Colesterol.Você tem que ter

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Talvez ninguém tenha sido tão demonizado nos últimos tempos quanto essa pequena molécula, o colesterol. Para fazer justiça, somos obrigados a tirar a máscara de vilão que lhe foi imposta. Ora, sem a substância o organismo iria à bancarrota. Todas as células precisam de colesterol. Ele faz parte das suas membranas e é fundamental para a produção de hormônios, justifica o cardiologista Marcelo Bertolami, do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. Quem botou o dito-cujo no tribunal foi justamente uma das partículas que o transportam pelo corpo inteiro, a LDL
Em níveis elevados, essa proteína cheia de gordura catapulta o risco de problemas cardiovasculares. No entanto, o burburinho se armou no meio científico quando estudos notaram uma associação entre doses mais baixas de LDL e uma maior incidência de câncer.

A questão é bastante controversa, e um trabalho da Universidade de Hong Kong, realizado com mais de 6 mil portadores de diabete tipo 2, acaba de colocar mais lenha na fogueira. Segundo os pesquisadores, houve mais casos de câncer entre os voluntários com níveis muito baixos e também naqueles com níveis muito altos de LDL. Detalhe: nenhum deles tomava estatinas, as drogas para abaixar as taxas de colesterol.

A menor incidência de tumores estava relacionada ao colesterol perto de 127 miligramas por decilitro. O resultado, porém, não pode ser estendido a não diabéticos, diz Xilin Yang, um dos autores. A comunidade médica vê com cautela a conclusão, já que o trabalho é um dos primeiros a falar disso. E a meta oficial para os diabéticos hoje é LDL abaixo de 100, avisa Bertolami. Uma revisão sobre o uso de estatinas e a prevalência de tumores divulgada pela Universidade Tufts, nos Estados Unidos, aponta que, embora haja certa conexão entre doses muito modestas de LDL e o câncer, elas em si não podem ser culpadas pela doença. Os cientistas só acreditam na possibilidade dessa associação se houver outro fator de risco no meio, comenta Marília Seelaender, professora de biologia celular da Universidade de São Paulo. Seria o caso do diabete? É preciso esperar mais estudos para obter uma resposta. Para os especialistas ouvidos por SAÚDE!, independentemente da situação, o baixo índice de LDL não é responsável por tumores. Em vez de causa, isso poderia ser mais uma conseqüência do câncer, que necessita de colesterol para crescer, esclarece Marília. Ou seja, o tumor devoraria colesterol aos montes e as taxas despencariam.

As estatinas foram colocadas sob suspeita porque, de acordo com algumas pesquisas, não só financiariam a queda do colesterol como o aparecimento de tumores. Mas estudos recentes com número expressivo de participantes não validam essa hipótese, diz o cardiologista Marco Antonio de Mattos, do Instituto Nacional de Cardiologia, no Rio de Janeiro. Por isso, um recado aos que sofrem de problemas cardiovasculares e usam o remédio: nem pense em suspendê-lo. Pelos dados que temos, é injustificável deixar o tratamento, avalia Bertolami. Para quem precisa do medicamento, o risco de um infarto é imensamente maior do que o de um câncer. Se LDL de menos pode indicar uma bagunça no organismo, doses a mais também seriam sinal de algo errado. É o que acontece com pacientes de câncer que têm caquexia uma condição marcada por perda de peso e mau aproveitamento de nutrientes. Neles, os órgãos não captam direito o colesterol da LDL, que sobra na circulação, e o fígado passa a produzir mais moléculas, explica Marília Seelaender. Resultado: as taxas se elevam. Ou seja, quando as doses de gordura no sangue estão na medida certa, temos uma pista de que o corpo vai bem.

Com a mente não é diferente. Observou- se, há algum tempo, que níveis rasteiros de colesterol propiciariam a depressão. A descoberta até despertou uma pilhéria entre alguns médicos: O colesterol baixo é o sonho do cardiologista e o alto, o dos psiquiatras. No entanto, isso foi posto em xeque, porque os cientistas também flagraram níveis elevados da gordura nos deprimidos. O psiquiatra Renério Fragua, do Hospital das Clínicas de São Paulo, estudou a ligação entre o transtorno depressivo associado a ataques de raiva e a dosagem do colesterol em 330 pessoas. Observamos uma tendência de níveis mais altos naquelas que apresentavam o distúrbio, conta.

Seria então bobagem pensar em uma conexão entre a gordura e a confusão no cérebro? Nada disso. O colesterol é importante para a membrana dos neurônios. Níveis muito baixos ou, por outro lado, altos demais prejudicariam a comunicação entre essas células, explica Fragua. A relação com os estados depressivos parece estar justamente nesses extremos. Portanto, quem pretende afastar a melancolia ou até dias de fúria deve se guiar pelo equilíbrio das taxas.

Ainda no sistema nervoso, a escassez de LDL teria lá sua parcela de culpa nos derrames hemorrágicos. Nessa versão de acidente vascular cerebral, que costuma matar, a artéria se rompe, extravasando sangue e deixando de alimentar a massa cinzenta. Como as paredes dos vasos também necessitam de colesterol, doses ínfimas de LDL os deixariam fragilizados a ponto de estourar com facilidade.

