Comedor, bebedor, jogador e sexo compulsivos

Um dos mais graves problemas psiquiátricos e comportamentais que se verifica na clínica é quando alguém apresenta graus variados de dificuldade em controlar um desejo, um impulso ou mesmo uma atitude quando o mesmo se insurge na sua consciência. É o que se verifica com os dependentes de drogas que se tornam escravos dessas substâncias e não conseguem controlar seu uso.  

Devido o grande interesse científico que sempre houve sobre o tema das compulsões, em 1992 a OMS inclui uma nova categoria de transtornos onde a compulsão é um elemento chave do diagnóstico e designou-a transtornos dos hábitos e dos impulsos e, quando isto ocorre no âmbito alimentar, denominam-se Transtornos Alimentares.

Em ambas as categorias o ponto central nas queixas dos pacientes é o fracasso em resistir a um impulso ou tentação de realizar um ato perigoso para a si ou para outros. Além do mais, referem ainda uma tensão exagerada e crescente ou uma excitação muito grande antes de cometerem o ato que, após cometê-lo, pode ou não haver arrependimento, auto-recriminação ou culpa.

Na categoria dos Transtornos Alimentares estão inclusos: Anorexia Nervosa (AN), Bulimia Nervosa (BN) e Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP). Na categoria dos transtornos dos hábitos e dos impulsos, temos: Transtorno Explosivo Intermitente (em geral designadas de pavio-curto) que não resistem aos impulsos agressivos. A Cleptomania (roubo compulsivo) impulso de roubar objetos desnecessários para o uso pessoal ou em termos de valor monetário. A Piromania, comportamento incendiário por prazer e, por último, a Tricotilomania ato de arrancar de forma recorrente os próprios cabelos por prazer, acarretando uma perda perceptível em diferentes locais do couro cabeludo.

A bulimia se caracteriza por um impulso irresistível de comer excessivamente; evitação dos efeitos “de engordar” da comida pela indução de vômitos e/ou abuso de purgativos; e medo mórbido de engordar.

O Jogo Patológico é um comportamento mal-adaptativo, recorrente e persistente, relacionado a jogos de azar e apostas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) o reconheceu como doença partir de 1992 e o definiu pela incapacidade da pessoa em controlar o hábito de jogar, a despeito de todos inconvenientes que isso possa provocar como problemas financeiros, familiares, profissionais, etc.

O Transtorno do Comer Compulsivo ou Trans. Compulsivo Alimentar (TCA) muito parecido à bulimia, só se diferi da mesma pelo fato dos pacientes não praticar o vômito após se alimentar ou tomar laxantes a pretexto de não engordar. O TCA é um problema mais comum em mulheres, com prevalência de 1,8 a 2% da população e, freqüentemente está associado a outros transtornos psiquiátricos principalmente à depressão e a transtornos de ansiedade.

Por último, no sexo compulsivo a área afetada é o impulso sexual levando-o a praticá-lo com muita freqüência e de forma voraz. Apresentam ainda pensamentos obsessivos por sexo ao ponto de não poderem pensar sobre outras coisas e tudo gira em torno de sexo. São inúmeros os problema que isto acarreta, tanto para o paciente quanto para o (a) outro(a).

O paradoxo de todas estas patologias é que ocorrem em pessoas lúcidas, que têm plena consciência do problema e são incapazes, por si mesma, de mudar o padrão deste comportamento.  O tratamento é favorável especialmente quando não há co-morbidade com outros transtornos psiquiátricos. Para o tratamento utiliza-se medicamentos         anti-compulsivos como os antidepressivos e a psicoterapia cognitivo-comportamental – TCC, que são as abordagens mais indicadas.

Conhece-te a ti mesmo

É uma a expressão clássica, de origem grega, “nosce te ipsum” significa “conhece-te a ti mesmo”, que segundo a tradição estaria inscrito nos pórticos do Oráculo de Delfos, na Antiga Grécia. É um aforisma histórico, representa a pedra-angular da filosofia de Sócrates e do seu método, a maiêutica, segundo Platão.

