Em São Luís, conhecida como a Jamaica Brasileira, nós não conhecemos o reggae apenas pelo nome da música e do intérprete. Aqui, adicionamos um elemento especial: o “Melô”. Embora essa prática não tenha sido criada pelos ludovicenses, ela se tornou uma técnica de sobrevivência cultural para quem queria pedir uma música no rádio ou nas festas e, muitas vezes, não sabia o nome da canção ou do artista, por ser uma música estrangeira. Além disso, o “Melô” ajudou a manter a exclusividade das músicas para os proprietários de radiolas de reggae, que não revelavam os intérpretes.
Em breve, vou disponibilizar um podcast sobre a história do “Melô” no canal do Imirante.com no YouTube.
Na maioria das vezes, o “Melô” não tem relação direta com a letra da música, ou quase nenhuma. São histórias que fazem parte da nossa cultura. Ele pode servir para homenagear alguém, algo, ou até criar um significado próprio. Vou dar alguns exemplos: o “Melô do Caranguejo”, da música “White Witch”, gravada por Andrea True Connection. Na letra, há uma frase que diz “white witch gonna get ya” (a feiticeira branca vai te pegar). Ouvindo rapidamente, parece que ela diz “olha o caranguejo”, mas, na verdade, a letra fala sobre a lenda da Bruxa Branca de Rose Hall (uma história bem parecida com a lenda de Ana Jansen).
Outro exemplo é o “Melô da Poliana”, da canção “Think Twice”, cantada por Donna Marie. Esse “Melô” foi uma homenagem à filha de Ferreirinha, o proprietário da radiola Estrela do Som. Temos também o “Melô da Cohab”, que não homenageia o bairro da Cohab, mas sim um carregador de caixas de som de uma radiola, possivelmente também da Estrela do Som.
Já que estamos falando da Estrela do Som, o que me despertou a escrever esse texto foi o “Melô da Gaivota”. A música foi descoberta pelo maranhense Dread Sandro, DJ e colecionador de vinis de reggae, em 1994, e vendida para o radioleiro Ferreirinha. A canção fez parte da sequência musical do saudoso DJ Antônio José, na Estrela do Som, e ele a batizou de “Melô da Gaivota”. Não posso afirmar exatamente por que esse codinome foi escolhido, mas pode ter sido inspirado pelo título da música e pelo nome do selo: “Freedom”. Afinal, um pássaro tem a liberdade de voar.
A canção foi escrita e interpretada por Lester Lewis, que, na época, era rastafári e, segundo minhas pesquisas, hoje é evangélico. O curioso é que a música era um apoio político a Edward Seaga, que, em 1976, disputava a presidência da Jamaica pelo partido de direita JLP. Até hoje, o single é tocado em festas de recordações. Sim, é verdade, nós curtimos um jingle político produzido para a campanha de um candidato na Jamaica. Calma, tem mais. Assim como o “Melô da Gaivota”, outras músicas jamaicanas chegaram a São Luís e entraram para o repertório das potentes radiolas de reggae. Outro exemplo é o “Melô do Bairro da Forquilha”, do grupo The Tellers, encontrada na Jamaica pelo também maranhense Junior Black na década de 90. “Back Back”, título da canção, foi lançada em 1974 no país caribenho e fazia parte de uma campanha para a redução do crescimento populacional na Jamaica, desenvolvida pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, que introduziu o primeiro projeto de marketing social através de mensagens no rádio, TV e jornais para encorajar as mudanças no comportamento de planejamento familiar.
Há muitos outros exemplos de canções que se tornaram parte do nosso repertório musical e que variam muito de tema, como protesto ou simplesmente para diversão. Isso pode ser outro assunto abordado aqui.
O reggae, com sua melodia e ritmo jamaicano, conquistou São Luís sem nenhum bloqueio. Inicialmente, ele cresceu nas periferias da cidade, onde havia pouco acesso à informação. Hoje, temos acesso a essas histórias e é importante compartilhar com você, leitor, o quanto a história de São Luís, que agora completa 412 anos, é rica, única e especial.
Desde a dança a dois, ou coladinho, e as grandes radiolas, que se assemelham muito ao movimento de sound systems na Jamaica, até os grupos de dança, colecionadores de vinis, casas de eventos, etc., nossa cultura é rica, única e muito bem vista lá fora.