Back2Black: dias de outono. noites de música negra
Sexta-feira: primeira noite de outono na Cidade Maravilhosa. Temperatura a 22 graus. Musicalidade negra com seus derivados. Uma convergência mais que perfeita para se definir a sexta edição do festival Back2Black na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca (RJ), onde foram realizados 14 shows. Na pauta do evento, ainda, houve palestras e debates,
Pura magia negra. Um bando de gente na mesma vibe. Magia que não se definiu pela cor da pele, pelo estilo de roupa ou pela crença religiosa. Essa magia se definiu por emoção, por inspiração e muita dança. O poeta dub jamaicano Linton Kwesi Johnson mandou seu recado político e o cantor Damian Marley, filho de Bob, chamou todos para a dança, enquanto a banda carioca que faz apologia a maconha, Planet Hemp – em mais uma das suas esporádicas apresentações desde que voltou à ativa, em 2010 – foi quem mais gente atraiu para a frente do palco, com música de alta voltagem.
Ritmo & Poesia
Escasso ainda era o público (em parte, por causa dos problemas de trânsito no Rio em uma sexta à noite), pouco depois das 21h, quando Linton Kwesi Johnson iniciou sua apresentação, com a multirracial Dub Band, do baixista Dennis Bovell, no Palco Rio. Elegante e bem-sucedido, aos 62 anos de idade, com o vigor de quem tem 25 anos, ele mostrou animação ao lado do grupo, que mostrou categoria, embora o som não tivesse a pressão necessária a um bom show de dub reggae. Com sua voz hipnótica, Linton se moveu pelo balanço do baixo elástico de Bovell para contar as suas histórias.
Expressando seu contentamento em estar num festival negro (e o “máximo respeito” por Gilberto Gil), o jamaicano radicado na Inglaterra passou por canções como “Forces of viktry” (sobre a luta dos imigrantes pelo direito de fazer seu carnaval), “Sonny’s lettah” (uma carta em que um rapaz explica à mãe como ele e o irmão foram presos) e “Licence fikill” (sobre brutalidade policial). Embalado (e esfumaçado), o público seguiu o fluxo
poético, político e altamente rítmico de Linton Kwesi Johnson. Ao lado da Dennis Bovell Dub Band, LKJ emocionou o público e alertou sobre a violência que impera nas periferias dos grandes centros urbanos.
Quem Tem Seda
Depois de uma apresentação forte do rapper Dughettu no Palco Cidade, o Planet Hemp ocupou o Palco Rio fazendo barulho desde o primeiro minuto. Com “Legalize já”, o grupo dos MCs Marcelo D2 e BNegão abriu o primeiro ato do show, com o repertório de seu primeiro álbum, “Usuário” (1995).
Reduzidos ao power trio do baixista Formigão, o guitarrista Rafael Crespo e o baterista Pedro Garcia, o grupo atacou com admirável fome (e pegada punk) o seu repertório – parecia que o tempo não tinha passado desde os anos 1990, com os rappers trançando rimas na velocidade da luz em “Dig dig dig”, “Fazendo a cabeça”, “Zero vinte um” e “Queimando tudo”. No fim da apresentação, eles ainda lembraram o “Soul Makossa” de Chico Science e Nação Zumbi.
Filho de peixe…
Por volta de uma e meia da manhã, depois dos ataques de frequências graves e rimas ferinas da MC Karol Conká (no Palco Cidade, onde o show sempre acabava pouco antes de começar o seguinte, do Rio), Damian Marley, começou o seu espetáculo de reggae festeiro, com uma trupe afiada, da qual fazem parte duas backing vocals e um sujeito que passou o tempo todo agitando uma bandeira da Jamaica.
Com grande animação, o incansável cantor (que une a facilidade para a melodia à pegada rítmica de rapper) foi noite adentro num passeio por vários estilos de reggae (do romântico ao mais combativo), no qual não faltaram, é claro, clássicos do pai, como um “Exodus”.
Enfim, a fertilidade de Bob Marley ia além do campo musical. A prole que ele deixou para trás é grande não apenas em número, mas também em talento. Damian Marley, um dos membros do clã, mostra ao mundo que “filho de peixinho, peixinho é”, mas longe do legado deixado pelo pai.
