Motorista de Deus
Chamei um taxi e em vez de motorista veio um filósofo. Contou um pouco da sua história rapidinho. Era um sujeito valente, que andava às vezes com dois revólveres na cintura. “Queria ser um cara perigoso, porque achava isso bonito”, lembra. Era destemido.
Trabalhava à noite e passou por vários perrengues, transportando passageiros inconfiáveis para bairros distantes, em plena madrugada. Treinava tiro ao alvo e talvez se alguma proposta “decente” surgisse naquela época, viraria pistoleiro. Então teve um aneurisma. Passou por três cirurgias, o que lhe deixaram um afundamento lateral do crânio, mas sobreviveu. Na verdade, nasceu de novo, pois depois disso, como ele diz, “me entreguei a Jesus e passei a ser outro homem”, de modo que hoje é agradecido pelo ataque que não lhe deixou nenhuma sequela.
Sua vida de fato mudou, da água pro vinho, como se diz. Continua na praça, mas agora sua arma é uma bíblia, que ele mantém no painel à frente do banco do carona, à mostra e disponível. Por recomendação médica, não trabalha mais à noite. E quem entra em seu carro é quase certo que irá escutar, além da sua história, algumas palavras inspiradas de fé e filosofia teológica.
Um dos seus passageiros habituais é um dependente químico, a quem ele não cansa de “pregar”. O sujeito faz tratamento, passa seis meses “limpo”, mas então volta a fumar, ou “fritar” a merla, em inevitáveis recaídas que o deixam cheio de angústia. Um dia o motorista lhe disse: “Irmão, vou dar um conselho pra você nunca mais voltar a fumar isso. Está vendo essa pastilha aqui, do tamanho de uma unha? Pois coloque ela no chão, pise com o calcanhar e diga: em nome de Jesus, nunca mais vou voltar a fumar essa droga, porque ela é pequena e eu sou grande, porque ela é uma simples pedra, e eu sou um espírito de Deus, e sendo eu de Deus, nada pode me derrubar”.
Ele diz que viciados, traficantes ou ladrões que entram no seu carro, gostam de ouvir suas palavras, porque se sentem consolados, ainda que se admirem deles mesmos por não conseguirem, apesar de concordar com cada frase, deixar o caminho torto. “Quando virei crente, não mudei meu comportamento com os amigos e conhecidos que permaneceram no mundo. De jeito nenhum. Sou o mesmo com cada um deles”, diz, e completa: “Porque o homem que se aproxima verdadeiramente de Deus deve ser como o rabo do cavalo: quanto mais cresce, mais se chega perto do chão”.