Avanços e Retrocessos em Psiquiatria

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Avanços e Retrocessos em Psiquiatria

As doenças mentais, inexoravelmente, caminham para uma cronificação e essa evolução é da natureza desses transtornos. Ocorre, que essa evolução não é prorrogativa única das doenças psiquiátricas, pois, a maioria absoluta das doenças humanas, evoluem também nesse sentido. Vejam-se as doenças metabólicas, autoimunes, cardiovasculares, renais, hepáticas, endócrinas, reumatológicas e assim por diante.

Particularmente, o tratamento das doenças mentais, desde seus primórdios até aos dias atuais, evoluiu muito, ao ponto de muitas dessas enfermidades hoje já não representarem grandes ameaças, mesmo sabendo-se que elas poderão caminhar para o “status de doença crônica”.

Essa evolução terapêutica é atribuída, entre ouras coisas, aos modernos conhecimentos sobre a fisiopatologia, neuroquímica e genética das grandes síndromes psiquiátricas, entre essas as depressões, a esquizofrenia, os transtornos de ansiedade, as dependências químicas, as demências entre outras. É também atribuída ao advento de modernas técnicas diagnósticas que favorecem o diagnóstico precoce dessas doenças e ao descobrimentos de modernos psicofármacos, moléculas capazes de mudarem drasticamente  a clínica e o curso natural dessas enfermidades. Por último, atribui-se esse crescimento ao surgimento de modernos aparelhos que promovem neuromodulação do funcionamento do Sistema Nevoso Central, sede material das doenças mentais.

Muitas pessoas poderiam tornar-se incapazes e improdutivas do ponto de vista laboral e social, caso não lhes fosse oferecida a possibilidade de um bom tratamento em Psiquiatria. Quando isso ocorre, a vida da pessoa portadora de uma dessas doenças pode mudar inteiramente.

Ocorre que, apesar de toda evolução até então empreendida nessa especialidade médica, há ainda fatores que contribuem negativamente quanto ao manejo dessas enfermidades mentais. O principal deles, sem qualquer dúvida, é preconceito/estigma que ainda existe em torno dessas doenças.

Esses são enormes, desumanos, segregadores e marginalizantes e representam tudo que não presta em desfavor dos enfermos, dos seus familiares e dos que transitam em seu entorno. Hoje, a nossa maior arma de contestação são os conhecimentos modernos da Psiquiatria, que nos permitem entender que as doenças mentais são doenças como outras quaisquer, respeitando, certamente, as particularidades clínicas, pessoais e socioculturais que há em cada uma delas.

A enfermidade mental, como as outras, dispõe de uma fisiopatologia, isto é, um mecanismo que explica a forma como a doença ocorre, tem um curso natural, uma evolução, é absolutamente tratável e muitas delas curáveis ou controladas clinicamente, tendo um prognóstico que pode ser favorável ou desfavorável, e são preveníveis e evitáveis. Além disso, sofrem também influências diretas das condições sociais, políticas e econômicas, como o que ocorre em todas as doenças humanas.

A doença mental não tem nada de sobrenatural, de divino, muito menos de diabólico. Essas crenças e pechas sobre elas são seculares e provêm de época onde imperava o obscurantismo no pensamento psiquiátrico, épocas, em que não se sabia nada comparativamente ao que se sabe hoje, sobre essas enfermidades. Hoje, a Psiquiatria moderna, se inspira na evolução do conhecimento neurocientífico. O que se discute atualmente é a neurobioquímica, a genética, a imunologia e a neurofisiologia das doenças mentais à luz da neurociência e da farmacologia clínica. Hoje, o que se discute, é a implantação de Deep Brain Stimulation – DBS no cérebro dos humanos para se controlar muitas doenças mentais e neurológicas que anteriormente eram verdadeiros desafios a ciência comportamental.

Modernamente, para os diagnósticos em Psiquiatria, utilizam-se instrumentos de última geração como a Tomografia por Emissão de Pósitrons e a Ressonância Magnética Funcional. Acabou-se, definitivamente, o “achismo”, comum no período obscuro e mágico da prática psiquiátrica, onde a bruxaria predominava ou onde os doentes mentais eram sacrificados por serem considerados possuidores de forças sobrenaturais.

A psicofarmacologia atual dispõe de um volume grande de medicamentos altamente eficazes, que se bem aplicados e em um tempo correto, são capazes de impedir que alguém se mate ou mesmo que mate alguém. Pode prevenir o reaparecimento de sintomas de uma doença crônica, ou ainda evitar que o um paciente leve uma vida sem qualidade ou ter que passar a vida inteira internado em um hospital psiquiátrico, devido aos altos e baixos de sua doença, impedindo-os de levarem uma vida feliz e estável.

