Ruy Palhano
Ex-Pres. da Academia Maranhense de Medicina – AMM
Prof. de Psiquiatria do Curso de Medicina da UFMA
Há algum tempo, não menos que quinze anos, estudiosos de nosso país e de outras partes do mundo, dedicados aos estudos de problemas relacionados com o consumo de álcool e de outras drogas, têm se debruçado com afinco sobre a análise de um modo de ingerir bebidas alcoólicas: o beber pesado episódico (BPE), também conhecido como beber em binge ou binge drinking. Trata-se de um padrão especial de consumo de bebida que se define como sendo o consumo de cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas em uma única ocasião por homens, ou quatro ou mais doses de bebidas alcoólicas consumidas em uma única ocasião por mulheres.
Uma dose de bebida alcoólica tem em torno de 8 a 13 gramas de etanol, sendo que se embriagar sempre que bebe é uma das consequências diretas dessa forma de beber. O NIAAA (National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism), dos Estados Unidos, uma das mais importantes instituições americanas que trata do álcool e do alcoolismo, em 2005, definiu esse fenômeno dentro dos mesmos padrões apontados acima, tanto para homens quanto para mulheres.
A definição de BPE foi criada a partir de evidências científicas crescentes de que essas quantidades (5+/4+) aumentam o risco de o indivíduo apresentar problemas de diferentes matizes relacionados ao consumo do álcool, sendo uma das piores a pessoa sempre se embriagar. Tal comportamento é muito comum e já se sabe que os maiores problemas identificados quanto o consumo do álcool se dá entre os abusadores e não entre os dependentes, especialmente quanto aos acidentes trânsito, além de agressões, brigas, homicídio, entre outros.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, há duas definições usualmente aceitas para caracterizar esse fenômeno: a) a ocasião de beber que leva à intoxicação, frequentemente; e b) um padrão de beber pesado que ocorre por um período estendido de tempo e relacionado a definições mais clínicas de abuso ou dependência.
Estudo recente realizado em uma amostra de 165 estudantes universitários do Rio Grande do Sul relatou prevalência de aproximadamente 68% de BPE entre estudantes universitários em nosso país, com predomínio semanal desse padrão de beber. Os prejuízos mais relatados pela amostra foram o descontrole na forma de beber e todas as consequências médicas e psicossociais que este fato acarreta.
No Brasil estudos revelam que a forma de beber pesado (binge) é mais praticada por homens e está associada ao iniciante do consumo de bebidas, antes dos 15 anos. Em geral, são de baixa renda, de baixo nível educacional e indivíduos tabagistas pesados. O beber pesado em mulheres foi prevalente em todas as idades e entre solteiras.
Um ponto que nos chama atenção é a possibilidade desta prática vir a se firmar como um padrão social e cultural de consumo e bebidas alcoólicas, o que já representaria um agravo a mais associado aos inúmeros problemas relacionados ao consumo de álcool na população brasileira.
A nosso ver, vários aspectos podem, de certa forma, favorecer o desenvolvimento desse fenômeno, sendo o início precoce do consumo, quiçá, o mais importante desses fatores, isto é, a população brasileira está bebendo muito e iniciando muito cedo, aos 09 anos de idade.
Algumas pesquisas revelam que condições socioeconômicas exercem muita influência na configuração psicossocial no “beber pesado” ou em binge. Estudo realizado em Porto Alegre e outro realizado em todo o Estado do Rio Grande do Sul revelaram que o padrão beber pesado (mais de 30 g de álcool por ocasião) era mais comum entre indivíduos de baixo nível educacional e baixa renda do que o verificado em outras camadas econômicas, porém esse achado não fecha a questão, pois há outro estudo realizado em Salvador que mostra essa realidade também entre indivíduos de elevado poder aquisitivo.
O aspecto relevante de todos esses estudos que abordam facetas diferentes do problema é se perceber que, pela frequência e regularidade com que ocorre nos dias atuais, especialmente na população jovem da nossa sociedade, o beber em binge já se incorporou em nossa cultura, provocando maiores preocupações além das já conhecidas de todos.
O beber controlado é uma arte e saber beber é uma virtude que as pessoas podem apresentar e por isso mesmo desfrutar dos bons momentos e das ocasiões em que bebem. A embriaguez é uma condição que nos expõe a situações de muito risco pra si e para os outros. É uma condição em que a pessoa perde inteiramente o senso de controle sobre seus atos, deixando-os exclusivamente a mercê dos efeitos da bebida. Perdem inteiramente a razão e o prazer de beber ao ponto de não desfrutar plenamente de momentos agradáveis.