O Carnaval, como todos sabem, é uma coisa antiga pra caramba, vem dos gregos, passa pela idade média, acelera na Renascença e vira a festa mais desanimada do planeta, em Veneza, até chegar aos deliciosos blocos nas ruas no Rio de Janeiro e esse estranhíssimo Maior Festival da Terra, no sambódromo.
E agora eu pergunto aos estimados leitores, que olham para essa sexta-feira com o mesmo pânico que eu: o que eu tenho que ver com isso?
Eu nasci em Porto Alegre e cresci na serra gaúcha, onde a coisa mais parecida com baile de carnaval era a Festa da Uva, que, acreditem, de carnaval, ou de animação, não tinha nada. Na primeira vez em que eu fui passar um carnaval no Brasil profundo, quase morri atropelado por tanta felicidade em Salvador, e acho sinceramente que nunca fui tão apalpado, até por quem não tinha a intenção disso, como no carnaval de Olinda, com todos aqueles bonecos em homenagem ao Marco Maciel.
Aquilo não era pra mim. Sinceramente, acho que não é pra ninguém que tenha uma coluna vertebral. Como dançar aquelas músicas naquele ritmo e sair vivo, eu me pergunto? Frevo é a versão mais recente de alguma forma de tortura medieval, e axé não passa de um jeito de deixar pra lá as preliminares e passar logo ao que interessa, só que em público e com música ruim ao fundo.
E me pergunto: a gente pode admitir isso assim, abertamente? Um brasileiro não gostar de samba significa automaticamente que ele é ruim da cabeça e doente do pé? Eu provavelmente padeço dos dois males. Isso faz de mim um mau brasileiro? Um brasileiro não gostar de carnaval é a mesma coisa que um francês não gostar da Edith Piaf, um alemão não gostar de Hegel, um argentino não gostar de dulce de leche, um venezuelano não gostar de rum com Coca Cola, um norte-americano não gostar de invadir o Iraque, um norte-coreano gostar de comida?
Pior, será que eu estou sozinho no mundo, o único sujeito que não entende samba-enredo e acha que o desfile da Beija-Flor não quer necessariamente dizer que a classe trabalhadora chegou ao paraíso? Será que eu tenho problemas mentais e estéticos graves por não curtir a Globeleza, por mais que aprecie belas mulheres, mas não necessariamente expostas daquela forma?
“Na dúvida, não ultrapasse”, nos ensina algum sábio filósofo que o Detran contratou especificamente para nos ajudar nessa vida de ultrapassagens arriscadas. Portanto, resolvi fazer exatamente o contrário do que o carnaval pede e ordena, e, pela primeira vez na história, convenci a minha brava editora Record a lançar um livro meu em plena sexta-feira, na véspera da folia.
Imaginem se existem outros aí fora iguais a mim? Imaginem que nesse mesmo instante, algum leitor dessa coluna sente o mesmo pânico diante da obrigação de se divertir enlouquecidamente até chegar a quarta-feira? Pois é para essas vítimas da diversão obrigatória que eu ofereço esse livro, que se chama Super e conta a história de um garoto que adora a internet, sendo obrigado a passar uns tempos no mundo lá fora, de praia, campo, montanha, carnaval, tudo que ele mais teme na vida.
Vai que algum de vocês também prefere não se despedaçar na avenida. Vai que algum de vocês não é tão fã da Ivete Sangalo. Vai que, além de tudo, algum de vocês gosta de ler livros no meio da folia alheia? Pimba. Bem nesse instante aparece o Super, um livro sobre garotos que o garoto, ou garota que há em você, seguramente, vai gostar. Já eu, que não posso ler os meus próprios livros pelos motivos óbvios, separei aqui o As Irmãs Makioka, setecentas páginas que mostram como a gente tem que saber muitas, muitas coisas, para poder ser japonês; além de vários dos livros que Georges Simenon escreveu sobre o Comissário Maigret, o mais inteligente e francês dos detetives, recém lançados pela bela editora LP&M, da fantástica Caroline Chang.
Pode vir, carnaval. Estamos armados e prontos. Com essa proteção, mais umas caixas de temporadas dos Sopranos, vai ser moleza chegar até a quarta-feira e nela ficar, até o sol raiar, ziriguidum, auê auê, e um bom axé a todos, valeu.
Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem “O Branco”, premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos “Simples” e o romance “O Nosso Juiz”, pela editora Record. Acaba de escrever o romance “Depois do Sexo”, que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances “Insônia” e “Antes que o Mundo Acabe”, publicados pela editora Projeto.