É cada vez mais desanimadora a possibilidade de nós, nos próximos anos, vivermos em uma sociedade que viva em paz, muito embora seja o grande clamor nos dias atuais. Todos clamam por paz, por justiça, por mais igualdade e, sobretudo por segurança. Este último apelo cresce em proporções avassaladoras em consequência do aumento dos índices de violência em nossa sociedade.
É um tema que abastece a grande mídia nacional. Vejam que boa parte do tempo dos noticiosos, dos telejornais e de outras mídias é dedicado a anunciar fatos de conteúdos violentos e muitos com requinte de crueldades, inaceitáveis. Os anos passam, as reclamações se avolumam e parece que estamos imobilizados diante do avanço sistemático da violência entre nós.
A violência, sob qualquer ótica que a examinemos, nos conduz a considerá-la como um epifenômeno que tem suas raízes nas dimensões individuais e sociais, onde um grande número de fatores de diferentes matizes concorre para sua expressão final. Há uma corrente de pensadores e de estudiosos, entre os quais sociólogos, antropólogos, juristas, psiquiatras e outros tantos profissionais, que consideram a violência como uma espécie de “ponta de um iceberg”, onde os verdadeiros problemas estariam submersos e o comportamento violento seria o pano de fundo para não os vislumbrar. Isto é, a violência seria um sintoma que esconde a verdadeira doença a que estamos submetidos, e esta, por sua vez, expressaria as profundas contradições e desagregações tanto individuais quanto sociais da atualidade.
Por outro lado, há os que acreditam que devido ao alto grau da sua presença e dos graves problemas a ela relacionados, ela própria se tornaria fenomenologicamente “o problema” com identidade, autonomia e independência no contexto social. Portanto, a violência seria um fenômeno independente, com vida própria, não sendo um “sintoma” de algo que nos constrange, como vimos acima, mas ela, em si, seria a doença.
Há verdades em ambas as afirmações. Acredito que a presença da violência em uma sociedade reflete tanto uma coisa quanto a outra, isto é, sintoma e doenças caminham juntos, de tal forma que o melhor seria entendermos a violência como um fenômeno composto de ambos os argumentos. Ocorre que passa a ser tão comum e frequente a prática da violência, que se torna banalizada.
As pessoas só se dão conta de suas inseguranças e nada mais. O fato violento passa ser banal, comum e corriqueiro. As manifestações de indignação se dão de forma localizada e isolada, dissonante das medidas públicas que são utilizadas para seu enfrentamento. E como isto se daria? Através da criação de um ser humano violento, autor e vítima do próprio comportamento violento. Não somos violentos em nossa natureza, mas estamos nos transformando em seres violentos. E é este homem violento que produz, fabrica e cultiva a violência. É um novo ser que está sendo construído pela sociedade moderna, indiferente à dor e ao sofrimento do outro, um homem que a cada dia pratica a maldade com requintes de crueldade, um homem distante da ética, da bondade da crença, da fé, um homem que cultiva o desamor, arrogância, onipotência, ávido pelo poder, pela posse, sem solidariedade e sem humanidade, entre outras coisas. Posso afirmar que este homem contemporâneo expressa a própria violência em sua natureza, embora não o sejamos. A sociedade que se constrói reflete o que se passa por dentro de cada um.
A impressão que se tem é que cada um de nós vive como se fosse morrer amanhã e temos que fazer tudo de forma rápida e ao nosso modo. Matamos os outros como se não fizessem parte de nós, ou como se nós mesmos fôssemos nossos próprios inimigos. Destruímos as plantas, os animais, como se não fizessem parte de nosso universo, exortamos o ódio como se fosse um instrumento de defesa, não sabendo que o ódio destrói a quem o sente e não aos outros. O homem que está sendo construído está destruindo-se a si mesmo.
Esta é a matriz da violência. E tudo que venha a surgir com este colorido brotará daí. Não é o trânsito que mata, as drogas que destroem a humanidade, muito menos a injustiça que nos destrói, muito embora se saiba que cada um desses itens são sumamente importantes na avaliação da situação e tenha sua importância relativa, mas o essencial está dentro de cada um de nós, e o pior é que muitos não sabem nem para onde querem ir.