Professores da Universidade Federal do Maranhão (Ufma) estão discutindo as suas formas de organização e intensificando o debate envolvendo o papel da Universidade pública na sociedade brasileira.
Em um segundo artigo publicado neste blog, o professor Carlos Agostinho Couto faz uma análise envolvendo a morte de um cidadão em um arraial junino realizado dentro da Ufma.
O Uniblog está aberto a propostas e análises envolvendo a Ufma.
Abaixo artigo do Professor Agostinho Couto
Morte no arraial: opção por criminalizar a vítima demonstra incapacidade da Ufma em lidar com crises
Carlos Agostinho Couto
(Prof. Departamento de Comunicação Social da Ufma e membro do Conselho de Representantes da APRUMA)
Em que pese todo o poder comunicacional que tem demonstrado quando deseja se utilizar da imprensa para a divulgação de notas do seu interesse (dezenas de blogs, colunas em jornais da situação e oposição, entrevistas em jornais e na TV), a Universidade Federal do Maranhão demonstrou uma insensibilidade sem tamanho ao tratar da morte de um jovem em uma festa promovida dentro do campus do Bacanga.
Não que ela não tenha conseguido divulgação, pois isso sempre acontece, numa impressionante conquista de espaço que já uniu em favor de uma mesma causa antagonistas ferrenhos – como a Coluna do Pêta (JP) e a Estado Maior (EMA) – no caso da criação de um sindicato oficial na Universidade. Houve divulgação da Nota Oficial da instituição sobre o assassinato, mas o conteúdo da mesma é de envergonhar qualquer pessoa com um mínimo de bom senso. Nos defensores dos direitos humanos (que deveríamos ser todos nós) deve dar vontade de denunciar às cortes internacionais.
No lugar da sensatez, apuração, disponibilidade e auxílio às autoridades policiais e à família do rapaz, a Nota opta pela criminalização da vítima.
A Nota inicia com uma informação imprecisa de que uma senhora não identificada havia informado que “10 indivíduos estavam assaltando” pessoas no campus. Com o intuito de garantir a “segurança patrimonial da instituição” (percebamos: não se pretendia acabar com possível tumulto ou com o risco para as pessoas presentes na festa) os seguranças foram acionados. A Nota continua tratando os envolvidos por “meliantes”, “infratores” e “assaltantes”, sem restar comprovada qualquer ação criminosa específica ou condenação judicial dos mesmos.
O documento é encerrado com um depoimento da mãe da vítima que dá conta de que ela “já sabia que isso iria acontecer”, como se fosse possível a ela prever que o filho fosse ser assassinado, não sem antes divulgar a alcunha do rapaz (“Cachorrão”) e sugerir que os participantes sejam ligados a um grupo criminoso local.
Embora não possamos afirmar que essa era a verdadeira intenção da UFMA (justamente porque antecipar um juízo, como foi feito, seria temerário), todos sabemos que no Maranhão, infelizmente, essa é uma prática comum. Quando há crises, denúncias, acidentes, debates mais aguerridos, condena-se a vítima para evitar críticas e transferir a responsabilidade. Já houve dezenas de casos assim, principalmente no mundo policial e político.
Porém, a mesma imprensa tão colaborativa com os interesses das notas oficiais e oficiosas, principalmente quando se trata de atingir quem ousa criticar a administração, demonstrou que pode ser outra a verdade. Matéria do Jornal Pequeno, publicada no último dia 15, dá conta de que a visão da família e as intenções do jovem morto podem não ser as contidas na Nota.
Diz a matéria que a mãe do rapaz, ao perceber que a sua filha voltara do arraial sem o irmão, mandou que a mesma retornasse e o levasse para casa; que o jovem escondeu-se por trás de um poste de iluminação pública, para fugir da confusão, quando foi baleado; que o morto havia concluído o Ensino Médio e preparava-se para tentar cursar Engenharia Mecânica; que a mãe prestou queixa à polícia do fato e que a polícia investiga o assassinato, mas que não menciona assaltos no local.
No final da apuração pode-se chegar à conclusão de que realmente houve assaltos, ameaças, tiroteio e que a morte foi uma fatalidade na tentativa de controlar a situação? Sim, é possível. Mas não se pode antecipar juízos de valor, criminalizar a vítima, seus companheiros e sugerir que a família dava como certa a morte do rapaz. A Universidade, como promotora da festa, deveria assumir os riscos e colocar segurança suficiente e competente para uma situação como esta; solidarizar-se com todos os envolvidos (frequentadores da festa, família do jovem morto, vigilante acusado…), colocar-se à disposição das autoridades e, finalmente, demonstrar que age como se espera de qualquer universidade: uma instituição séria e que assume as suas responsabilidades, mesmo quando elas recaem sobre uma situação que ninguém quer ou espera, agindo com isenção, transparência e atenção para com a comunidade.