Outros tratamentos na atualidade usam técnicas sofisticadas como a Estimulação Magnética Transcraniana – EMTs, procedimento que através de equipamento especializado, gera uma corrente eletromagnética, que por sua vez, estimula o cérebro funcionar melhor, representa atualmente um recurso fabuloso no tratamento de depressões resistentes (crônicas) e depressões refratarias, as quais, não respondem a nenhum tratamento medicamentoso. EMTs é uma técnica não invasiva, indolor e altamente eficaz no tratamento dessas condições citadas acima, podendo inclusive ser aplicada em outras condições clínicas.

A aplicação da moderníssima Eleroconvulsoterapia – ECT, através de aparelhos modernos, altamente eficazes, que monitoram todo o curso e evolução do tratamento proposto aos enfermos. Também indicado para depressões com algo risco de suicídio, refratárias e resistentes.

Enfim, os tempos mudaram, acabaram-se as bruxas e as bruxarias. A doença mental não é mais um bicho de sete cabeças que nos assustava e sobre as quais poderíamos fazer muito pouco. Hoje, já sabemos bastante sobre elas e as perspectivas são cada vez melhores para os próximos anos. É o futuro chegando mais próximos de nós, onde muitas outras coisas ainda mais importantes surgirão, porém, enquanto esse futuro não chega, devemos fazer uma cruzada geral para destruir definitivamente os piores inimigos da doença mental, a ignorância científica e os preconceitos.

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Mulheres, não bebam se estiverem grávidas!  

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Não é de hoje que o mundo todo chama nossa atenção para uma questão sumamente importante, qual seja, o uso de bebida alcoólica no período de gravidez. Há muito tempo que sabemos, também, que os danos à saúde do bebê e das suas mamães são enormes quando ambos se expõem ao uso dessas bebidas.

Mãe e filho (a) estão visceralmente ligados através da placenta e permanecerão assim por longo tempo, de tal forma que tudo que ocorra com ela em matéria de ingesta de alimentos, álcool ou outras substâncias, passará também para o corpo dessas crianças. Outra coisa importante, quanto ao uso do álcool, é que não há um uso considerado “seguro” que garanta a inocuidade em seres na vida intrauterina, independentemente, inclusive, da quantidade de álcool consumido, pois vários fatores podem interferir no metabolismo, mecanismo de ação e excreção dessa substância no corpo da mãe e do feto, especialmente nos três primeiros meses de gestação. A própria ingestão de bebidas deixa a gestação em situação perigosa, arriscada e com muitas possibilidades de inviabilizá-la. Quanto mais pesado for esse do consumo, piores serão as consequências.

Microcefalia, alterações faciais, renais, cardiopatias, retardo mental, dificuldades na aprendizagem, hiperatividade, deficit de atenção, alterações na psicomotricidade, na cognição e na adaptação psicossocial, podem ser consequências diretas do consumo do álcool, pelo feto, através da ingesta dessa bebida pela mãe.

Além dessas alterações, acrescenta-se o abortamento, natimortos e o principal transtorno, a Síndrome Alcoólico Fetal, conhecida pela sigla SAF. Essa não tem cura e as consequências para acriança são avassaladoras e para o resto da vida. Muitas crianças com SAF morrem antes de completar cinco anos devido a precariedade de seu nascimento, desenvolvimento e das suas defesas naturais.

Todos os órgãos e sistemas biológicos da mãe e do bebê são afetados pela ação do álcool etílico, principalmente o cérebro da criança pois está em processo de desenvolvimento. O cérebro é um órgão ultra complexo que comanda nossa vida. É um órgão nobre e um dos mais importantes dos seres humanos, sendo nele que age o álcool etílico. Ao ser afetado pode provocar graves transtornos neuropsiquiátricos e comportamentais.

O cérebro desempenha um papel preponderante em todas as atividades do corpo, das emoções, da cognição e do comportamento. É tão importante que na ausência de sua atividade define-se a morte clínica. A maturação do cérebro, desde o nascimento até idades posteriores, é mantida por um volume de mais de 100 bilhões de células nervosas, sendo que ao longo dos dois primeiros anos de vida com o crescimento contínuo do volume do cérebro, constitui-se um período de grande vulnerabilidade.

O cérebro em distintas fases do seu desenvolvimento sofre a influências de muitos fatores: estresse agudo e crônico, uso de álcool, tabaco e de outras drogas, traumas psicológicos e emocionais, problemas psiquiátricos, privações econômicas, desnutrição e muitas outras situações negativas, as quais podem interferir com sua funcionalidade.

