É nesse campo que pesquisadores estão trabalhando ao investigar como os trilhões de micróbios que sobrevivem em nós e nos habitam – o que é chamado de nosso microbioma – afetam a nossa saúde física.
Até mesmo transtornos como depressão, autismo e doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson, podem de alguma forma estar relacionadas a essas pequenas criaturas.
Nós sabemos há séculos que o modo como nos sentimos afeta o nosso intestino – apenas pense no que acontece com você antes de uma prova ou de uma entrevista de emprego -, mas agora isso está sendo visto como uma via de mão dupla.
Grupos de pesquisadores acreditam estar à beira de uma revolução que usa “micróbios do humor” ou “psicobióticos” para melhorar a saúde mental.
O estudo que deu a partida para esse conceito foi realizado na Universidade de Kyushu, no Japão, em 2004.
Cientistas demonstraram que camundongos “livres de germes” – aqueles que nunca tiveram contato com micróbios – produziram duas vezes a quantidade de hormônio do estresse quando afligidos do que os camundongos normais.
Os animais eram idênticos, exceto pelos micróbios. Isso foi considerado um forte indício de que a diferença era resultado de seus micro-organismos. E o trabalho se tornou a primeira pista do impacto que a medicina microbiana teria na saúde mental.
“Todos nós voltamos sempre àquele primeiro artigo, à primeira leva de neurocientistas japoneses que estudaram os micróbios”, diz Jane Foster, neuropsiquiatra da Universidade McMaster, no Canadá. “Foi realmente muito importante para nós que estavámos estudando depressão e ansiedade”.
Como as bactérias poderiam estar alterando nosso cérebro?
Há agora uma rica corrente de pesquisa relacionando camundongos sem germes a mudanças no comportamento e até mesmo na estrutura do cérebro.
Mas a vida completamente estéril deles não é nada parecida ao mundo real. Estamos constantemente entrando em contato com micróbios em nosso meio ambiente – nenhum de nós é livre de germes.
No Hospital Universitário de Cork na Irlanda, o professor Ted Dinan está tentando descobrir o que acontece com o microbioma de seus pacientes deprimidos.
Para os médicos, um microbioma saudável é um microbioma diverso, que contém uma grande variedade de espécies diferentes de micro-organismos.
“Se você comparar alguém que está clinicamente deprimido com alguém que está saudável, há uma diminuição na diversidade da microbiota (flora intestinal)”, diz Dinan.
“Não estou sugerindo que esta seja a única causa da depressão, mas acredito que, para muitos indivíduos, ela contribui para o surgimento da doença.”
O pesquisador argumenta ainda que alguns estilos de vida que enfraquecem nossas bactérias intestinais, como uma dieta pobre em fibras, pode nos tornar mais vulneráveis.‘
Microbioma
Pesquisa recente mostra que as pessoas são mais micróbios do que humanas – se você contar todas as células do seu corpo, apenas 43% pertencem à espécie humana.
O resto é o microbioma e inclui bactérias, vírus, fungos e arquea (organismos que eram classificados de forma equivocada como bactérias, mas que têm características genéticas e bioquímicas diferentes).
Isto é conhecido como o “segundo genoma” e também está sendo associado a doenças como Mal de Parkinson, doença inflamatória intestinal, depressão, autismo e ao funcionamento de drogas contra o câncer.
Mistério da depressão
A possível relação de um desequilíbrio no microbioma intestinal com a depressão também é um conceito intrigante.
Para testar esta hipótese, os cientistas do centro de microbiomas APC, na Universidade College Cork, começaram a transplantar o microbioma de pacientes deprimidos para animais. O procedimento é conhecido como transplante fecal.
Ele mostrou que, se você transfere as bactérias, também transfere o comportamento.
“Ficamos muito surpresos com a possibilidade de, apenas pegando amostras de microbioma, reproduzir muitas das características de um indivíduo deprimido em um rato”, diz o professor John Cryan à BBC.
Estas características incluíam, por exemplo, a anedonia – o modo como a depressão pode levar as pessoas a perderem o interesse pelo que normalmente consideram prazeroso.
Para os ratos, esse prazer era obtido com uma água com açúcar que eles queriam beber cada vez mais, mas com a qual passaram a não se importar quando receberam o microbioma de um indivíduo deprimido, diz Cryan.
Evidências semelhantes da relação entre o microbioma, o intestino e o cérebro também estão emergindo em relação ao mal de Parkinson.
A doença é claramente um distúrbio cerebral. Os pacientes perdem o controle de seus músculos à medida que as células cerebrais morrem, e isso os leva a apresentar um tremor característico.
Agora, o professor Sarkis Mazmanian, microbiologista médico do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), tem argumentado que as bactérias intestinais parecem ter um papel nisso.
“Os neurocientistas clássicos considerariam uma heresia pensar que é possível entender os eventos no cérebro pesquisando o intestino”, diz ele, que no entanto encontrou diferenças “muito fortes” entre os microbiomas de pessoas com Parkinson e daquelas sem a doença.
Estudos em animais geneticamente programados para desenvolver o Parkinson mostram que as bactérias intestinais estão ligadas ao surgimento da doença.
E quando as fezes foram transplantadas de pacientes com Parkinson para ratos, estes desenvolveram sintomas “muito piores” do que quando foram usadas fezes provenientes de um indivíduo saudável.
Mazmanian diz à BBC que “as mudanças no microbioma parecem estar induzindo os sintomas motores do Parkinson.”
“Estamos muito animados com isso porque nos permite apontar o microbioma como um caminho para novas terapias”, afirma.
Ainda que fascinante, a evidência que liga o microbioma ao cérebro é, por enquanto, preliminar.
Os pioneiros desse campo de pesquisa veem, entretanto, uma perspectiva interessante no horizonte – uma maneira totalmente nova de influenciar nossa saúde e bem-estar.
Se os micróbios influenciam nossos cérebros, então talvez possamos mudar nossos micróbios para melhor.
Mais estudos
Mas será que alterar as bactérias no intestino de pacientes de Parkinson pode mudar o curso da doença?
Fala-se de psiquiatras que prescrevem micróbios do humor ou psicobióticos – efetivamente um coquetel probiótico de bactérias saudáveis – para impulsionar nossa saúde mental.
A pesquisadora Kirsten Tillisch, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, questiona: “Se mudarmos as bactérias, podemos mudar o modo como reagimos?”.
Ela diz, entretanto, que são necessários estudos muito maiores que realmente investiguem quais espécie e até subespécies de bactérias podem estar exercendo efeito sobre o cérebro e o que elas estão produzindo no intestino.
“Há conexões claras aqui. Acho que nosso entusiasmo e nossa empolgação se explicam porque não tivemos, até agora, tratamentos ótimos (para males como Parkinson). Então é muito empolgante pensar que há um caminho totalmente novo que podemos estudar e com o qual podemos ajudar as pessoas, talvez até para prevenir doenças.”
O microbioma – nosso segundo genoma – está abrindo uma maneira inteiramente nova de se fazer medicina, e seu papel está sendo investigado em quase todas as doenças que se pode imaginar, incluindo alergias, câncer e obesidade.
Impressiona o quão maleável esse segundo genoma é e como isso está em contraste com o nosso próprio DNA.
A comida que comemos, os animais de estimação que temos, os medicamentos que tomamos, como nascemos – tudo modifica nossos habitantes microbianos.
“Prevejo que nos próximos cinco anos, quando você for ao médico fazer seu exame de colesterol, por exemplo, você também vai ter o seu microbioma avaliado. O microbioma é o futuro fundamental da medicina personalizada”, afirma John Cryan.