Há quem refute, é claro: O tratamento com estatinas diminui o risco de qualquer tipo de derrame,afirma Larry Goldstein, professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Bem, quanto ao segundo tipo de acidente vascular cerebral, o isquêmico, é certo que diminuir os níveis excessivos de LDL é uma ótima medida preventiva. Ou o colesterol obstruirá a passagem do sangue para a massa cinzenta.
Taxas de LDL nas alturas, aliás, têm se revelado inimigas ainda mais poderosas do cérebro. Há trabalhos que as associam à demência vascular, aquela causada por derrames, e à doença de Alzheimer, conta o neurologista Paulo Caramelli, da Universidade Federal de Minas Gerais. A parceria com essa última doença, que vai apagando a memória, é justificável: uma carreata de LDL estimularia a formação das proteínas capazes de danificar os neurônios. Outro aspecto mais do que comprovado é o papel das altas cargas de LDL na gênese dos males cardiovasculares a maior causa de morte no planeta. Em doses exageradas, a substância tende a penetrar na parede das artérias. E de lá ela não sai mais, conta Marcelo Bertolami. Pelo contrário, é engolida por células de defesa, que, depois do banquete, deflagram uma inflamação. Cria-se, então, o ambiente perfeito para que outras LDLs se acumulem, construindo aos poucos a placa de gordura que entope os vasos.

Nem de mais, nem de menos você já percebeu que equilíbrio é palavra-chave em matéria de colesterol. É claro, porém, que as pessoas que convivem com um problema cardiovascular devem controlar com mais rigor os níveis de LDL. Como, então, mantê-los na medida certa? Em primeiro lugar, não se prive do sono. Um estudo da Universidade Nihon, no Japão, constatou: homens que repousam cerca de oito horas por noite correm menos risco de ficar com o LDL nas alturas. Até porque quem dorme pouco sente-se cansado durante o dia e tende a tornar-se sedentário, diz a especialista em sono Sônia Togeiro, da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Não se exercitar, de fato, é um gatilho para gordas taxas de LDL e níveis modestos de HDL, a versão protetora de transporte de colesterol.

Sem atividade física fica difícil, quiçá impossível, regular esses índices. O hábito de praticar exercícios aeróbicos, como a corrida, o tênis e a natação, levanta as doses de HDL e ajuda a passar uma rasteira nas de LDL.

Pesquisadores do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, o Incor, descobriram que suar a camisa não apenas altera o número das partículas que carregam o colesterol. O exercício melhora também o funcionamento delas, revela o cardiologista Antonio Casella-Filho.

O médico do Incor submeteu pacientes com síndrome metabólica um conjunto de males que reúne barriga avantajada, pressão alta, glicemia descontrolada e altos níveis de LDL a 40 minutos de bicicleta ergométrica três vezes por semana. Depois de três meses, sua equipe notou modificações nas proteínas que carregam o colesterol. As moléculas de LDL pequenas e densas, que penetram mais facilmente na parede das artérias, tornaram-se maiores e mais leves, conta. Nesse novo formato, elas deixam de ser tão nocivas às artérias. As pedaladas também ajudaram a aprimorar o trabalho do HDL, que, mais ativo, recolhe com maior eficiência o excedente de colesterol dos vasos. Com o tempo, os níveis dessa fração podem subir cerca de 15%, calcula Casella-Filho.

O exercício físico apresenta ainda o benefício de apaziguar a ansiedade. E botar as rédeas na tensão é mais uma estratégia para conquistar níveis mais generosos de HDL a recomendação é que eles estejam acima de 40 entre os homens e acima de 50 entre as mulheres. Segundo o endocrinologista Amélio Godoy, o estresse crônico dispara alterações hormonais que abrem caminho ao acúmulo de gordura, à escalada da pressão e, adivinhe… a alterações na linha de montagem do colesterol. Nesse cenário, passam a prevalecer as moléculas de LDL pequeninas e pesadas os melhores ingredientes para a placa que sufoca o vaso.

Colesterol na medida exige também uma dieta equilibrada. Nem mesmo as pessoas que apresentam doses mais humildes de LDL têm passe livre para se empanturrar de alimentos ricos em colesterol, como ovos e camarões. Em contrapartida, não é saudável bani-los do cardápio, já que a ordem é ter taxas em equilíbrio. O que todos deveriam maneirar seria no consumo de carnes vermelhas e de alimentos cheios de gordura trans por exemplo, biscoitos recheados, orienta a nutricionista Alessandra Macedo, do Incor. Para quem já sofre de doença cardíaca ou tem LDL de sobra, esse conselho vira um mandamento (veja quadro abaixo). O bom negócio é temperar o cardápio com as gorduras monoinsaturadas do azeite e as poliinsaturadas dos peixes, e completá-lo com as sempre bem-vindas frutas e verduras. Medidas como essas, simples, mas que cobram nosso esforço, ajudam a manter o colesterol ajustado. Nem nos céus nem muito menos à beira da extinção.

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