O cantor e compositor Papete fez audição do seu mais novo CD duplo, o 23º da carreira, intitulado “Sr. José de Ribamar & Outras Praias”, na edição desta quinta-feira (6), do Plugado, na Mirante FM, sob o comando de Pedro Sobrinho. Entre uma faixa e outra, o músico conversou sobre a concepção do trabalho, definido por ele, “como um disco pessoal em que a sonoridade é única e que transmite paz, essência e universalidade”.
Concepção do Sr. José & Outras Praias
Foram cinco anos sem gravar um álbum de inéditas. Esse disco foi gravado entre março e maio deste ano, e contou com a participação de músicos maranhenses e paulistanos, entre os quais, Israel Dantas (violões e guitarra), Sérgio Murilo Rego (piano), Rui Mário (teclados), Assis (contrabaixo), Adonias Júnior (trombone) e Toninho Ferragutti (acordeon), além de Jair Torres (violões e arranjos da música título Sr. José). O projeto gráfico é do próprio Papete, em parceria com Nathanael Gonçalves. Um detalhe curioso no trabalho é que Papete toca bateria em todas as faixas. Ele explica que fez questão de dar a sua cara rítmica ao trabalho.
– Esse disco tem uma representativade na minha história com a música. Fiz questão de dar a minha cara rítmica ao trabalho cuja a grande inspiração foi o CD “Live For Change – United Musicians Around The World”, que já vendeu 45 milhões de cópias no mundo inteiro. Quando ouvi esse disco, por meio da minha mulher, misturando Bob Marley e John Lennon, ou seja, com artistas de rua de várias cidades do mundo, disse a mim mesmo: eu quero gravar algo assim. E o resultado é esse CD duplo que vem para fechar um ciclo e reiniciar outro – explicou.
Embora conhecido como percussionista, Papete disse que abdicou, temporariamente, dessa atividade em virtude de conceber um trabalho de pesquisa, registro e divulgação da música maranhense. Para ele, essse é o disco em que retorna às origens, do músico premiado internacionalmente, que viajou o mundo tocando com grandes artistas e aprendendo que o universo tem seus sons e a música é uma dádiva.
Lado A Lado B
O Sr. José de Ribamar e Outras Praias é dividido em duas etapas nessa fase do músico. No álbum 1, ele grava, além de Alberto Trabulsi, quatro outros compositores maranhenses: Josias Sobrinho (O Biltre), Erasmo Dibel (Navegantes), Godão (Amigo) e Carlos Pial (Mãe Natureza), além de velhos parceiros como Almir Sater e Paulo Simões (Cubanita) e Capenga e Patinhas (Um Sinal de Amor e de Perigo), interpretado por Diana Pequeno. O CD traz, ainda, cinco faixas instrumentais: Last Train Home (Pat Metheny), Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso), After Sunrise (Oscar Castro Neves), Era Uma Vez (Stênio Matos) e Mãe Natureza (Carlos Pial).
– Esse disco surgiu depois que eu recebi um convite do compositor Alberto Trabulsi. Ele pediu que eu cantasse no disco dele uma música chamada “Sr. José”, que ele acabara de fazer em homenagem ao pai. Pensei: eu me chamo José, e mais ainsa, de Ribamar e já sou um senhor. E porque não uma alusão à praia de São José de Ribamar, o nosso santo padroeiro. E quantas as outras praias, simboliza as outras vertentes e águas que bebi pelo mundo afora – ressaltou.
Em meio à vida musical mundana, Papete revisita no álbum dois, o Bandeira de Aço, que festeja os 35 anos de existência. Ele regrava todas as faixas do trabalho lançado originalmente em 1978.
– Eu modernizei o disco enquanto sonoridade, arranjos e interpretação. Cuidei para que aquelas músicas ficassem bem gravadas, mixadas e masterizadas. O original tem falhas de gravação, de mixagem, além de instrumentos desafinados. Ele tem o ar “vintage” que todo mundo gosta, além de ser um vinil. Regravei todas as faixas com novos arranjos, novas interpretações e uma sonoridade nova que fosse assimilada pelos ouvidos atuais – explica.
