Distinção entre compulsão e vontade de beber
Entre os dependentes de drogas (álcool e outras drogas), existem diferentes sintomas que, de conformidade com a evolução da doença vão se estabelecendo progressivamente ao ponto de posteriormente passarem a ser típicos dessas pessoas. “Neste artigo, tratarei da compulsão vulgarmente chamada de “fissura” ou craving”, que é entre os sintomas de dependência um dos mais importantes para o diagnóstico dessas doenças. Esse sintoma interfere diretamente na disposição do enfermo para se tratar, bem como nas sucessivas recaídas que se observa no processo de recuperação e tratamento.
Fissura e compulsão são dois termos já largamente conhecidos pelo público em geral, graças às centenas de artigos já publicados a seu respeito, embora ainda não se tenha pleno conhecimento sobre sua natureza biológica e comportamental.
“Fissura” é um termo popular em nosso idioma. Entre os ingleses é denominada de “craving”, que nada mais é do que um desejo ardente, incontrolável, irrefreável de consumir a droga da qual dependa. Em princípio, só sente fissura quem é dependente, seja de que droga for. É um sintoma que pode estar presente em outros transtornos psiquiátricos, portanto não é exclusivo dos dependentes de drogas. Os alcoólatras e outros dependentes, portanto, sentem essa fissura sempre que param ou reduzem o volume de ingesta das substâncias das quais dependem. Este fenômeno apresenta as seguintes características:
1 – está presente na síndrome de dependência;
2 – surge quando o consumo da droga é interrompido;
3 – a ânsia (compulsão) de consumir é quase sempre superior ao seu controle;
4 – favorece sempre a recaída;
5 – a obtenção da droga cessa os sintomas;
6 – é classificada como leve, moderada ou grave.
7– sua intensidade está associada à intensidade da dependência;
8 -é involuntário, evolutivo e envolve mecanismos neurobiológicos, circunstanciais/psicológicos;
9 – há drogas que aliviam os sintomas do “craving”;
10 – interfere na decisão de se tratar;
A compulsão é uma distorção psicopatológica da vontade e/ou da volição. É uma disfunção volitiva. Enquanto que na vontade a pessoa exercita livremente sua capacidade de querer ou não usar uma substância, o compulsivo se vê obrigado imperiosamente ou compelido a fazê-lo. Portanto a grande distinção é essa. O dependente químico, não usa drogas porque quer, e sim por que é obrigado. Eis, o grande problema, porque a partir do momento em que alguém se vicia no uso de uma droga, ele se escraviza perde sua autonomia, sua capacidade de escolher o que quer e o que não quer, perde sua disposição e sua liberdade nas escolhas e nas opções que fará na vida daí pra frente. Será comandado por ações compulsivas em que o comando das mesmas já não se dará de forma efetiva, pois ele irá consumir a substância por motivos incontroláveis.
Estes 10 itens acima mostram claramente a gravidade deste problema e todos são muito importantes em sua caracterização, a dificuldade de aderir a um tratamento e as recaídas são indiscutivelmente as mais importantes consequências do “craving”, justamente por interferir no tratamento e na recaída.
Do ponto de vista da neurobiologia do “craving”, já temos acumulado um vasto conhecimento sobre como ele surge, muito embora se saiba que ainda falta muito para esclarecer totalmente sua natureza. O fato é que tudo se dá em determinadas áreas do cérebro intermediado por reações envolvendo os neurotransmissores cerebrais: dopamina, serotonina, acetilcolina e outros.
Estudos de neuroimagem utilizando técnicas como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) têm permitido a identificação de tais anormalidades neurofuncionais criando condições favoráveis para que em um futuro próximo se possa manejar melhor com este sintoma. Além do mais, graças aos recentes os avanços da ressonância magnética (RM) funcional, já se pode vislumbrar as áreas afetadas pela compulsão, fato que está certamente favorecendo uma maior compreensão da fisiopatologia desse fenômeno.
Do ponto de vista do tratamento, nos últimos 15 ano avançou-se muito no tratamento da compulsão. Na área farmacológica os avanços foram expressivos, sobretudo com o surgimento de drogas denominadas de anti-compulsivas, anti-fissura ou ainda, anticraving, as quais, impedem ou reduzem a busca incontrolável por álcool ou por outras drogas, e diminuem drasticamente o mal estar físico, psicossocial e emocional ocasionado pela privação do uso dessas drogas. Esses dois mecanismos de ação farmacológicos, são considerados atualmente como fundamentais para o manejo adequado dos dependentes de drogas.
Entre os transtornos que mais se beneficiaram com estes medicamentos foram o alcoolismo e o tabagismo. Outras drogas estão sendo testadas e que deverão ser lançadas em breve se destinam ao controle do “craving” dos dependentes de cocaína, através de mecanismos, diferentes aos anteriores.
Outros avanços significativos ocorreram na área ocupacional e psicossocial com técnicas avançadas no tratamento e reabilitação destes pacientes, as quais possibilitarão diretamente maior adesão aos tratamentos propostos, impedindo também, por conseguinte, altos índices de recaídas frequentemente encontrados ente estes doentes.