A grande insurreição do povo brasileiro ainda está viva. Hoje, passado alguns dias do apogeu das manifestações, setores mais organizados da sociedade se mantêm firme, atenta e lúcida reivindicando seus direitos.
Aqui e acola ainda vê-se focos destas manifestações demonstrando que a população, apesar de tudo, permanece atenta, ligada aos compromissos já firmados. Ocorre que as manifestações agora são mais setorizadas, localizadas revelando queixas e solicitação especifica de setores mais organizados da vida civil. No início eram basicamente os estudantes, e agora o Brasil mostra sua cara revelando insatisfação de todos os tipos através de seus protestos da classe trabalhadora.
Destas manifestações muita coisa boa aconteceu e nos ensinou a todos. Uma delas foi se redescobrir a força gigantesca que nós temos quando nos unimos em torno de ideais. Observe que todo movimento se verificou graças a comunhão de aspirações comuns pretendidas por todos, isto é, todos lutavam pelas mesmas coisas, pelos mesmos ideais e pelos mesmos propósitos através do mesmo espírito de luta e contra as mesmas situações que prejudicam a população: desmandos, incúria e negligência, corrupção e muitas outras mazelas dos dirigentes públicos no trato dos interesses sociais e coletivos.
A moralidade deste movimento social, portanto, ocorre na busca de mais justiça, de igualdade social, de melhores condições salariais, melhores condições de saúde, educação, de melhores condições de moradia entre outras coisas. Ocorre que associado a este grande movimento reivindicatório inspirado na democracia, na dignidade e na ética, surge outro que vem merecendo toda nossa atenção, qual seja, a manifestação de violência e vandalismo entremeado nestas manifestações sociais reivindicatórias.
O quebra-quebra, a badernagem, a violência designadas de vandalismo que ocorre juntamente às manifestações reivindicatórias mais pacatas e ordeiras, também podem sociologicamente representar expressões de insatisfação popular de seguimentos ou grupos de pessoas que se encontram na mesma sociedade que nós fazemos parte. Não são seres de outro planeta, ou de uma sociedade excêntrica diferente, mas pertencem à mesma sociedade que construímos. São pessoas ou grupos, portanto, que expressam os mesmos dilemas, as mesmas insatisfações, inseguranças e contradições reveladas por outros grupos desta mesma sociedade que de forma ordeira e pacata reclamam. Estas ações, todavia, são condenáveis em si mesmas por prejudicarem a todos e serem destituídas de um sentido ético e de direito que deem bases à suas ações. Todos demonstram frustações, desigualdades, injustiças proveniente de um estado desatendo com as questões sociais.
São também manifestações com forma diferente de tratarem as grandes questões, que dizem respeito a todos nós. São pessoas que falam através das pedras nas mãos, com os paus, com o fogo, com os desatinos, com o crime e através da violência revelam suas insatisfações diante de tudo que vem ocorrendo no mundo e em nosso país.
O vandalismo é uma expressão diferente, contrária a ordem e/ou à desordem social. São atitudes disfarçadas onde as condições que as incentivam não se justificam em si mesmas. São comportamentos sem limites, irresponsáveis e criminogênicos, mas que fazem parte do nosso viver e que podem expressar as profundas contradições que nos sustentam.
Veja por exemplo a violência contra nosso patrimônio moral e ético ao vê o Renan Calheiros, um homem que há bem pouco tempo fez o que fez em nossa república, ser presidente do Congresso Nacional a mais importante instituição política deste país; vê os bandidos do mensalão exercem cargos de notoriedade pública na Câmara dos Deputados, embora já julgados e condenados pela Corte Suprema deste país e até hoje soltos por aí; vê políticos chefes de estado passearem de aviões das forças armadas gastando fortunas indo para casa de campo e/ou vê jogo de futebol; ver parlamentares que se omitem em votar as matérias que irão beneficiar a população; vê o ministro de a saúde importar médicos de outros países para atender nossas populações desassistidas por falta de cama, de soro, de medicamentos e de condições dignas para realizar o trabalho médico.
Estas e muitas outras situações revelam as idiossincrasias sociais e políticas que ainda não tivemos forças para impedir, que podem ser consideradas também violências ou formas de vandalismo contra nossa ética, nossa dignidade, nossa cidadania e contra nosso maior e mais importante patrimônio público que é a ingenuidade e a fé do povo brasileiro, fatos que nos inspiram a ser tolerante ante estas contradições.
Portando, sou absolutamente contra qualquer forma de violência ou vandalismo, porém é muito importante que ao se examinar tais manifestações a contextualize com todas as particularidades que lhes digam respeito, para se entender bem o que se passa com este fenômeno neste momento histórico da vida nacional.