Graças ao companheiro de profissão Zema Ribeiro, profundo conhecedor de sons emergentes e requintados, tive o privilégio de conhecer o músico Wado. O cara baixou em São Luís, no Fórum Internacional de Mídias Livres, realizado em janeiro deste ano. A impressão foi a melhor possível, pois me vi diante de um artista com atitude e ‘doido’ para fugir do convencional.
Trajetória
Um ano depois de receber críticas elogiosas pelo lançamento de “Terceiro Mundo Festivo”, o catarinense adotado por Maceió Wado coloca agora à disposição seu quinto disco, “Atlântico Negro”. O álbum com 11 faixas está disponível para download gratuito em seu site oficial. Driblando a já inevitável pirataria, o cantor é defensor da mp3 sem custo: toda sua discografia está liberada para quem quiser baixar. “Não se ganha mais dinheiro com CD. E os downloads têm sido o grande instrumento de venda dos meus shows”, revela o cantor por telefone.
“Atlântico Negro”, que também dá nome à uma vinheta na segunda faixa do disco, é um termo usado pelo antropólogo inglês Paul Gilroy. “Ele se refere ao diálogo entre a África e as Américas. Esse trânsito entre dois continentes que gerou hibridismos, uma mistura de linguagens, deixa de lado a procura da raiz de origem”, explica. O tema faz referência à arte periférica que Wado trabalha desde o início de sua carreira, com interferências ritmicas em suas músicas.
Wado tem um jeito peculiar de enxergar o mundo, que neste novo trabalho transfere para seus versos de caráter reflexivo, mas sem ser triste. Coloca sua voz serena e sua poesia em bases de samba, afoxé, bossa nova, funk e nas melodias que já são características do cantor. Se o conceito é não existir música de raiz, em “Atlântico Negro” o que existe é a música de Wado.
Dono de letras que fogem do lugar-comum, Wado aproveitou sua paixão literária pelo trabalho do escritor Mia Couto e musicou trechos de textos do moçambicano.
Wado reinventa também seu próprio trabalho. A faixa 9 do disco é ocupada por duas músicas que ele já lançou anteriormente: “Feto” (do disco “Manifesto da Arte Periférica”, 2001) e “Sotaque” (“Cinema Auditivo”, 2002), unidas em uma única canção. “Regravei e misturei as duas porque tratam do mesmo assunto. Juntas, têm um sentido. Agora a música está pronta”, conta rindo.
Neste trabalho, ele imprime releituras curiosas. “Cavaleiro de Aruanda”, música de Tony Osanah que fez sucesso com Ronnie Von e Ney Matogrosso, agora ganha a voz do catarinense-alagoano em cima de elementos do afoxé. “Rap Guerra do Iraque” foi emprestada do MC Gil do Andaraí e “Boa Tarde, Povo” tem origem folclórica, das Baianas de Santa Luzia do Norte.
E é esse otimismo que se reflete em seu novo trabalho, tomado por uma onda esperançosa em seus versos. “Depois da cirurgia, fiquei mais relaxado. Isso mudou minhas perspectivas. Acho que é um disco mais espiritual”, contextualiza. Um destes retratos está em “Martelo de Ogum”, uma homenagem ao orixá dos metais e das novas tecnologias.
O novo disco de Wado se completa com “Cordão de Isolamento”, que fala sobre as cordas que separam classes sociais em blocos de carnavais, “Frágil” (que, tematicamente, lembra “Melhor”, de seu disco anterior) e com a bonita melodia de “Pavão Macaco”, que já circulava pela internet desde o mês passado.
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Novos companheiros
Depois de romper com suas antigas bandas Fino Coletivo (com quem gravou a música “Uma Raiz, Uma Flor”, de sua autoria, inserida na novela “Carminho das Índias”) e Realismo Fantástico, o cantor (que também assume as guitarras) chamou Dinho Zampier (teclado), Pedro Ivo (programações), Bruno Rodrigues (baixo) e Rodrigo Peixe (bateria). Entre os convidados figuram Curumim, Rômulo Fróes, o trio vocal Chama Luz, a violoncelista Miran Abs e o guitarrista e principal compositor do grupo Mopho, João Paulo Guimarães.
“Atlântico Negro” chegou impulsionado pelo Projeto Pixinguinha, que contemplou o compositor com R$ 90 mil. Daí veio também a produção sob coordenação de Kassin, que tem no currículo trabalhos com Vanessa da Mata e Los Hermanos, e de Beto Machado. “É a primeira vez que trabalho com gente de peso, com uma produção e uma infra-estrutura maior. Ganhamos uma verba boa e trabalhamos com pessoas que a gente gosta”.
Palco
Como troca pelo prêmio do projeto, Wado fará quatro shows no Estado de Alagoas. O primeiro deles é no próximo dia 25 em Arapiraca, voltando para Maceió no dia 1º de agosto e seguindo para Viçosa (8) e Maragogi (29). Entre uma cidade e outra, Wado desembarca em São Paulo no dia 7 de agosto para uma apresentação no Sesc da Vila Mariana, enquanto planeja um show de lançamento do novo disco na capital paulista para setembro.
Discografia
“Atlântico Negro” (2009, independente)
“Terceiro Mundo Festivo” (2008, Mubi)
“A Farsa do Samba Nublado” (2004, Tratore)
“Cinema Auditivo” (2002, Tratore)
“O Manifesto da Arte Periférica” (2001, Dubas)
Jornalista: Mariana Tramontina