Gingado
A primeira noite do Back2Black 2015 encerrou com os moleques de mola do DreamTeam do Passinho. O ritmo das favelas cariocas encontrou com os Kuduristas, bailarinos angolanos que fizeram o público ir ao delírio com muito gingado.
Segunda Noite
Com muito axé, a segunda noite do Back2Black 2015 começou com os tambores de candomblé e os metais inusitados do Alabê Ketujazz. A apresentação destacou os ritmos afro-brasileiros no Palco Cidade.
Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz iniciaram os trabalhos do Palco Rio com um novas e belas roupagens para os sucessos do pernambucano Lenine. Em uma mistura perfeita dos ritmos brasileiros, o encontro ainda apresentou a inédita “À meia noite dos tambores silenciosos”, de Lenine e Carlos Rennó, que fará parte do novo disco do cantor, “Carbono”, que estará nas lojas no final do próximo mês.
Para mostrar que Angola e Brasil têm muito em comum, Aline Frazão e Toty Sa’Med entrosaram os ritmos da Mãe África com a brasileiríssima Natasha Llerena, em um show marcado por delicadeza e beleza.
Mãe África
A diva beninense Angelique Kidjo levantou o público com seus grandes sucessos como “Batonga” e o clássico de Miriam Makeba, “Pata Pata”. Para finalizar uma apresentação marcada pela sua energia contagiante, Kidjo convidou um grupo de meninas da plateia para dançar ao seu lado no palco.
Ainda celebrando os ritmos africanos, a marrabenta encantou o Palco Cidade com Mingas + Wazimbo + Moreira Chonguiça. A alma do povo moçambicano fez todo mundo dançar ao melhor estilo “dois pra lá e dois pra cá”. Os mestres de Moçambique ainda tiverem o auxílio valioso das dançarinas que encantaram a plateia.
Celebração
Logo em seguida, a homenagem ao Rio de Janeiro trouxe um timaço para celebrar os 450 anos da Cidade Maravilhosa. Alcione, Fernanda Abreu, Mart’nália, Xande de Pilares, Gabriel Moura e a fadista Raquel Tavares reservaram grandes surpresas. O fim do show foi marcado pela bela homenagem ao arranjador Lincoln Olivetti, falecido recentemente.
Funke-se Quem Puder
Ludmilla puxou seu bonde no Palco Cidade com hits próprios como “É Hoje” e “Te Ensinei Certin”. O baile funk ficou completo com versões de Anitta e Valesca Popozuda. Fã assumida de Beyoncé, a caxiense que não é de caozada mostrou que é dona de um vozeirão ao cantar “Halo”.
Aplausos
Depois do funk – e voltando ao Palco Rio -, é chegada a hora mais esperada da noite. Stromae, o músico belga que chama atenção por suas composições em francês e instrumental com uma pegada bastante eletrônica, gerava alguns ataques histéricos na pista.
Com todo o charme que a língua francesa pode dar, o rapaz começou o show com “bâtard”. Arriscando algumas palavras em português, ficou variando também entre francês e inglês para se comunicar com o público, mas o idioma ali era o menos importante, já que a própria energia tratava de conectar as pessoas.
Passando seu último CD, “racine carrée”, quase todo a limpo, tocou “ta fête”, “ave cesaria”, “moules frites”, “carmen” e “Formidable”, quando fingiu um desmaio – o que não passava de um charme para chamar a próxima música, “humain a l’eau”. Em seguida, tocou seu maior sucesso, “Alors on danse”, esgotando (ou quase) a energia dos que ficaram até o final.
No bis, o artista ficou com uma versão bastante prolongada de “Papaoutai”, em que apresentou sua banda, agradeceu à produção, ao Rio de Janeiro e ao Brasil com um imenso carisma, encerrando um dos melhores shows de todo o Back2Black 2015.
Valeu a pena para quem se permitiu pular, cantar, dançar, brincar e se emocionar com a sexta edição do maior festival de cultura negra do país: o BACK2BLACK, no Rio de Janeiro. Muito legal ter no Brasil um evento para mostrar a cultura africana, mãe de todas as outras, e também, a força da cultura afro nas periferias. É nesse contexto que sinto orgulho de ser brasileiro e poder legitimar viver, momentaneamente, num país de Primeiro Mundo.