A maconha dita medicinal e suas incongruências
Um artigo importantíssimo, publicado no dia 18/12/22 no Jornal O Globo, por dois grandes psiquiatras brasileiros, o Dr Alexander Moreira-Almeida, com pós-doutorado na Duke University (EUA), e professor titular de psiquiatria na Universidade Federal de Juiz de Fora, e Antônio Geraldo da Silva, com doutorado na Universidade do Porto, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria- ABP e membro do comitê permanente de seções científicas da World Psychiatric Association, nos brindaram com esse artigo, atual, oportuno e esclarecedor sobre um assunto polêmico, complexo e abrangente que é a utilização da maconha na perspectiva medicinal e ausência de bases científicas para fazê-lo e por isso mesmo podendo gerar graves problemas na saúde mental.
O artigo trata de um tema que está na pauta do dia, dos noticiosos nacionais e internacionais e destaca o uso, a legalização e industrialização da maconha para múltiplas finalidades medicinais. O título do artigo é “Debate sobre maconha ignora pesquisas científicas” e informa que não existe evidência consistentes que justifique o uso de canabinoides para tratar qualquer transtorno mental.
O debate sobre a legalização do uso recreativo ou medicinal da maconha e de seus derivados é antigo, polêmico e envolve muitas “paixões e interesses políticos e financeiros, nos informa os autores do trabalho”. Os autores dizem ainda: “Impressiona quanto grande parte dos debates é pautada pela indústria da Cannabis ou por grupos de pressão, ignorando fatos oriundos de pesquisas científicas de qualidade e o posicionamento das principais associações médicas e científicas”.
O artigo, tornou-se mais rico ainda pelo fato de os autores terem apresentado um resumo das melhores pesquisas sobre maconha e saúde mental publicadas pelas principais revistas médicas do mundo (para ter acesso a estas pesquisas, acesse: www.abp.org.br/maconha). Segundo os mesmos, “o uso recreativo, segundo dezenas de estudos de alta qualidade, os usuários de maconha têm maior chance de desenvolver tentativas de suicídio (duas a seis vezes mais), depressão (37% a mais), psicose (duas a quatro vezes mais chances de esquizofrenia), pior qualidade de vida, dependência da maconha (16 vezes) e de outras drogas (sete vezes), mortalidade geral (100% de aumento), por overdose (três vezes mais) e por homicídio (três vezes).
Os autores dizem, ainda: “O uso também gera problemas cognitivos — atenção, motivação, memória, controle de impulsos e menor inteligência — e alterações nas estruturas cerebrais, que tornam três vezes menos provável a conclusão do ensino médio ou da faculdade, com mais chance de dependência de apoio financeiro dos pais ou do governo. Em todos esses efeitos, quanto maior o uso, maior o impacto deletério.
Sobre as Revisões sistemáticas das pesquisas, referidas no artigo, com um mínimo de qualidade sobre essa temática, concluíram que “não há evidência consistente que justifique o uso de canabinoides para qualquer transtorno mental (incluindo ansiedade, depressão, insônia, autismo etc.) e informaram ainda: A FDA, agência de saúde americana a qual se equivale a ANVISA no Brasil, “não aprovou o uso de Cannabis ou de seus derivados para qualquer quadro psiquiátrico, assim como desconhecemos importantes associações médicas que o tenham feito. Ao contrário, as Associações de Psiquiatria do Brasil e dos EUA publicaram recentemente posicionamentos afirmando que não há indicação como tratamento para nenhum transtorno mental”.
Os referidos autores deste importante artigo, garantem: as autorizações legais ou judiciais para o uso “medicinal” da Cannabis geralmente têm ocorrido por pressão de grupos, e não por causa de evidências ou solicitação de associações médicas. A pergunta é: por que o uso “medicinal” da maconha e de seus derivados deve ser feito sem os cuidados e pesquisas exigidos para quaisquer outros tratamentos?
Os autores ainda informam: “Sabe-se que os estados dos EUA que liberaram o uso “medicinal” da Cannabis tiveram aumento do uso recreativo e de dependência de Cannabis em comparação com os que não o autorizaram. A disseminação de seus alegados potenciais terapêuticos gera menor percepção de risco do uso da Cannabis, implicando maior consumo. Nos EUA, pela primeira vez, o uso de maconha ultrapassou o de tabaco”.
No artigo, duas outras substâncias de uso abusivo nos Estados Unidos, foram citadas à guisa de consubstanciar os argumentos sobre o uso da maconha. “Similar ao que se diz agora sobre a maconha, o uso de opioides e de tabaco também é milenar em contextos terapêuticos e espirituais. Eles foram industrializados e promovidos como inofensivos e terapêuticos. A disseminação de seu uso gerou bilhões em lucro e dezenas de milhões de mortes. A epidemia de opioides nos EUA — que, pela primeira vez, diminuiu a expectativa de vida naquele país — começou nos anos 1990 com seu uso terapêutico para dor crônica, ampla cobertura da mídia e marketing agressivo. Em 2020, mais de 68 mil morreram por overdose de opioides nos EUA (o equivalente à soma das mortes por homicídios e por acidentes de trânsito no Brasil).
Os autores, destacaram ainda, a corrida desenfreada da indústria do tabaco onde o fator relevante que está sendo o grande declínio da indústria do tabaco, acarretando a busca por novas fontes de renda, como a maconha. Esta, embora menos tóxica que o tabaco para o corpo, é muito mais danosa para a mente e o comportamento de seus usuários.
Os autores concluíram seu trabalho afirmando: Somos a favor de pesquisas de qualidade sobre os potenciais terapêuticos dos canabinoides, mas não é razoável apoiar a precipitação atual, com indicações amplas e sem avaliação de riscos e benefícios. O sofrimento e a morte gerados pela promoção irrefletida do tabaco e dos opioides deveriam ter nos ensinado mais rigor científico, maior preocupação humanitária, menos precipitação e paixões.
Como podemos perceber, o problema está posto. Realmente é um assunto abrangente, polêmico e complexo, onde muitos fatores exercem distintas pressões sobre esse assunto. Todavia, manifesto meu total acordo ao que foi posto no artigo referido, considerando, que do ponto de vista da saúde pública, o mais recomendável é que as drogas ao serem liberadas para o uso pela população, seja feito com rigor científico, através de trabalhos e pesquisas científicas que comprovem a utilização eficaz e segura de tais produtos e não por pressões de qualquer natureza ou por grupos que querem descer de goela a baixo uma substância como a maconha, de forma industrial ou “in natura”, em que há décadas já conhecemos de forma consistente, o mal que ela pode fazer a nossa saúde.