Quem me contou foi o poeta José Maria Medeiros. O fato, segundo ele, é real e aconteceu bem antes de Lula se tornar presidente da república.
Num ônibus lotado, destino Fumacê, se não me engano, com passageiro saindo pelo ladrão, entra uma senhorita reboculosa e logo atrás dela um cachorro vira-lata.
Naquele tempo, o embarque era pela porta de trás. Fosse hoje, provavelmente o motora, com alguma ou sem nenhuma educação, a teria barrado no ato. Mas nem motorista nem cobrador perceberam coisa alguma de modo que passageira e cão passaram para o lado de dentro, ela pedindo licença para chegar na catraca, ele se enroscando nas pernas do povaréu, que a princípio aguentava tudo calado.
Apesar do aperto ambos conseguiram se acomodar de modo que a viagem prosseguiu em relativa paz. Em dado momento os passageiros chegaram mesmo a esquecer a presença animal dentro da condução, quando um odor característico, vindo de debaixo de um banco onde o Totó, languidamente, coçava suas piras, tomou conta do ambiente.
Aí não deu pra segurar.
– Isso é um absurdo, cachorro dentro de ônibus.
E a mocinha nem aí.
– Absurdo não, palhaçada.
E a mocinha nem aí.
– Uma completa falta de respeito. O que mais pode acontecer?
E a mocinha com cara de paisagem, por maior que fosse o rumor, nem aí.
Quando o motorista, até então fazendo ouvidos de mercador, não viu outro jeito senão parar o ônibus e tratar de perguntar, com a autoridade que se esperava dele, que diabos estava acontecendo, o cobrador esclareceu:
– É aquela ali, que entrou no ônibus com um cachorro a tira-colo.
Ao que se seguiu uma onde de murmúrios confirmatórios.
Vai o motorista tomar satisfações. Esclarece que sente muito, que se fosse por ele tudo bem, mas que pela lei nem ela, nem o papa, nem ninguém, podia transportar animais em um veículo destinado a levar gente, de maneira que era obrigado a pedir que ela descesse no próximo ponto.
A passageira em questão põe as mãos nas cadeiras e o encara, interrogativa. Olha para baixo e entre pernas alheias e arreliadas nota a presença do Totó, se coçando e ganindo.
Volta-se para a multidão, a quem oferece uma risadinha de escárnio. Depois, encarando o motorista, diz:
– Lamento, seu Fittipaldi, mas esse bicho não é meu. Pra seu governo, nem de cachorro eu gosto! O que eu gosto mesmo é de um gato.
E como já devia estar próxima do seu destino, desembarcou deixando a bordo o pirentinho.