Em sua última crônica na Folha de São Paulo o poeta Ferreira Gullar faz uma revelação: quando era garoto sonhava em ser jogador de futebol, tendo chegado a vestir a camisa do Sampaio Corrêa. Pra sorte da literatura, a carreira foi interrompida precocemente depois do candidato a atleta levar uma queda que deixou seu traseiro doendo por dias.
Mas essa não é a única história de artista maranhense que em algum momento da vida colocou o futebol como primeiro plano. Outro exemplo é do compositor João do Vale, que tentou a carreira quando já tinha ido embora para o Rio de Janeiro, depois de fugir de casa ainda menor de idade. Como tantas outras histórias de João, essa não poderia deixar de ser engraçada.
Aconteceu quando o autor de Carcará, sabendo que o amigo Chico Anísyo era chegado de Elba de Pádua Lima, o Tim, técnico do Bangu, (time com tradição em revelar talentos e que tinha entre seus craques o famoso Zizinho), pediu encarecidamente ao humorista que intercedesse a seu favor para entrar na equipe. “Já joguei na seleção maranhense, Chico, fala com o homem”, insistiu João do Vale, e Chico Anísio fez o que lhe era pedido.
Passado algum tempo, o técnico encontra Chico e desta vez é ele quem pede ao humorista, até pelo amor de Deus, para falar com o João a fim de convencê-lo a desistir da empreitada. Ruim de bola mas querido por todos, ninguém tinha coragem de falar a verdade para o compositor, que continuava treinando com o grupo na maior boa fé.
De qualquer maneira, e para sorte da MPB, Chico Anysio acabou falando com João do jeito certo para não ferir seus brios. E João do Vale, entendendo o recado, abandonou o futebol, mas fazendo-o bem ao seu estilo. Longe de admitir ser um perna-de-pau, justificou sua saída dizendo que a carreira não era pra ele porque era muito farrista, e farra e futebol não combinam. E também porque não dava para disputar vaga com o insubstituível Zizinho, que era craque além da conta.
Assim o Brasil perdeu um jogador, e a música brasileira não viu perder-se um dos seus maiores mestres.
(Essa e outras histórias no livro O jovem João do Vale (Editora Nova Alexandria).