Preocupação com a cantoria
Esse disco mostra Papete preocupado com a interpretação de cada uma das músicas. “Na verdade, nunca gostei de mim cantando, mas ao me ouvir nesse trabalho, me descobri como intérprete. Hoje me amo muito mais”, afirma.
Ao comparar os dois CDs, Papete destaca o contraponto que um disco faz ao outro. “São dois discos que transitam paralelamente, mas que nunca se encontram. Eles não vão convergir nunca. E também não vão divergir. Eles vão trabalhar lado a lado sempre, um ajudando o outro a definir minha alma e minha essência”, ressalta.
Não existe música boa ou ruim. Existe música mal lapidada
Para encerrar o bate papo, se falou de programação das rádios e da atual produção musical brasileira. Questionado de como se situava com a produção de um disco autoral, independente e resistente à música senso comum que prolifera nas mídias eletrônicas, Papete foi categórico em dizer que existe espaço para todo mundo e defendeu a música feita arranjos e poesia ricas.
– Não existe música boa ou ruim. Existe música mal feita. Eu respeito todo e qualquer tipo de música, mas no meu trabalho priorizo a qualidade harmônica, da poesia. Enfim, gosto de produzir uma música apurada e que faz bem aos meus ouvido – finaliza.
Nesta terça-feira (11), a partir das 20h, haverá noite de autógrafos “Sr. José de Ribamar & Outras Praias”, com direito a um faixa a faixa do disco. O local será o bar e restaurante L´Apero (Praia de São Marcos).
O Disco
CD 1
Faixa 1: O Biltre (Josias Sobrinho)
É um reggae que eu queria gravar há muito tempo. Rita Ribeiro gravou, o próprio Josias gravou num disco que produzi pra ele com a Lenita cantando junto. Acabou se tornando um “reggae-canção” – Sempre quis registrar à minha maneira com a sonoridade do Live for Change.
Faixa 2: Senhor José (Alberto Trabulsi)
Composição que o Alberto fez em homenagem ao seu pai, José Trabulsi. É uma música junina que não é nem quadrilha, nem toada, mas uma música pop com levada meio Paul Simon, só com violão, baixo e percussão.
Faixa 3: Navegantes (Erasmo Dibel)
Essa música de Dibel faz parte do projeto Ouro de Mina, série de shows que apresento no sul do país. Tem uma pegada latina, sem ser salsa ou merengue. Criei uma coisa bem sensual, rítmica, em que a música assume uma conotação latina sem perder a essência maranhense da composição. Gravei com o violão do próprio Dibel, que tem uma pegada só dele, mais os teclados do Murilo Rego.
Faixa 4: Ela (César Costa Filho)
É mais uma música com a cara do Live for Change. Foi gravada pela Elis Regina, no final dos anos 60. Faço uma coisa bem “Al Stewart”. Estou numa fase muito zen, ligado às coisas do universo. Minha concepção de música hoje é pra lá de universal. Tudo o que faço tem ligação com outras dimensões espirituais e sinto que isso funciona sem nenhuma loucura ou “bichogrilice”. Esse disco reflete toda a minha espiritualidade. E Ela tem isso também como sonoridade. É uma música triste, conta a história de uma moça que vive sozinha no oitavo andar de um prédio, em eterno conflito com ela mesma.
Faixa 5: Cubanita (Almir Sater e Paulo Simões)
Eu sempre quis gravar uma composição do Almir Sater. E essa tem uma história muito gozada. Dizem que o Paulo Simões se apaixonou por uma cubana, que depois de ter feito estragos com ele, sumiu. Essa música tem uma parte em “portunhol”, mas é cantada em português. É uma das mais pedidas no show do Almir, mas ele nunca canta. Gravei com o ritmo de polca paraguaia, meio ”chamamé”, como falam lá pras bandas de Mato Grosso.
Faixa 6: Last Train Home (Pat Metheney)
Last train home é uma música que remete muito à sonoridade dos compositores mineiros principalmente Toninho Horta, Lô Borges, Flávio Venturinni e Beto Guedes, de quem gosto muito. Pra mim, a música mineira foi o maior achado sonoro que já se fez no Brasil até hoje. Eles inverteram a maneira de compor, de cantar, de harmonizar, assessorados pelo conhecimento e sensibilidade de Wagner Tiso. Pat Metheney bebeu muito na fonte dos compositores de Minas, do Toninho Horta, principalmente. E Last train home é a música mais mineira dele. Fiz uma coisa totalmente lounge, quase que arrítmica, uma sonoridade para sonhar, em que o berimbau alinhado ao piano e o violão atinge graus de alta sonoridade, simples e contemplativa.
