Maluquice, médico de doido, fulano é louco, essas são, entre tantas outras, expressões preconceituosas sobre as doenças e os doentes mentais. E, não é de hoje que isso ocorre, há séculos que convivemos com tais expressões pejorativas, as quais só trazem prejuízos para os próprios pacientes, para seus familiares, para os psiquiatras e para todos que lidam com esses enfermos.
Essas expressões escondem os tremendos preconceitos sociais que sempre houve e ainda há pairando sobre esses seguimentos de tal forma que o preço que se paga é enorme. Como todos sabem, preconceitos são práticas cruéis, massacrantes, utilizadas para discriminar, segregar alguém ou um grupamento de pessoas. É uma prática discriminatória e uma violência inominada, qualquer que seja a sua forma de expressão, pois todos eles segregam, geram intolerâncias, rejeições e repúdios.
As atitudes preconceituosas se manifestam de diferentes maneiras: por gestos, atitudes, palavra, na escrita, no olhar e na forma de agir, etc. Todas essas formas vão em um único sentido, qual seja, o de marginalizar, criar estereótipos sobre ao que ou a quem é dirigido. O resultado final na vigência de qualquer preconceito é produzir sentimentos de hostilidade, implicância e exclusão, por isso mesmo, afastam as pessoas do convívio pessoal, social ou familiar.
Os preconceitos, são evidenciadas nas relações humanas, pessoal e social os quais não permitirem que outros vejam os fatos como são. Para Aurélio, preconceitos são conceitos antecipados sem maiores ponderações ou conhecimentos dos fatos sobre os quais as pessoas são envolvidas. São ideias preconcebidas. Pode também ser considerado um julgamento ou opinião formada sem se levar em conta os fatos que os contestem. Para Voltaire (1694 – 1778), poeta, dramaturgo, historiador e filósofo iluminista francês, dizia “preconceito é opinião sem conhecimento”.
Por outro lado, por conceito, entendemos que é a representação do objeto pelo pensamento por meio de suas caraterísticas gerais. É a ação de formular uma ideia por meio de palavras, é definir, é caracterizar. O conceito nos aproxima daquilo sobre o qual estamos tratando e o preconceito nos afasta. Também consideramos conceito como sendo uma concepção, uma ideia ou a caracterização de algo ou alguém.
Nos dias atuais, os movimentos políticos, humanísticos, sociais, institucionais, jurídicos e culturais estão mais bem motivados para o enfrentamento dos preconceitos, em todos os sentidos. A luta é ferrenha para desnudar-nos dessas pechas preconceituosas, que não nos levam a quaisquer lugares ao mesmo tempo não colaboram para as boas práticas sociais e humanas. Por serem fenômenos históricos, os preconceitos estão incrustrados, psicológico e socialmente, em toda sociedade, por isso mesmo é muito difícil o seu enfrentamento.
Albert Einstein (1879 – 1955) físico e humanista alemão, autor da teoria da relatividade, e Prêmio Nobel de Física de 1921, reconhecendo as dificuldades de se demolir os preconceitos dizia: “Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”.
Há vários tipos de preconceitos: de gênero (sexismo), de cor (racismo), de idade (criança, idoso), intolerância religiosa, de nacionalidade (xenofobia), de condição social e econômica, de enfermidades (ex. doença mental), culturais e de tudo que diga respeito ao estar do homem no mundo. Em qualquer das situações, o legado principal é a opressão, a discriminação, estereotipagem, a segregação de pessoas ou grupos sociais vítimas dos mesmos. O processo de marginalização imposto pelos preconceitos é algo abominável e o sofrimento vivido por suas vítimas, é atroz.
Do ponto de vista médico, os preconceitos aplicados às doenças mentais, podem ser considerados os piores entre os que existem. Os doentes mentais foram atingidos, em cheio ao longo da história e os mesmos são seculares. As consequências foram enormes e ainda são até hoje, interferem, fortemente, nos tratamentos e na recuperação desses pacientes, nas relações sociais (exclusão), familiares, em políticas públicas, nas medidas de prevenção dessas doenças, na imagem social dos enfermos, em seus direitos civis e humanos, na acessibilidade a serviços médicos especializados e em tudo mais, que giram em torno a esses transtornos.
Paradoxalmente, nos últimos 30 anos avançou-se muito no manejo e entendimentos sobre essas doenças. Houve uma verdadeira revolução no pensamento psiquiátrico ou científico sobre essas doenças em diferentes aspectos, fato que ajudou muito no enfrentamento desses preconceitos. Hoje, sabe-se bastante sobre as bases fisiopatológicas das doenças mentais, fato que também aproximou a Psiquiatria das outras especialidades médicas, pois em todas essas doenças, indistintamente, apresentam: uma fisiopatologia (causa), um quadro clínico, uma evolução (curso), um diagnóstico, um prognóstico e um tratamento, sem qualquer distinção entre as mesmas.
O surgimento de modernos fármacos para o tratamento dessas enfermidades é outro avanço histórico na Psiquiatria moderna. Surgiram medicamentos, altamente eficazes no tratamento e na prevenção dessas doenças, possibilitando melhorias na recuperação e prevenção de recaída nesses enfermos. O aperfeiçoamento de técnicas em psicoterapia corresponde a outro aspecto, altamente evolutivo na prática médica e psicológica. São recursos, indispensáveis do ponto de vista terapêutico, que associados às boas práticas medicas, auxiliam milhares de enfermos no manejo de seus problemas emocionais e psiquiátricos.
Devido a todos esses avanços, aperfeiçoaram-se os critérios diagnósticos dessas enfermidades, tornando-os mais fidedignos e seguros. Todos esses avanços tem favorecido o enfrentamento dos preconceitos em Psiquiatria e em saúde mental.
Temos no Brasil, uma das mais importantes campanhas contra os preconceitos aos portadores de transtornos e deficiências mentais, qual seja a PSICOFOBIA. Ela foi implementada pela Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, em 2014. Hoje, a Psicofobia, internacionalizou-se e já existe uma legislação federal que criminaliza qualquer prática preconceituosa contra esses enfermos. É preciso que o cidadão, os familiares, os próprios doentes mentais, a classe médica e todos os profissionais da área, colaborem para assegurar melhores condições de assistência a esses enfermos.