Você chega no consultório, dá uma olhada em volta e lá está a pilha de revistas velhas encabeçada por uma Veja de três semanas seguida por uma Isto É do mês retrasado e uma Caras de uns dois séculos, além de outras publicações tão ensebadas que nem vale colocar as mãos. Você pega uma (independente do seu gosto particular por esse ou aquele tipo de leitura) e sai folheando de trás pra frente, enquanto espia as fotos e lê os títulos. Então você pergunta: porque esse cara que cobra trezentos reais pela consulta e não aceita plano de saúde não põe revistas da semana pra gente ler?
Talvez porque o doutor ou a doutora queira ler as revistas antes de se desfazerem delas. Ou porque desconfiam que se colocarem revistas novas, alguém com menos senso ético vai levá-las pra casa. Ou, quem sabe, por um motivo tão justo quanto estes porém mais sutis: algum tipo de zelo extremo com a saúde, que nós, pobres pacientes, não conseguimos facilmente perceber. Pense comigo: você, que Deus o livre, enfartou recentemente, implantou um stent e agora faz acompanhamento. Na sala de espera do consultório pega uma revista da semana e logo nas primeiras páginas descobre que José Dirceu vai trabalhar ganhando um salário de vinte mil reais, quase vinte vezes mais do que você ganha pelo INSS depois de ter carregado pedra por mais de trinta anos. Você puxa conversa com outro convalescente ao seu lado, pois não dá para engolir sozinho aquela drágea, começa uma conversa mais acalorada, ele entra numas de defender Lula, você defendendo Fernando Henrique Cardoso, e quando você se dá conta está na emergência com o peito raspado e cheio de eletrodos para bater um eletrocardiograma.
Desfecho que não aconteceria se você tivesse lido uma revista velha. Porque o tempo, sabiamente, já se ocupou de quebrar quaisquer vínculos entre você e as notícias que estão ali. O ebola foi controlado e você já sabe que ela não vai chegar ao Brasil. Você já sabe que a gripe HN1 não mata mais do que uma gripe comum. A radioatividade que escapara das usinas de Fukushima não irá contaminar a pescada que você compra no Mercado do Peixe. Na verdade, dar uma olhada nessas reportagens retrospectivamente pode até ter um benéfico efeito terapêutico: você tem a impressão que aquilo não aconteceu aqui, mas em outro planeta; ou que você é uma pessoa abençoada, mais sortuda ou mais esperta que as outras, pois as pedras lançadas pelo destino passaram raspando e nenhuma acertou sua cabeça.
De qualquer modo, por mais vantagens eu as revistas velhas de consultório apresentem, tenho uma sugestão para os médicos, o que justifica esse post e todo esse bla bla bla. Por que, em vez de revistas, não colocar livros à disposição dos pacientes? Romances, contos, poesias, literatura para os pequenos, caso estejamos falando de pediatras. Tenho até algumas dicas de obras cuja leitura não pesam no espírito, pelo contrário, podem deixá-lo mais leve e até ajudar a curar. A lista é imensa, mas aí vão três. Estrela da Vida Inteira, de Manoel Bandeira. Thau, de Lygia Bojunga. Os últimos quartetos de Beethoven, de Luis Fernando Veríssimo. E, quem sabe, a ação possa até servir, no melhor dos sentidos, como um merketing para o profissional.
– Onde você leu Fernando Veríssimo? – alguém pergunta.
– No consultório do Dr. Fulano – você responde.
– Ah! Vou marcar uma consulta com ele. Não aguento mais ler revista velha.