Pode-se afirmar que as eleições, que ocorrem periodicamente para escolha dos representantes dos poderes legislativo e executivo, correspondem a um dos mais importantes contributos à democracia. Nessas ocasiões, escolhemos, entre os candidatos aos respectivos cargos, os que mais nos convêm.
Quando as eleições se aproximam, o voto surge nesse cenário com carga total, passando a ser tratado como uma pepita de ouro, o mais importante objeto de desejo, tanto para os candidatos quanto para os partidos políticos. Nas campanhas, os candidatos aproximam-se dos eleitores de forma cautelosa, sorridente, afável e sorrateira, dando-nos a impressão de “um tigre que se aproxima de sua presa”.
Os candidatos, em períodos pré-eleitorais, partem com toda garra para cima dos eleitores, fazem de tudo para conquistá-lo. Tratam-no com pão-de-ló, os cumprimentam com deferência, os abraçam, prometem mundos e fundos, atendem aos pedidos, os bajulam, os ouvem como se fossem grandes amigos, dão tapinhas nas costas e prosseguem, ávidos, pronto para devorá-los.
No curso das eleições, a guerra prossegue. Partidos e candidatos se articulam em alianças políticas, por trás da famigerada coligação partidária. Chefes, líderes políticos e os cabos eleitorais se articulam para disputarem, milimetricamente, os votos. Partidos e candidatos, em geral, fazem uma espécie de zoneamento territorial, ou curral eleitoral, por região e por município, visando a obtenção de um maior número de apoiadores.
No corpo a corpo, a disputa é acirrada e todos se tornam atentos aos seus concorrentes e se preocupam, predominantemente, com o financiamento da campanha, que foi objeto recente de muitas mudanças pelo Supremo Tribunal Federal – STF, impedindo que empresas privadas financiem campanhas de candidatos a qualquer cargo público. Hoje, o que vigora é o financiamento público de campanhas e/ou doações de pessoa física. Isso pode de certa forma impedir a sangria ética criminosa que predominou há anos em nosso país, onde os políticos e partidos funcionavam mais para grandes empresas do que para a população.
Durante muitos anos isso foi acintoso e gerou muitos problemas éticos na política. Por isso, caminhe-se no rumo de uma proposta de financiamento de campanha mais decente e menos mercantil. Nessas novas propostas, o dinheiro terá sua origem claramente identificada e as empresas estão proibidas de apoiar. A ética de tudo isso é destronar o dinheiro como o vetor mais importante de uma campanha eleitoral, deixando a ética e moralidade pública serem mais relevantes.
Sobre o plano das ideias e das propostas políticas, em geral, quase não se ouve falar. Propostas inteligentes, sensatas de como resolver os graves problemas por que passa a nação brasileira é o que menos se vê. Programa de governo consistente, eficiente e duradouro e como ou para quem se vai legislar, são raros. Os candidatos entram mudos e saem mudos e surdos em suas campanhas.
Ao se elegerem, em geral, encastelam-se em seus mandatos, sentem-se vitoriosos, somem dos eleitores, distanciam-se dos compromissos de campanha e de suas bases eleitorais e só reaparecem anos depois, com os mesmos trejeitos comportamentais e voltam à cena com todo fulgor e encantamento, convencidos de que cumpriram muito bem seus mandatos e fizeram o melhor para seus eleitores.
Em nosso país, essa relação TSE/candidato/eleitor é profundamente ambígua e contraditória a ponto de predominar um clima de desacreditação, desrespeito e desconfiança geral nos partidos e nos candidatos. É uma relação ambivalente de infidelidade, traição, amor e ódio, que vigora entre o Tribunal os candidatos e eleitor, camuflada por uma paz harmonia fictícia.
Há um tácito faz de contas, onde um tira proveito do outro. Há captação ilícita de sufrágio, corrupção, promessas vãs, mentiras, tapinhas nas costas, através de um “conluio maledicente e cínico”, pois de fato o que há é uma a relação dissimulada e traiçoeira, camuflando o ódio, o oportunismo e a pouca-vergonha.
Essas contradições são efêmeras e sazonais, pois em geral só ocorrem nas eleições. Semanas ou meses depois, a maioria dos eleitores não sabem nem o nome do candidato em quem votaram. Há uma espécie “apagamento mnêmico” revelado pelo silêncio que irá imperar entre eles doravante. Eleito e eleitor, a partir daí, não se comunicam. Nem um telefonema ou e-mail, ou um cartão de visitas ou mesmo um aperto de mão com seu candidato, fugindo um do outro como como o “diabo foge da cruz”, isto é, divorciam-se e voltam a se encontrar sob o mesmo “modus operandi” anos depois.
Essas ambiguidades prosseguem por anos a fio. Tem candidato que nunca foi a um determinado município e sai de lá transbordando de votos, outros nunca pisaram em um povoado e se elegem para cargos no executivo ou no legislativo. O eleitor, de um lado, permanece dando seu voto para o mesmo candidato que o esqueceu. O candidato, sabido e esperto, permanece calado, em silêncio, fazendo de contas que está trabalhando para seu eleitor.
É uma relação bizarra complicada e disfuncional. É tão complicado que a maioria das pessoas atualmente só votam por obrigação ou para não pagarem multas, tal é o descrédito e desconfiança que impera nessa prática. Se a Organização Mundial da Saúde – OMS se dispusesse a dar uma nomenclatura para essa conturbação ou disfuncionalidade eleitoral e política, diria que há um distúrbio psicopatológico eleitoral ou, simplesmente, Transtornos Sistêmico Eleitoral – TSE.
“Transtorno” porque esses comportamentos provocam graves problemas e alterações e contratempos às cidades, ao estado e ao país, com repercussões profundas na vida dos indivíduos e da sociedade. Apresentam profundos prejuízos nas instituições públicas. Eleições malsucedidas ou as que elegem candidatos inóspitos, incompetentes, inconfiáveis e oportunistas geram, realmente, graves problema.
É “sistêmica” porque atinge todo sistema de vida, tanto das pessoas individualmente quanto na sociedade. As repercussões são gigantescas, vide a Operação Lava-Jato, desmontando quadrilhas, criminosos revestidos de funções políticas. A maior prática da corrupção sem precedentes na história de nosso país, praticada por políticos eleitos legitimamente e exercendo as mais importantes funções de notoriedade pública, quase destruíram nosso país.
É “eleitoral” porque o fenômeno ocorre no domínio das eleições. A epidemia é via eleitoral. Quando há candidatos corruptos, desonestos, falsos, mentirosos e conchavados, o resultado é pior do que uma sepse (infecção generalizada), pois pode destruir a ética e as instituições de um povo, de um governo e de uma sociedade. Não é à toa que tanto o Tribunal Superior Eleitoral, quanto as redes de comunicação, fazem campanhas para ensinar a população a votar melhor, a escolher conscientemente seus candidatos e para tentar cessar a sangria ética que há na política brasileira.