É bem verdade que os prejuízos, os danos, as perdas e o sofrimento impostos pela pandemia que estamos passando, associados às apreensões, medos, inseguranças e angustias impõem-nos expectativas ruins e sombrias, que nos tocam profundamente, nos causando uma onda de terror, sofrimento e muita dor. Todos os fatos compõem um cenário de perdas irreparáveis, especialmente as mortes de pessoas queridas, parentes, amigos, colegas e de muitas outras vítimas dessa pandemia.
Nas pandemias, o evento morte é algo previsível e esperado, porém nesse particular ele se reveste de características e particularidades especiais, sendo que todas as medidas utilizadas para o enfrentamento da situação pandêmica têm o objetivo fundamental de reduzir, ao máximo, todas essas ocorrências. Contrariamente a outras situações, em que morrer é uma situação revestida de cerimônias de muita religiosidade, fé e solidariedade, na pandemia torna-se mais constrangedora e mais sofrida, pois as recomendações sanitárias nos impedem de realizar cerimônias religiosas, de zelar e velar nossos mortos. O tempo de sepultamento, o velório, a cerimônia de despedida dos mortos, a missa de corpo presente, nada disso pode ser realizado em sua plenitude.
Além da própria dor e do sofrimento serem enormes para alguém que perde um amigo, um parente ou mesmo um desconhecido, não se pode usufruir do conforto afetivo, emocional, como um abraço apertado e afetuoso, um beijo, um cumprimento, mesmo vindo de desconhecidos. As lágrimas de alguém que nos confortam ou uma palavra de carinho e de amor, baixinho em nosso ouvido, hoje , nada disso podemos ter.
Por isso, o evento morte em épocas da pandemia deixa-nos mais tristes e mais inconformados. A situação é bem pior ao considerarmos o grau de parentesco entre os que ficam e os que morrem. Pai, mãe, avós, tios, sobrinhos, enteados, etc. A dor é imensa, insuportável e para muitos, inaceitável.
Outro aspecto relevante é o compromisso e a responsabilidade, pessoal e social, de todos nós ante a pandemia. Desde o dia 13 março deste ano, quando o situação viral, foi considerada pandêmica pela OMS e não somente uma situação de emergência em saúde, deflagrou-se no mundo, uma convocação global para adotarmos as medidas de isolamento ou afastamento social, isso é, que viéssemos a restringir, ao máximo, as relações sociais com a intenção óbvia de evitarmos aglomerações entre pessoas e isso, fatalmente, impediria o alastramento do novo corona vírus.
Outras medidas de reforço foram sendo recomendadas, ao longo do tempo e de forma localizada, como, por exemplo, o “lockdown”, aplicado nas cidades tentando, realmente impedir a disseminação do vírus, através das restrições radicais de convívio social. Em outros países, que adotaram ou não tais recomendações, o impacto foi visível para controlar ou não controlar a situação da pandemia.
Em nosso país, apesar do esforço adotado, sobretudo pelo poder público, nunca se alcançaram efetivamente, do ponto de vista comunitário ou social, níveis satisfatórios de restrições sociais suficientes para que houvesse um impacto positivo na disseminação do novo corona vírus. Devido a isso, estamos, até o presente momento, pagando um preço caro em nosso país e em nosso estado. Os números de mortos e contaminados por Covid-19, nacionalmente, atingiram essa semana a casa dos 41 mil mortos e mais de 805 mil pessoas contaminadas. No Maranhão, mais de 1300 pessoas já faleceram por essa doença e a contaminação já tingiu 54 mil pessoas.
De fato, considerando-se as condições etnográfica do povo brasileiro, e especificamente, as condições econômicas, a diversidade sociocultural, as condições de pobreza da população, da falta de saneamento básico ( água e esgoto), o subemprego, os índices elevados de desemprego, o volume elevado de empregos informais, o nível educacional, intelectual e cultura da população, os problemas pessoais e o descompromisso social, explicar-se-ia, em grande parte, a situação trágica que estamos passando no momento apontando para um cenário bastante insatisfatório, complicado da saúde da população brasileira e maranhense, em particular.
Como se já não bastassem todos esses problemas, verificados em uma população já bastante afetada, em todos os sentidos, passa-se a executar, de forma apressada, equivocada, extemporânea e quiçá irresponsável, a famigerada flexibilização das atividades econômicas e sociais, como mais uma estratégia de enfrentamento desse problema.
A impressão que se tem é que os proponentes da flexibilização desconsideraram, formalmente, a situação da curva epidemiológica da virulência, a qual encontra-se em ascendência. Desconsideram a precarização e insuficiência do sistema de saúde pública e privada, quanto à atenção dos enfermos. Desconsideraram, sobretudo, a real possiblidade de uma nova infecção pelo novo corona vírus, em decorrência dessa abertura. E, por fim, desconsideram os estudos e opinião dos especialistas, entre os quais, epidemiologistas, infectologistas, intensivistas e muitas outras autoridades sanitárias no mundo, sobre o assunto. O fato é que essas medidas não tiveram força suficiente para aglutinar a população em seu entorno. Temos a sensação de amadorismos e improvisações que sugerem empirismos, pois são ações destituídas de evidências científicas e epidemiológicas.
Evidentemente que não iremos cometer nenhuma injustiça, atribuindo, tão somente, a essa flexibilização, toda tragédia verificada na pandemia, pois sabe-se que existem outros fatores, também relevantes, os quais colaboram para o agravamento dessas situações. Por exemplo: a inadequada, criminosa e absurda politização da situação do enfrentamento da pandemia no plano nacional, local ou regional; a corrupção desvairada que já começa a aparecer nos meios de comunicação; a fragilidade institucional em todos os níveis da gestão pública desse problema (gestores despreparados, que não ouvem os especialistas e por conta própria); o insuficiente aporte de recursos materiais, financeiros e de insumos e equipamentos para estados e municípios para o enfrentamento a situação; são, entre outros, fatores relevantes que complicam mais ainda o manejo desse problema.
Também há o maciço desengajamento da população ante o problema, especialmente em um momento em que mais se precisa dela. A negligência social de muitos, a irresponsabilidade civil de outros, além dos problemas pessoais e psicológicos de cada um, são também fatores, ao meu ver, relevantes, que compõem o tabuleiro de situações que estão às voltas com esse cenário trágico e complicado da saúde e da vida do planeta.