. Ela decidiu optar por um médico acostumado a operar pacientes como ela o tempo todo, e pensou que a viagem de duas horas até o centro de câncer valeria o esforço.
E assim foi: ela encontrou um cirurgião especializado em câncer retal e hoje goza de boa saúde, sem necessidade da bolsa. Ela podia ter se saído igualmente bem com o cirurgião local, mas nós duas duvidamos disso.
Um artigo publicado em outubro no periódico “PLoS Medicine” me atingiu em cheio. Apontando que a qualidade do tratamento de câncer é desigual, seus autores argumentam que, como parte do processo de consentimento informado, os médicos têm uma obrigação ética de dizer aos pacientes se eles têm maiores chances de sobreviver, ser curados, viver mais ou evitar complicações indo ao hospital A ou ao hospital B. E essa obrigação é mantida mesmo se o médico trabalhar no hospital B e, ao revelar a verdade, o paciente prefira levar seu negócio a outro local.
“É, no mínimo, justo”, sustentou Leonidas G. Koniaris, autor do artigo e cirurgião de câncer da Miller School of Medicine da Universidade de Miami.
Quantidade é qualidade
Estudos confirmaram o senso comum de que a prática faz a perfeição, e a profissão médica sabe há pelo menos 30 anos que a recuperação de uma pessoa após uma cirurgia depende muitas vezes de onde ela foi realizada. Para uma dada operação, os resultados são geralmente melhores em hospitais de “alto volume”, onde ela é realizada com maior frequência. A diferença entre centros de alto ou baixo volume não é apenas a habilidade do cirurgião, mas também o nível de conhecimento em outras áreas cruciais no pós-operatório, como enfermagem, tratamento intensivo, terapia e reabilitação respiratória, disse Koniaris. Os mesmos princípios se aplicam ao tratamento do câncer.
No entanto, os pacientes muitas vezes não ficam sabendo, durante o processo de consentimento informado, que os resultados do tratamento de câncer podem variar entre hospitais, de acordo com Koniaris e a co-autora, Nadine Housri, estudante de medicina.
“Isso está começando a acontecer, mas ainda não se transformou num diálogo de verdade”, disse Koniaris.
A prova mais forte de que o volume faz a diferença vem de estudos sobre cirurgias para câncer no pâncreas e no esôfago, mas Koniaris afirmou que a experiência do cirurgião e de toda a equipe médica é importante em qualquer grande cirurgia de câncer.
Ele não se surpreendeu ao ouvir sobre minha parente. Ele é autor de um estudo publicado em 2007 que descobriu o seguinte: pessoas com câncer retal vivem por mais tempo e têm mais chances de salvar o esfíncter com operações feitas em hospitais universitários do que nos comunitários – embora os hospitais universitários tenham maiores chances de aceitar casos difíceis relacionados a grandes tumores. Outro estudo do qual ele participou sugere que mulheres com câncer de mama avançado recebem tratamento mais abrangente, e sobrevivem de alguma forma por mais tempo, quando tratadas em hospitais universitários.
Alguns especialistas médicos defendem a regionalização de tratamentos complicados, como cirurgia para câncer ou problemas do coração – isto é, feitos estritamente em centros especializados de alto volume, e não em centros que não realizam as operações com a frequência suficiente para se tornar realmente bons nelas. Porém, Koniaris e Housri sugerem ainda outra opção.
O cliente sempre tem razão
“Nós acreditamos que essa talvez deva ser uma decisão do paciente”, disse Koniaris.
Estudos descobriram que algumas pessoas ainda preferem ser tratadas perto de casa, mesmo se ali os riscos forem maiores. Talvez elas não devessem ser forçadas a viajar, especialmente se a diferença não for tão grande assim, disse Koniaris.
Questionado se ele pratica o que prega, Koniaris afirmou que sim, que como cirurgião ele algumas vezes envia pacientes a outros médicos, especialmente para câncer de pâncreas e tumores no fígado.
Seu artigo apontou que, em alguns casos nos Estados Unidos e Austrália, tribunais definiram que médicos que haviam operado pessoas com resultados insatisfatórios deveriam ter informado os pacientes de que havia cirurgiões com mais experiência disponíveis.
A publicação “PLoS Medicine” enquadrou artigo de Koniaris e Housri como uma discussão, com dois outros pesquisadores assumindo visões diferentes. Robert J. Weil, neurocirurgião da Clínica Cleveland, argumentou que, embora pareça ser uma boa idéia informar aos pacientes sobre as diferenças de resultados entre hospitais, há “uma variedade de obstáculos”.
Quais hospitais seriam escolhidos para comparação? E, à medida que a medicina avança e se altera, Weil perguntou, “é possível comparar hospitais ou até mesmo períodos de tempo recentes, especialmente quando confrontados com cursos de doenças que podem se estender por muitos anos?” Ele também sugeriu que, se os hospitais fossem forçados a fornecer informações comparativas a pacientes, isso poderia levar alguns a evitar casos difíceis, para fazer seus números parecerem melhores. Ele apontou ainda que os pacientes podem não ter a menor idéia sobre o que fazer com a informação, pois a maioria das pessoas tem dificuldades em avaliar ou entender que as estatísticas se aplicam a uma população, mas não preveem o destino de um indivíduo.
David I. Shalowitz, um bioético, afirmou que esperar que cirurgiões e hospitais revelem informações sobre outros médicos e centros médicos criaria um insustentável conflito de interesses para eles – e isso deve ser evitado.
A questão sobre qual seria a obrigação do médico continua sem solução. As pessoas podem solicitar a eles informação comparativa, mas muitos pacientes temem ofendê-los. Julgar somente pelo volume pode ter suas armadilhas, pois pode haver hospitais realizando muitas operações ruins, e alguns realizando poucas cirurgias, porém com muita qualidade.
Algumas pessoas tentarão classificar qualquer informação obtida ou, como fez minha parente, simplesmente calcular que a probabilidade está a favor se elas puderem encontrar um médico ou cirurgião acostumado a cuidar de muitas pessoas em estado bem parecido ao delas. Por enquanto, muitos pacientes diante de duras decisões como essa estão praticamente sozinhos.