O autoconhecimento, sempre foi filosoficamente considerado um pressuposto fundamental e indispensável para nós seres humanos, atingirmos nosso maior crescimento e desenvolvimento pessoal e existencial. O autoconhecimento é uma necessidade indispensável para nos adaptarmos ao mundo e às demandas do homem civilizado. Constitui-se como o principal caminho ao nosso dispor de conquistarmos a supremacia da nossa espécie, e o recurso mais importante, quiçá o único, para garantir nossa humanização definitiva.

A dimensão gregária (social) tão almejada e fundamental para nossa afirmação no mundo se constrói, se instala, se desenvolve a partir do autoconhecimento que, ao nos darmos conta de nós mesmos, passamos a (re)conhecer e viver com o outro. É a construção do social que parte de nós. No processo do autoconhecimento, brota o estado de consciência que é inspirador e donde emanam os sentimentos mais nobres do homem: o altruísmo, a fé, a compaixão e a solidariedade. Nada disso pode nascer sem ser por este caminho, os quais nos distinguem dos outros animais.

Paradoxalmente, vivemos uma época confusa, contraditória, que nos estimula a comportamentos exclusivistas. Uma época em profundas mudanças em seus paradigmas. Vivemos em um tempo, onde a cultura nos incentiva a práticas utilitaristas e pragmáticas e que nos afasta cada vez mais de nós mesmos. Um tempo e uma cultura que não incentiva relações duradouras e profundas entre os humanos, que nos ensina a desfaçatez, a insensatez, a arrogância e descrer. O homem atual ousa pouco em sua direção, fala pouco consigo mesmo, não se ouve nem se enxerga, por isso é solitário, inseguro, presunçoso e egocêntrico em seu mundo.

Estas contradições do mundo contemporâneo, onde a cultura que se notabiliza a cada hora nos leva para um rumo e a sabedoria e a sensatez nos leva em direção de nós mesmos o tornam ameaçador, inexpressivo e repleto de desencanto. A distância que se estabelece entre as aspirações do autoconhecimento e a busca incansável do materialismo dialético nos torna frágeis débeis, onde nós mesmos passamos a nos estranhar. Um mundo onde o imobilismo, a indiferença social, a falta de ética, são suas marcas registradas. Um mundo sem inspiração e sem fé.

Onde andam os inconformados, os indignados, os envergonhados ou os que ainda pedem desculpas? Onde estão os justos, os modestos, os contestadores, os rebeldes, os éticos, os que amam e os líderes? Estão aí, sei disso, embora poucos. Estes poucos convivendo com muitos espertos, indiferentes insensíveis, larápios, sabidos, oportunistas, carreiristas, falsos líderes e aproveitadores, estes a maioria. E, neste momento nossa cultura e nosso tempo, chancelam e legitimam estas figuras e estas contradições.

Quando se exorta a necessidade de nós nos conhecermos a nós mesmo “nosce te ipsum” estamos reclamamos a possibilidade de voltarmos contra esta tendência. Estamos exaltando a prerrogativa de atribuirmos um sentido maior à nossa autoafirmação. O zelo pelos outros, a autoestima, autoconfiança o amor próprio fazem parte nós e para desenvolvermos tais consciências faz-se necessário darmos o passo definitivo em direção do autoconhecimento que sem o qual estaremos fadados ao cinismo.

Na conquista do autoconhecimento é que serão desabrochadas nossa transcendência e as possibilidades de nos amarmos uns aos outros, convivermos sem ameaça à nossa existência e cultivarmos a compaixão. Jean-Jacques Rousseau ao falar sobre a felicidade afirmava que “em vão buscaremos ao longe a felicidade se não a cultivarmos, dentro de nós mesmos”.

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