As amizades em crise

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         Em conversa recente com alguns amigos, onde falávamos sobre as amizades e as dificuldades em fazê-las, especialmente nos dias de hoje, fiz algumas ponderações a esse respeito, dizendo-lhes que entendia, ser a amizade, na perspectiva das relações humanas, algo singular, especial bem como destes com outros animais.

            Dizia ainda, que a amizade se dá no tempo, e está sempre acima de interesses das partes envolvidas nesse processo. É uma relação promissora, autêntica e se consolida de forma lenta e progressiva, se aprofundando à proporção que cada qual vai se conhecendo. É um relacionamento profundo, de concessões e de desinteresses e se dá de forma confiante, amável, solidária, afetuosa, carinhosa, respeitosa, protetiva e, amorosa. É uma relação inspirada em sentimentos nobres e profundos, confluentes, simultâneos e altruísticos.

As amizades tendem a ocorrer de forma fortuita, embora possa surgir na maioria das vezes na convivência e, quando ocorrem, consolidar-se-ão, no tempo. Nascem da confluência desses atributos positivos e se dirigem em um único sentido, onde os amigos se dão mutuamente.  Isto é, na amizade, há uma sincronia afetiva, há uma simpatia mútua, unidos por sentimentos positivos, de confiança e segurança mutua.

Até aí, parece que todos concordaram com o que havia dito. Um dos amigos, fez alusão a pontos de interesses comuns que deve haver ente os amigos e outros, ainda, retrucaram, alegando que mesmo que haja discordâncias entre ideias, essas divergências ocorreriam no plano dos pensamentos, e que, sem grandes esforços, a própria amizade, as suplantaria e essas seriam elo de união e não de separação pois, são simplesmente, diferentes formas pensar de cada um.

Toda amizade precisa ser mantida, regada, cultivada, pois as mesmas são bases especiais dessas experiências humanas. Isto é, da mesma forma como se deve regar uma plantinha para que ela cresça e se desenvolva, de forma sadia e promissora, sentimentos como a fé, a confiança, o amor, o respeito e o carinho, que inspiram as amizades, devem também sê-los. As amizades devem ser preservadas, protegidas e cultivadas.

As amizades, como outros sentimentos humanos, não deverão estar exclusivamente à mercê de contatos frequentes, visitas ou mesmo as voltas com sentimentos de posses exclusivistas de alguém sobre alguém. O amigo não é dono do outro. Tenho amigos, que passo anos sem vê-los, porém, quando nos encontramos, a impressão é que se tem é que o tempo não passou. E assim a amizade brota e se mantém.

Também nesse ponto não houve qualquer divergência. Isto é, não se define uma amizade pelo número de encontros, frequência de visitas ou pelo tempo que cada um passa com o outro. A amizade está muito acima dessas peculiaridades e transcende o tempo.

Nenhuma amizade deve subjugar os amigos entre si. Isto é, preserva-se a autonomia, a liberdade de pensar, de sentir e de agir de cada um, em respeito à personalidade e ao caráter do outro. Não é concordando sempre, com que ambos pensam, que as amizades se consolidam, pode-se discordar das diferentes formas de pensar e nem por isso a relação se abala, desde que haja respeito pelas ideias.

Se fizermos, um recorte entre as ponderações feitas acima e as condições atuais com que ocorrem os relacionamentos, torna-se difícil se desenvolver boas amizades.

Vive-se em um mundo de rápidas e constantes transformações, onde o hoje, o ontem e o amanhã, parecem se confundir, ao se darem em um mesmo plano. O tempo parece curto e curtas são as relações. As coisas se passam rápido demais, colaborando com vivências fugazes e transitórias. Relações inconstantes sem profundidade virou marca registrada nos tempos modernos das diferentes experiências humanas. Essas marcas, colaboram para que haja relações sem profundidade, maquiadas, efêmeras, utilitárias e, em muitos sentidos, mercantis.

As pessoas, inseguras em si mesmas, se dão muito pouco umas ás outras, nesse contexto de transitoriedade. A maioria absoluta delas estão isoladas e circunscritas aos seus egoísmos. As relações estão sem o selo de garantia. Estabelecem-se de forma predominantemente sem efetividade. O mundo se notabiliza por relações fisiológicas e oportunistas, onde todos tendem a tirar proveito dos outros se moldam a partir desses pretextos.

Em sendo assim, poderíamos falar de amizades, em seu significado mais profundo, onde o que deveria imperar era a confiança e o respeito entre as pessoas, sendo o que menos ocorre?

Poderíamos pensar em amizade em um mundo onde a insegurança, a desconfiança e a desfaçatez predominam? Onde a insensibilidade, a insensatez e o egoísmo, tem suas presenças garantidas em qualquer relação, e, por isso mesmo, todos acabam tendo sempre um pé atrás, ante cada um?

Poderíamos pensar em amizade onde não há gratidão, admiração e carinho entre as pessoas, em um mundo, predominantemente, repleto de ódio e competição, em suas diferentes formas de expressão?

Poderíamos pensar em amizade onde as pessoas não se relacionam mais de fato e de direito, e sim, sob o império da virtualidade, através dos meios eletrônicos, onde muitos nem se conhecem e passam a “estabelecer relações profundas”?

Como se pensar em amizade, onde as pessoas nem se dão conta de si mesmas e que, ao mesmo tempo, querem aparecer e serem notadas, mesmo que para tanto, façam muito pouco um pelo outro?

Fiquem pensando sobre isso! Todos fomos responsáveis até onde chegamos. Amizade, contrariamente ao que muitos pensam, é uma relação vital, indispensável entre os humanos e destes com outros seres viventes. É uma condição de promoção e de proteção da vida. Não é, tão somente, uma coisa simples, que ocorre entre um e outro, ela se dá em um plano de prorrogação e manutenção da vida. Devemos promove-la, protege-la, defendê-la e cultivá-la e é a ela, que haveremos de recorrer quando nos sentirmos cada vez mais sós e solitários.

2 comentários para "As amizades em crise"


  1. Leyla

    Excelente crônica!

    • Ruy Palhano

      Ok Leyla, boa tarde, muito obrigado pelo comentário. abraços
      ruy palhano

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