A neuroplasticidade, capacidade de mudança e reorganização dos neurônios ocorre de acordo com mudanças ambientais, experimentais, sociais, físicas e lesões graves do cérebro, é o que nos garantirá a adaptação psicossocial e comportamental, por conseguinte, a presença do álcool nessas condições fatalmente afetará de forma negativa a saúde mental e o desenvolvimento psicomotor dessa criança. Outros fatores, como: som, tato, visão, olfato, comida, pensamentos, traumatismos e doenças sistêmicas e locais, bem, podem interferir também em sua funcionalidade.

A Sociedade Brasileira de Pediatria de São Paulo SBPP, esse ano, lançou uma campanha, de abrangência nacional, denominada “Gravidez sem álcool”, justamente, para reforçar o cuidado que deveremos ter com mulheres que bebem nessas condições de gravidez.  Ainda nesse ano, a Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro – SOPERJ reedita a campanha, juntamente com outras sociedades de especialidades médicas, como a de Ginecologia e Obstetrícia, com o mesmo propósito.

Os danos à saúde do bebê e das parturientes quando expostos ao álcool são por demais graves e conhecidos. Só para se ter uma ideia, em uma hora de ingestão, a taxa de álcool no corpo da mãe será a mesma da criança. A diferença é que a mãe bebe pela boca e a criança irá beber por uma veia. O álcool etílico é o responsável número 1 para casos de Retardo Mental e Teratogenias no mundo ocidental (deformidades e alterações graves no feto).

Uma das síndromes mais graves, ocasionada pela exposição do feto ao álcool, como já dissemos acima, é a Síndrome Alcoólico Fetal – SAF, que foi identificada pelo pediatra e pesquisador francês Lemoine, em 1968. Na França, ela atinge mais de 8 mil recém-nascidos/ano. No Brasil, cerca de 50 mil bebês/ano são vítimas da (SAF). No mundo, anualmente, este número chega a um milhão.

Diante do exposto, fica a pergunta: será que essas mães gestantes sabem claramente que ao beberem estão expondo seus bebês e a sua própria vida em situação de alto risco?

Será que os Gestores da Saúde, os Coordenadores de Programas Pré-natais ou de Aleitamento Materno, Diretores de Hospitais Materno – Infantis, de Ginecologia e Obstetrícia, não poderiam propor ações mais concretas para o enfrentamento desses problemas? Será que o Ministério da Saúde (MS) não poderia tornar a SAF sob notificação compulsória, para mostrar sua realidade em nosso país e nos ajudar a enfrentá-la? Será que as Universidades, que formam esses profissionais, não poderiam participar dessa luta e tratar esse tema com maior rigor nos diferentes cursos de formação em saúde?

Eis o grande mérito dos Pediatras, Ginecologistas e Obstetras de São Paulo, e suas Entidades Profissionais, ao proporem um evento com tamanha envergadura, alertando mães, autoridades, crianças e adolescentes sobre todos esses riscos do consumo de álcool durante a gravidez. A iniciativa fez parte da Semana de Combate e Prevenção à Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), promovida pela SPSP, Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP) e pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Parabéns, aos colegas, fica aqui o recado!

 

 

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Os vícios da vida moderna

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Os vícios da vida moderna

O termo vício segrega, marginaliza e não define essencialmente o sentido para o qual é aplicado, muito embora ainda seja muito utilizado em diferentes sentidos e ocasiões. É um termo preconceituoso e excludente do ponto de vista pessoal e social. Em Dicionário Etimológico Nova Fronteira, do Latim, “vitiun”, significa “defeito grave que torna uma pessoa inadequada para certos fins ou funções”. O viciado se inclina para o mal e é considerado desagregado, descontrolado e sua conduta é desaprovada e condenável, sendo ainda considerado por alguns um “devasso licencioso”.

À luz da Psiquiatria moderna, o termo está em desuso e quando ainda se aplica relaciona-se aos indivíduos com maus hábitos, em especial para usuários de álcool, tabaco e outras drogas. Sobre esses usuários, ainda hoje predomina uma visão moralista sobre o assunto, por isso mesmo eram pessoas, injustamente, alijadas do convívio social. Modernamente, a designação de “viciado” foi substituída por “usuário disfuncional ou dependente”.