Faixa 7: Estrela de Madureira (Acyr Pimentel e Cardoso)
Havia uma passista muito famosa da Império Serrano chamada Zaquia Jorge, que morreu em 1971. Era uma vedete maravilhosa e Acyr Pimentel e o Cardoso compuseram uma música em homenagem a ela, que foi o samba enredo daquele ano. A Império Serrano acabou campeã e o samba foi um grande sucesso na voz de Roberto Ribeiro. Sempre amei essa música e a gravei de forma diferente, em ritmo de samba de quadra, com umas loucurinhas percussivas de arrepiar.
Faixa 8: Era uma vez (Eugênio Matos)
É um instrumental com uma alusão muito forte à percussão do Maranhão, embora minha versão seja bem pop, com uma levada de rock que lembra o Queen. Eugênio Matos é um pianista de Brasília. Essa faixa tem participação de minha filha Vitória, no começo e no fim da música
Faixa 9: Amigo(Godão e Bulcão)
Essa linda canção é uma resposta ao Boi de Lágrimas, de Raimundo Macarra. Pra mim é a música mais linda de Zé Pereira. Eu já tinha feito uma gravação dela anos atrás, mas não gostei. Tem um piano lindo de Sergio Murilo Rego, soberano, no mesmo estilo dos grandes Bill Evans e Billy Joel dos anos 1970. A coisa ficou tão emocionante, que a gente chorou durante a gravação. No final, faço uma citação de “amanheceu, já se apagou, não chora, amor, não chora, que a Madre Deus já confirmou que meu boizinho se perdeu..”. Aí ele entra com caixinha de música que vai se sobrepondo a dois pianos e eu cantando junto. Parece que a música está levantando vôo, como se o boizinho voasse em busca da sua estrela – difícil segurar as lágrimas…
Faixa 10: Na baixa do sapateiro (Ary Barroso)
Mais uma faixa resgatada do CD Era uma vez, instrumental que fiz com o pianista paulistano, Luís Lopes. Eu regravei com outras citações instrumentais. Tem uma presença muito forte do berimbau, até porque é uma música que fala da Bahia, porém sem aqueles instrumentos de axé tocando o tempo todo, com solo discreto de timbáu ao final.
Faixa 11: Um sinal de amor e de perigo (Capenga e Patinhas)
Um grande sucesso da cantora Diana Pequeno nos anos 1980. O Patinhas, para quem não sabe, é o João Santana, marqueteiro do Lula e da Dilma. Nessa faixa entra o Papete preocupado com a preservação ambiental. A música fala disso. “A noite a cidade parece que some…” e no fim eu me transformo em MC e faço um hip hop com uma forte percussão e apelo potente às causas sócio-ambientais : “E então o que é que você faz aí sentado, com essa cara de bundão que não foi convidado para a grande festa-baile da destruição?…”.
Faixa 12: After sunrise (Oscar Castro Neves)
Era uma música que eu tocava muito com a grande violonista Rosinha de Valença. Ela tocou com Sergio Mendes, com quem quase fui tocar (Paulinho da Costa foi no meu lugar…) e quem substituiu Rosinha no conjunto do Sergio Mendes foi Oscar Castro Neves. É uma música feita para pandeiro, congas, berimbau. Os pandeiros com a levada de Marcos Suzano que eu adoro tocar no mesmo estilo. É uma ode à música instrumental, ao percussivo.
Faixa 13: Mãe Natureza (Carlos Pial)
Faixa instrumental composta pelo maranhense Carlos Pial, na minha opinião o maior percussionista brasileiro da atualidade. Nela, eu crio um paraíso, um Éden, com passarinhos, muita água e muita natureza. No final, entra uma música incidental da cantora Anna Torres e do Chico Poeta chamada Água, em que faço uma levada indígena. E o berimbau sempre presente, grave e solene…
Foto: Gustavo Sampaio / Imirante.com