A cada dia reacendem os debates sobre o uso de maconha, no Brasil e no mundo. Motivos para isso é o que não faltam. Os debates são tão acirrados que podemos dizer que se vive em uma grande encruzilhada, entre os que são favoráveis ao uso e comercialização da maconha e os que são contrários à tudo isso. A legalização recente de algumas substâncias da maconha, para finalidades terapêuticas, passou a ser um marco histórico nesse debate. A disponibilidade dessas substâncias, tais como o canabidiol e o Delta-9 tetra hidrocanabinol (Delta- 9 – THC), legitimam esse feito. Para aquecer mais ainda essa situação outras atividades industriais que tem como matéria prima a maconha, entram em cena, fazendo imensa pressão nos estados e países, para promoverem a exploração comercial dessa planta.
Entre essas atividades industriais, destacamos a farmacêutica, a dos alimentos, a de roupas e cordoarias, a de beleza e cosméticos, a de combustíveis e por último a indústria tabaqueira. Todas essas industrias, estão ávidas, saltitantes e muito interessadas na famigerada liberação da maconha para poderem legalmente explorarem-na em suas atividades comerciais. A maconha passou a ser vista com o os “ovos de ouro” dessas indústrias.
Por outro lado, há outros interesses, provavelmente das mesmas indústrias, as quais vêm fazendo enorme pressão para que muitos países promovam a legalização de seu uso para finalidades recreativas, a pretexto, sobretudo, de possibilitar e assegurar o acesso livre dos usuários a erva, sob o suposto controle do estado. Ambas as situações tanto a utilização para fins medicinais e industriais, quando para fins recreativos, definem as duas formas distintas de se utilizarem a maconha, por distintos interesses econômicos, empresariais e sociais.
Uma terceira via, dessa discussão, muito importante, são os estudos de pesquisa clínica e neurocientíficas, que vem sendo realizado em muitas universidades nacionais e internacionais de notoriedade científica sobre o uso da maconha e o impacto desse uso sobre nossa saúde mental, especialmente, entre adolescentes. Grande parte desses estudos apontam para o fato do uso de maconha determinar problemas psiquiátricos, especialmente se o uso ocorre entre a população de jovens.
Um estudo recente, conduzido por pesquisadores da McGill University, no Canadá, publicado pelo JAMA Psychiatry, uma das maiores revistas de psiquiatria do mundo, demonstrou o impacto do uso à longo prazo do uso de maconha. O estudo foi realizado com 23 mil adolescentes. Os resultados foram surpreendentes e reveladores: adolescentes usuários de maconha (em comparação com adolescentes não usuários) tiveram risco de 37% maior de chances de desenvolverem depressão na idade adulta, um risco de 50% de chance de apresentarem maior ideação suicida na idade adulta e um rico risco de tentativa de suicídio triplicado na vida adulta.
Para os autores “a alta prevalência de adolescentes consumindo cannabis gera um grande número de adultos jovens que podem desenvolver depressão e comportamento suicida atribuíveis à cannabis. Este é um importante problema de saúde pública, que deve ser adequadamente abordado pelas políticas de saúde pública”. Enfatizam, ainda que as políticas de prevenção devem “educar os adolescentes a desenvolver habilidades para resistirem à pressão do grupo para usarem drogas”.
Outros estudos, nessa mesma linha, demonstram que adolescentes ao se exporem ao uso de maconha têm 25% de chance de desenvolverem esquizofrenia que adolescentes não usuários.
A maconha contém em suas folhas e flores uma resina com cerca de 60 componentes denominados canabinóides. Entre esses o principal componente é o Δ9-tetrahidrocanabinol (THC). O THC que chega facilmente ao cérebro onde funcionará em locais específicos, isto é, nos receptores próprios do THC.
Usuários crônicos de maconha apresentam déficits cognitivos graves. Alterações eletroencefalográficas, também observadas entre usuários crônicos reforçam a hipótese de que a maconha pode produzir neurotoxicidade. As alterações neuropsicológicas mais consistentemente descritas em usuários crônicos de maconha são déficits em tarefas psicomotoras, atenção e memória de curto prazo. A situação é tão importante e significativa que o DSM-5 colocou a maconha entre as substâncias causadoras de dependência, fato que não havia até então ocorrido.
No cérebro, as áreas preferenciais de ação dos canabinóides são: hipocampo, córtex pré-frontal, gânglios da base e cerebelo. Todas essas áreas, alteradas pela ação da maconha, promoverão mudanças afetivas, emocionais, cognitivas e comportamentais específicas. Na intoxicação aguda por maconha ocorre sedação, prejuízos cognitivos que envolvem dificuldade de consolidação de memória de curto prazo, alteração na avaliação do tempo, prejuízo nas funções executivas, alterações da senso percepção e alterações na coordenação. Portanto, a maior parte destes sintomas são devidos à ação do THC nesses receptores cerebrais.
Os dados demonstram que os danos psiquiátricos e comportamentais constatados pelo uso de maconha são enormes e todos são atribuídos diretamente a ação dessas drogas no cérebro. Especialmente, se utilizadas em épocas muito precoce da vida, tais como na infância e na adolescência.
Dados do II LENAD/2012 mostram que na população adulta brasileira, 5,8% declarou já ter usado maconha alguma vez na vida – ou seja, 7,8 milhões de brasileiros adultos já usaram maconha pelo menos uma vez na vida. Entre os adolescentes, esse número é de 597 mil indivíduos (4,3%) dentre os mais de 14 milhões de adolescentes brasileiros. Analisando o consumo de maconha nos últimos 12 meses (anteriores a pesquisa), 2,5% dos brasileiros adultos declaram ter usado e 3,4% dos adolescentes – representando, portanto, mais de 3 milhões de adultos e 478 mil adolescentes em todo país.
A partir desses dados, imaginem o impacto disso, nessa população jovem do nosso pais. Faço minhas as palavras dos pesquisadores do JAMA, citado acima: ““educar os adolescentes a desenvolver habilidades para resistirem à pressão do grupo para usarem drogas”, deve ser nossa meta. Acrescentaria, ainda: são necessárias políticas públicas mais consistentes para ajudar esses milhões de jovens a levarem uma vida mais saudável.
Uma visão abrangente e muito atual da questão médico social desse tema polêmico. Parabéns Dr. Ruy Palhano.
Obrigado Fausto Reis pelo comentário. Obrigado e bom fim de semana.