Nos quatro (4) últimos capítulos da novela das 08 da Rede Globo, “Amor à vida” foram exibidos cenas grotescas e chocantes ocorridas em um hospital psiquiátrico as quais faziam parte de uma trama diabólica entre dois irmãos e o restante de uma família poderosa repleta de problemas e conflitos provocados por diferentes interesses.
Houve muitos comentários na população sobre o assunto e o mesmo ressoou muito mal no seio da psiquiatria brasileira. Muitos pacientes me ligaram, comentando sobre as cenas da novela, uns ainda assustados e perplexos questionava as mesmas, outros ainda, comentavam que não deveriam tratar este assunto daquela forma, etc. Procurei em todos os casos mostrar-lhes que isto fazia parte de uma novela, e que, em princípio, tanto a TV, quando o autor das mesmas, o que queriam na realidade era aumentar a audiência sobre a novela para haver retorno de seus investimentos.
Eu também fiquei estarrecido com tais cenas, porque as reconhecia como cenas pertencentes a um passado da psiquiatria que já havíamos ultrapassa há anos. A repercussão foi tão grande que a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP enviou correspondências à Rede Globo e ao autor da novela, Valcir Carrasco, tecendo algumas ponderações sobre a forma como este tema psiquiátrico fora tratado nesta novela. E, que tais cenas, destituídas das técnicas modernas de tratamento, dos conhecimentos e da ética na formulação do diagnóstico, e da forma ofensiva e violenta que a “paciente” fora tratada refletia mais violência, vingança, tortura e crueldade do que um tratamento psiquiátrico propriamente dito. Fatos que não combinam de forma nenhuma com uma prática atual da psiquiatria que é ética, eficiente e humanizada como a que existe hoje em dia.
Só a guisa de informação, os psiquiatras brasileiros e outros profissionais da saúde mental , há pouco menos de 15 anos, deflagraram, neste país, uma das mais importantes lutas já realizadas em prol do doente mental, de suas famílias e sobre os tratamentos que lhes eram dispensados. Este movimento nacional passou-se designá-lo de reforma da Assistência Psiquiátrica Brasileira destinada a enfrentar todas estas mazelas preconceituosas que há anos imperavam e que vilipendiavam , maltratavam, desrespeitavam estes doentes em todos os sentidos: ético, técnico e humano. Embora tenhamos avançado muito na lua contra estes preconceitos existentes nesta área a luta não parou aí, pois até hoje se reconhece que ainda existem enormes preconceitos em torno da doença mental, do doente, do médico, e sobre os tratamentos que são oferecidos a estes pacientes e as suas famílias.
A preocupação maior da ABP, era a de que a pretextos das novelas ressurgissem os preconceitos que fizeram muito mal a esses enfermos, pois para quem não sabe, existem 460 milhões de pessoas portadores de uma doença mental em nosso país, em que tais cenas poderiam reforçar tais preconceitos que há muitos anos vem se lutando para eliminá-lo.
É importante também comentar que a Eleroconvulsotrerapia – ECT, certamente a cena mais chocante e comovente da novela, desde quando o mesmo foi instituído em psiquiatria, em 1935 por dois psiquiatras italianos, Cerlleti e Bine que vem sofrendo profundas modificações tanto em sua indicação médica quanto em seu processo de aplicação, onde evoluímos muito, ao ponto de hoje o mundo inteiro reconhecê-lo como um grande recurso a disposição da psiquiatria, para tratar casos incomuns e refratários à outros tratamentos psiquiátricos. O próprio Conselho Federal de Medicina – CFM, o reconhece como um tratamento legítimo, ético e tecnicamente recomendado.
Na novela além de não respeitarem os preceitos de sua indicação clínica, recomendados pelo CFM, dava-nos a impressão que estar sendo realizado uma sessão de tortura na paciente (que também fora internada indevidamente), do que um tratamento médico propriamente dito, muito embora se saiba que eram cenas de uma novela.
Por último, acredito que tenha sido intencional a idéia do Sr. Valcir Carasco em tratar do assunto da forma que ele tratou, gerando polêmica já soterrada, através de cenas grotescas, e anacrônicas ao tratar de um assunto tão importante como o é o tratamento de doentes mentais, mas da próxima vez que o faça sobre a supervisão de uma equipe de profissionais competentes e responsáveis que conheça bem o assunto para não expô-lo ao ridículo de tratar pejorativamente um assunto que desconhece, que por isso mesmo venha prejudicar muita gente.
Apenas retificando. O Brasil tem, pelo ultimo senso, 201 milhões de habitantes. Portanto, não podemos ter, matematicamente, 406 milhões de pessoas com doença mental.
Obrigado pela observação caro amigo Adão, na realidade queria me referir a 40 milhões e não 406 como saiu na publicação, desculpe e muito obrigado pela correção. Desculpe também por só agora responder-lhe.