Com o avanço científico e tecnológico, marca indelével da vida moderna, vem surgindo diferentes comportamentos humanos, que do ponto de vista pessoal e social, não são muito diferentes dos que existiam antes do desenvolvimento destas tecnologias. Alguns dos comportamentos da modernidade e da pós-modernidade são bem parecidos aos comportamentos dos “antigos viciados em drogas”. A grande diferença é que no lugar das drogas de abuso, estão presentes os modernos equipamentos tecnológicos desta nova sociedade tecnocrática. Esses “vícios modernos”, produzidos pela era digital e tecnológica, e muitos outros comportamentos originados das modernas tecnologias, passaram a ser denominados “vícios eletrônicos”.

Capitaneando todas estas inovações e redefinido novos paradigmas nas relações humanas, está a internet, um recurso fabuloso inventado pelo homem moderno a partir da grande teia de computadores que está transformando o mundo real em um mundo virtual e o homem em um Cyberman. A internet o deixou menos singular e mais global, menos local e mais telúrico, menos material e mais virtual, mais cético e menos crítico, mais lógico e menos sensível.

Entre os filhotes dessas tecnologias modernas estão os tabletes, os smartphones, as redes sociais, os computadores modernos, as TVs inteligentes e interativas e muitos outros aparelhos eletrônicos, fabulosos, que conquistaram o homem moderno, definitivamente. Esses compõem a tecnologia digital contemporânea, os quais nos dão tudo que precisamos para viver com o menor esforço possível, o que nos agrada muito.

Os brinquedos e jogos eletrônicos, o ensino, o conhecimento, o lazer, o trabalho tornaram-se mais simples e fáceis, efetivamente ao nosso alcance. Os avanços prosseguem e a todo instante nos surpreendemos com tantas novidades, descomplicando a vida.  Houve tanta mudança nessa área que hoje namora-se, noiva-se, casa-se, viaja-se, forma-se, estuda-se, sem sair de casa ou do local onde se está.

As filhotas da internet são as redes sociais. O Brasil detém o terceiro lugar no ranking internacional de acessos às redes sociais, especialmente Faceboock, Instagran, Tweter e Linked-in. Talvez não haja algo mais sedutor e prazeroso do que você falar com todo mundo sem abrir a boca, cumprimentar a todos sem estender as mãos, tornar-se visível ao mundo com um selfie, ir a todos os lugares sem sair de casa.  Amar ou se apaixonar por alguém sem sentir seu cheiro, seu corpo ou sua voz. Seguir ou ser seguido por milhares de pessoas sem conhecê-las, sem apertar suas mãos, ou abraçá-las. De trabalhar, produzir e ganhar dinheiro sem sair de casa. E todos esses comportamentos carregados de muito prazer e contentamento. Que coisa fabulosa! Diante de tudo isso, o que mais queremos para o futuro?

Todos esses ganhos e benefícios fizeram com que os incautos e exagerados fossem “fundo ao pote”. Mergulharam de cabeça, profundamente, neste mundo virtual, maravilhoso e mágico e perderam os limites. Ficaram doentes e adoeceram suas famílias. Esta é a mais nova categoria de doentes mentais que se insurge nos tempos modernos, produzidos pela era eletrônica, ou seja, os dependentes em eletrônicos.

O perfil epidemiológico dessas pessoas, dependentes de redes sociais, smartphones, tabletes, WhatsApp, e outros meios e equipamentos tecnológicos, está sendo construído, acredito que em um futuro próximo se possa saber melhor psicopatologicamente quem são esses “viciados em tecnologias”. Por enquanto, de oficial, somente os dependentes de jogos eletrônicos estão incluídos na nosologia psiquiátrica pela Organização Mundial da Saúde – OMS. São enfermos tão graves quanto os dependentes de álcool e de outras drogas, pois se revelam de forma sutil, progressiva e insidiosamente e vão evoluindo lentamente. Quando menos se espera, já apresentam distúrbios comportamentais, emocionais, afetivos e relacionais graves, acompanhados de desadaptação psicossocial, ocasionados pelo apego disfuncional aos eletrônicos e redes sociais.

Para agravar mais ainda essa situação, a “enfermidade eletrônica” revela-se não somente pelo apego doentio a esses sistemas, apresentam também profunda solidão, não conseguem viver sem esses equipamentos ou redes sociais, referem ansiedade e desprazer. Ao não ter acesso aos mesmos, isolam-se de todos, passam mal, tornam-se desadaptados, abandonam outras atividades que lhes são importantes, desrealizam-se, apresentam medos na convivência, tornam-se desconfiados, inseguros e depressivos. Esses, são alguns dos atributos psicopatológicas encontrados nessas personalidades.

Do ponto de vista médico, o diagnóstico e o tratamento desses enfermos se constituirá como um dos mais importantes desafios para a Psiquiatria moderna, para a Psicologia e para a saúde mental, pois o número deles é cada vez maior e os danos à saúde mental e social são avassaladores.

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