É melhor prevenir do que remediar.

É uma frase antiga, mas cheia de sentido. As medidas de prevenção em diversas áreas da atividade humana, sempre foram bem consideradas, devido sua importância na vida das pessoas. Ocorre que na prática, poucas iniciativas nesse sentido, são de fato efetivadas e, em nosso meio e em nossa cultura, a pratica de evitar que algo aconteça conosco é muito pouco incentivada e praticada. Haja vista o velho chavão conhecido por todos, “o brasileiro só fecha a porta depois que é assaltado”. Essa é a realidade. Prevenir é importante, mas é pouco valorizado. É uma atividade antecipatória, evitável, são medidas que impedem que algo ocorra e, dependendo do que se preveni os ganhos são incomensuráveis para uma a vida de uma pessoa ou de uma sociedade.
Se aplicado á saúde, a prevenção representa uma ferramenta imprescindível e indispensável para se lidar com inúmeros agravos. A maioria absoluta das doenças humanas pode ser evitada, especialmente as de evolução crônica, pois através de medidas preventivas se impede seu surgimento, sua evolução ou se reabilita as pessoas afetadas por esses agravos.
Em medicina, a própria formação desses profissionais a ênfase é dada prioritariamente no sentido de se tratar os eventos médicos e muito pouco se ensina ou se dá ênfase ás medidas de prevenção na formação dos mesmos. Na realidade, não é que não seja importante o médico saber tratar seus doentes, muito pelo contrário, é o que mais se quer e o que mais se deseja em medicina, ocorre que na prática médica e conhecendo a natureza dos diferentes agravos á saúde como se conhece hoje, o tratamento da doença não deveria ser o único enfoque em nossas práticas. Entendo que a prevenção deveria, quiçá, ser bem mais realçada ao longo do próprio currículo de formação desse profissional para ser aplicada em qualquer situação onde haja a necessidade de sua atuação.
Em psiquiatria particularmente, essa prática não foge á regra. O psiquiatra é formado para tratar e, muito pouco, para prevenir. A prática psiquiátrica é sempre uma prática curativa. Até aí tudo bem, mas, e as medidas preventivas que deveriam ser aplicadas para evitar que esses enfermos adoeçam, onde estão? Por essa e por muitas outras razões é que o paradigma de só tratar, está em cheque.
Está havendo um movimento progressivo no mundo científico no sentido de se mudar essa prática, aperfeiçoando sistematicamente os tratamentos já existentes em psiquiatria. Primeiro, através da busca incessante de fármacos cada vez mais eficazes e com menos efeitos colaterais para o tratamento desses doentes. Segundo, através do aperfeiçoamento de procedimentos físicos, não invasivos cerebrais, para garantir respostas mais rápidas e duradouras ao tratamento. Terceiro, aperfeiçoando as práticas existentes psicossociais reabilitadoras no sentido de uma maior recuperação e reabilitação desses enfermos. E, por último, estabelecendo novas estratégias psicoterapêuticas através de técnicas de vanguarda que auxiliem esses pacientes a não recaírem. Esse conjunto de medidas, em bloco, está mudando o cenário da assistência psiquiátrica no mundo.
Sabe-se hoje, que a absoluta maioria das doenças mentais tende a reaparecer mesmo depois de um bom tratamento médico. Isto é, as doenças mentais são recidivantes e isso, faz parte de sua natureza e sobre isso, a ciência atual muito pouco pode fazer. Doenças como a esquizofrenia, depressões, transtorno afetivo bipolar, transtornos de ansiedade, dependência química e, muitas outras, recidivam, embora adequadamente tratados em suas fases iniciais, tendem a reaparecer ao longo da vida dessas pessoas.
Veja o que ocorre com a depressão. Organização Mundial de Saúde – OMS estima que até 2020 a depressão seja a principal causa de incapacitação em todo o mundo de tal forma que muitas pessoas se tornarão incapazes e improdutivas do ponto de vista do seu trabalho e da sua vida social e boa parte dessa alta prevalência de depressão são de enfermos que não realizaram tratamento preventivo mesmo depois de terem tratados das crises. Há atualmente, mais de 350 milhões de pessoas que sofrem de depressão no mundo. No Brasil, estima-se que existam mais de 17 milhões dessas pessoas. Cerca de 850 mil morrem, por ano, em decorrência de suicídio, que tem como base a depressão, mesmo assim, damos muito pouca ênfase na aplicação de medidas de prevenção dessa doença. Além disso, a OMS, afirma ainda, que 45% das recaídas em depressivos é atribuída a interrupção inadequada do uso, ao mau uso, ao desuso precoce, ou ao uso inadequado desses medicamentos indicados para seu tratamento. Imaginem o que poderíamos evitar quanto ao sofrimento, aos danos sociais, aos gastos financeiros e de muitos outros danos á pessoa e a sociedade, se impedíssemos que tanta gente voltasse a adoecer na vida desse problema?
Outro transtorno severo é a esquizofrenia, doença grave, que incide em pessoas muito jovens, que evolui cronicamente e que, como a depressão, deve-se prevenida desde cedo para garantir que não reapareça depois de tratado a crise. Nesses casos, deveríamos ser mais rigorosos devido à evolução rápida e dramática dessa doença em direção á sua cronificação.
Recair, portanto é algo evitável e prevenível e, com a adoção de medidas preventivas ao longo dos diferentes tratamentos, todos ganham: o paciente, a família os médicos e os trabalhadores em saúde mental. Prevenção, já!!!

O voo, o preconceito e a doença mental.

