Cada vez mais a sociedade civil deste país se insurge contra as incongruências e a violência contida nos preconceitos e nos estigmas sociais. Preconceitos de todos os tipos: contra gays, negros, pobres, prostitutas, nacionalidades e sobre tudo, contra os doentes mentais. Nesse particular, estes são profundos e antigos, pois desde os primórdios da psiquiatria que se sabe dos danos e prejuízos ocasionados por eles e pelos estigmas que há em torno desses doentes.
Preconceitos e estigmas são na realidade condições pejorativas desvalorativas dirigidas contra alguém ou contra algo que ocorra na realidade. São conceitos antecipados, que antecedem o que de fato ocorre, o que representam ou mesmo o que são na realidade. Os preconceitos estão quase sempre inseridos em um contexto social, psíquico ou cultural ou a condições específicas que fazem parte dos indivíduos. Em geral os preconceitos são estigmatizantes e segregacionistas onde indivíduos e/ou condições psicossociais são desqualificados e postos á margem. São repletos de violências contra o que, e a quem se dirige.
A Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, há quatro anos, desenvolveu a campanha “A Sociedade Contra o Preconceito”, lançada durante o XXIX CBP. Essa campanha ganhou notoriedade de tal forma que culminou com o projeto “Psicofobia é um Crime” que, após várias audiências públicas, apresentou emenda ao projeto de reforma do Código Penal, para criminalizar a segregação de portadores de transtornos mentais.
O programa “Psicofobia é um Crime” visa institucionalizar nossa luta de combater os preconceitos e os estigmas que ocorrem na psiquiatria. Trata-se de um manifesto consciente, responsável, humanizador, que visa extirpar os preconceitos e/ou qualquer outra forma de descriminação que exista sobre os doentes mentais. É uma forma de demonstrar nossa indignação e disposição de lutar contra aos preconceitos á esses doentes, aos médicos psiquiatras e a psiquiatria como especialidade médica.
Através deste Programa “Psicofobia é um Crime”, já avançamos muito. Artistas, poetas, políticos e escritores, já se apresentaram na abertura dos nossos Congressos de Psiquiatria tratando de tais preconceitos relatando suas experiências como portadores de alguns transtornos psiquiátricos ou de alguns parentes seus. Além disso, redes de tvs e grandes jornais nacionais atualmente se dirigem á ABP para ouvi-la quando o assunto é sobre doença mental, fatos que nunca houve na história da psiquiatria desse país.
Entre essas figuras de notoriedade pública destacamos o grande humorista Chico Anízio, o narrador e comentarista esportivo Luciano do Vale, o grande poeta maranhense Ferreira Gullar e tantas outras personalidades públicas, não menos importantes, já se pronunciaram contra os estigmas contra os doentes mentais.
É bom que se diga que as doenças mentais obedecem às mesmas regras, leis e princípios que regem as demais doenças humanas, só diferindo quanto a forma de se expressarem clinicamente, e nada mais. São doenças que, como muitas outras, se tiverem precocemente um bom diagnóstico e um tratamento adequado terão um prognóstico favorável e muitos desses enfermos se recuperam inteiramente ao ponto de levarem uma vida absolutamente normal, como qualquer um.
A evolução nos critérios de diagnósticos dessas enfermidades, os avanços farmacológicos e outras formas de tratamentos bem como os avanços nos recursos laboratoriais hoje disponíveis são consideradas avanços absolutamente importante no controle clínico e epidemiológico dessas enfermidades. Fatos que vem colaborando sobre maneira para a derrubada dos estigmas aqui encontrados.
De tal forma que essa imagem malévola, demoníaca, amedrontadora, segregacionista bem como de que os doentes mentais são doentes violentos, é um puro legado dos preconceitos e dos estigmas que existem contra esses pacientes que, que por extensão, resvala na psiquiatria como especialidade médica, nos psiquiatras, nos hospitais psiquiátricos e, porque não dizer, nos tratamentos a eles oferecidos.
A meu ver, o que deveria ser feito e, que infelizmente não o é, seria dispormos de uma política pública que tratasse desse assunto de forma decente, ampla, humanizada, tecnicamente eficiente, para se oferecer aos doentes mentais e ás suas famílias. Ocorre, todavia, que os governos de forma irresponsável e negligente não dão a menor bola para essa área da saúde pública. Os pacientes são segregados, tratados de forma negligente e desumana o que reforça muito mais os preconceitos e estigmas que há sobre eles.
De tal forma que se houvesse de fato uma reforma da assistência psiquiátrica e em saúde mental, oferecendo a esses enfermos os que eles de fato necessitam e tem direito constitucional, estaríamos de fato destruindo seu pior inimigo, os preconceitos, que há em seu entorno.