O desfeixe trágico ocorrido com o voo do Airbus A320 da Germanwings, fato que nos atingiu a todos pela dimensão da tragédia, resultando na morte de centenas de pessoas e, que foi ocasionado, ao que tudo indica, pelo comportamento suicida do co-piloto, reascendeu inúmeras discussões na área da aviação, da psiquiatria e da segurança dos voos na perspectiva humana. Nesse sentido, algumas recomendações já estão sendo tomadas pelas empresas encarregadas dessas atividades e pelas agências aeronáuticas internacionais estabelecendo novas regras que evitem tais tragédias, em todo mundo, corrigindo as distorções, envolvida com esse voo da morte. Entre os temas em debate, quiçá, o mais envolvente, foi o fato desse evento ter sido provocado supostamente por um doente portador de depressão.
A forma como a grande mídia anuncia esse fato, de certa forma generaliza as circunstâncias e não examina outras possibilidades em torno desse fato, transparecendo a ideia de que depressão impõe a tais enfermos, a possibilidade de cometerem tais atitudes, nos levando a crer que tais ações transloucadas seja prerrogativa de quem tem depressão ou mesmo outra doença mental.
Temos que ter muita cautela em apontar uma enfermidade humana, como a depressão, com todas suas peculiaridades, como sendo a responsável por qualquer tragédia, a meu ver, correndo-se o risco de praticar generalidades, e o pior, criando-se uma ideia falsa de que toda depressão poderia causar isso, o que não é verdadeiro. Os depressivos não são assassinos, não suicidas nem perigosos. Veja, que da forma como a grande mídia trata o evento, ajuda a mistificar a doença e a segregar esses doentes.
Outra particularidade, é que não há depressão, há depressivo. Cada um de nós vive sua depressão ou sua doença de forma muito particular, não havendo qualquer chance de se generalizar as doenças que somos acometidos como é o caso sobre o que houve com o co-piloto envolvido com esse acidente. Essa verdade clínica deve ser aplicada para qualquer condição de adoecimento, por isso mesmo, não há doença, há doente. A prática médica se inspira nesse axioma. Cada um de nós empresta para cada doença que se tenha aspectos particulares de nosso caráter, de nossa cultura, do nosso ambiente e de nossa personalidade. Portanto, é um tremendo equivoco tratar o assunto da forma, tão generalizada atribuindo a uma doença, no caso a depressão, todas as responsabilidades sobre o que houve com esse voo.
Todos os doentes mentais e, particularmente os depressivos, não apresentam qualquer perigo á vida de ninguém especialmente, se devidamente tratado e bem orientado sobre o que se passa com ele, que é o que se recomenda do ponto de vista terapêutico para qualquer enfermo, nenhuma pessoa com depressão ou portador de outra doença mental, oferece qualquer perigo, a si mesmo ou a outrem, considerando que inúmeros outros aspectos podem interferir nessa condição.
Objetivamente, já se sabe que todos os enfermos, particularmente os psiquiátricos, deveriam passar por um rigoroso controle médico, situação que se recomenda em todas as áreas da atividade médica, principalmente no âmbito da psiquiatria e da psicologia. Dialeticamente, se alguém quiser investigar exclusivamente a mente (comportamento) de alguém, sem levar em conta a saúde como um todo, e sua relação com seu meio e sua cultura (psicossociocultural), fatalmente isso o conduzirá a atitudes preconceituosas. O fato que houve com esse voo, e a forma como esse acidente está sendo anunciado, nos dá a impressão que todas as pessoas com depressão podem ser perigosos ou capazes de praticarem atitudes como essas, o que não é verdade.
A professora Anne Skomorowsky, Psiquiatra da Universidade de Colúmbia (EUA), alertou que “usar a palavra ‘depressão” para descrever um comportamento inexplicável ou violento, ( como esse que ocorreu), nos remete a dois sinais falsos: primeiro, que a sociedade não tem nenhuma obrigação com a nossa felicidade – porque a angústia é um problema médico – e segundo, segundo, que uma pessoa depressiva corre o risco de cometer atos deploráveis”. E eu, complemento: atitudes como essa, embora deveras incomum, quando ocorre envolvendo supostos doentes mentais, fatalmente houve algo que, em qualquer momento, ou mesmo por qualquer motivo, atrapalhou seu tratamento, isto é, no curso do seu tratamento algo ocorreu que o prejudicou, pois em condições regulares na consecução de um tratamento psiquiátrico, dificilmente isso ocorreria.
Outra particularidade, é que o que houve é uma situação rara, envolvendo acidentes aéreos e doentes mentais. Nos últimos anos, ao que nos consta, pouquíssimas ocorrência foram registradas. Particularmente, sobre o suicídio em si mesmo, trata-se de um fenômeno psicopatológico grave de causas complexas, às vezes imprevisível, que está presente em diversas condições psiquiátricas, inclusive entre depressivos, no entanto, nem todos os depressivos tentam ou chegam a se suicidar. Portanto, não há nada de novo nesse sentido. Algumas doenças mentais, entre essas a depressão podem até favorecer alguns desses comportamentos inusitados, entre os quais o comportamento violento e o suicídio, mas as tragédias como essa que ocorreu com esse voo em si mesmo, não pode ser explicado só por conta dessa condição psicopatológica, correndo-se o risco de estigmatizar e generalizar essa condição médica.
Homicídios se sucedem por muitos outros fatores que não ligados a doenças mentais e são bem menos frequentes entre essa população que na população em geral. Uso de drogas, surto psicóticos agudos, esquizofrenia, alcoolismo, e em muitas outras situações psiquiátricas frequentes. Mesmo assim, em qualquer desses casos, devemos sempre contextualizar as causas que levaram a tais desfeixes, para não se consolidar preconceitos que em nada nos ajudam, na lidar com esses enfermos.

Rolar para cima