João do Vale: música essencial para ouvir

0comentário

O cantor e compositor João do Vale aparece na lista dos 15 discos essenciais para entender a música brasileira. A lista foi elaborada pelo baterista dos Titãs, Charles Gavin, autor do livro “300 discos importantes da música brasileira”. Já os textos que descrevem os álbuns são de autoria dos jornalistas Tárik de Souza, Carlos Calado e Artur Dapieve, que colaboraram com o músico na elaboração do projeto. Do samba ao “caos” de Chico Science & Nação Zumbi, passando pelo rock dos Mutantes ao Ultraje a Rigor, lá está a marca da autêntica musicalidade maranhense na poesia e na voz da figura maranhense, natural de Pedreiras.

João do Vale – “O poeta do povo” – 1965

Foi de tanto viajar como ajudante de caminhão na adolescência que João do Vale (1933 – 1996) foi conhecendo os diversos estilos musicais. Quando ofereceu um baião a Luiz Gonzaga ganhou fama no circuito nordestino e, na seqüência, nos anos 60, caiu nas graças dos intelectuais cariocas. Acolhido nas rodas que originaram a bossa nova, retribuiu a ajuda do pianista Bené Nunes com a célebre “Coroné Antonio Bento”, imortalizada na voz de Tim Maia.   Jorge Ben – “Samba esquema novo” – 1963  “Samba esquema novo” instala para a música afro-brasileira uma epifania digna de “Chega de saudade”, de João Gilberto, por sinal, um ídolo de Jorge. Sua influência irrestrita (com a projeção mundial de “Mas, que nada” a partir da gravação de Sérgio Mendes) seria replicada de forma direta no “Samba esquema noise”, de 1994, pelo grupo pernambucano Mundo Livre s/a, do movimento “mangue bit”. 

Maysa – “Barquinho” – 1961

Encarapitados num pequeno barco na Baía de Guanabara, Bebeto, Luiz Carlos Vinhas, Hélcio Milito, Roberto Menescal e Luiz Eça escoltam a cantora Maysa. No disco “Barquinho”, a tripulação é maior. Além das seis faixas com o conjunto, embrião do Tamba Trio (de Eça, Helcio e Bebeto), outras seis vinham pinceladas por orquestras de cordas. Nelas, incluída a primeira cena de sexo explícito da MPB, em “Depois do amor” (Normando Santos/ Ronaldo Bôscoli). Não por acaso. A intensa paulista Maysa Figueira Monjardim (1936-1977) vinha de abalar as estruturas da indústria musical. 

Milton Nascimento e Lô Borges – “Clube da esquina” – 1972

Artista de pequenas vendagens e enorme prestígio, Milton Nascimento teve bancado seu projeto de álbum duplo em 1972, quando muitos de seus colegas da era dos festivais estavam exilados. O disco alavancou seu desempenho no mercado e consolidou, sob o nome de “Clube da Esquina”, o coletivo que reformularia um borbulhante caldeirão de influências. Do cantochão de igreja ao baladismo beatle, a bossa (a partir do conjunto Sambacana, fundado por Pacífico Mascarenhas, no começo dos 1960) e pitacos de jazz. Poção mágica que colocaria em definitivo o sotaque mineiro na MPB moderna.  Elis Regina e Tom Jobim – “Elis & Tom” – 1974  Em várias faixas Elis canta só. Do suingue de “Só tinha de ser com você”, “Brigas nunca mais”, às dramatizações de “Modinha”, “Pois é”, “Retrato em branco e preto” e ”Por toda a minha vida”. Em “Soneto da separação”, na voz e piano de “Inútil paisagem” e, principalmente, em “Corcovado”, as duas vozes voltam a convergir, num contraponto de sumidades. Tom, o maestro, e Elis, a voz-orquestra.     

Novos Baianos – “Acabou chorare” – 1972 

Este álbum marcou um notável avanço em relação ao primeiro disco do grupo, “É ferro na boneca!” (1970). No LP, influenciados sobretudo pelos palpites de João Gilberto, os novos baianos Baby Consuelo, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Galvão, Pepeu Gomes e o pessoal do grupo-dentro-do-grupo A Cor do Som enfatizaram os instrumentos comuns no samba e no choro – violões, cavaquinhos, bandolins, pandeiros – em faixas ainda hoje frescas, como “Preta pretinha” e “Acabou chorare”, o sucesso de mesa de bar “Besta é tu” e a programática abertura, com “Brasil pandeiro”, de Assis Valente.

Moacir Santos – “Coisas” – 1965

Além de fornecer um raro deleite sonoro em suas sucintas dez faixas, “Coisas” quebra importantes paradigmas a partir de seu lançamento, em 1965. Um deles, o suposto primitivismo atribuído à música nativa de raízes afro. O que se ouve nestas “Coisas”, articuladas como os “opus” da música erudita, alia audácia melódica, densidade harmônica, variedade timbrística e inventividade rítmica.

Os Mutantes – “Os Mutantes” – 1968

Lançado quase simultaneamente ao disco-manifesto “Tropicália ou Panis et circencis”, o primeiro LP dos Mutantes avançou nas brincadeiras do coletivo. Na faixa “Le premier bonheur du jour” (Jean Gaston Renard/ Frank Gerald), por exemplo, uma bomba de inseticida foi usada como contratempo, empesteando o estúdio. De seus “padrinhos” baianos, eles gravaram “Baby” (de Caetano Veloso) e “Batmacumba” (dele e de Gilberto Gil). Os Mutantes amoleceram a linha-dura e cavaram seu lugar no imaginário sonoro do Brasil. Como trio, isto é, antes das defecções de Rita e de Arnaldo, eles gravaram cinco LPs transcendentais, estabelecendo um patamar ainda insuperado de inventividade roqueira no Brasil e ainda influente em todo o planeta.

Vários – “Tropicália ou Panis et Circensis” – 1968

Não poderia haver mês e ano mais adequados à gravação de “Tropicália ou Panis et circensis”: maio de 1968. Enquanto os estudantes saíam às ruas de Paris para decretar que a imaginação estava no poder, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé, Capinan, Torquato Neto, Os Mutantes e o maestro Rogério Duprat enchiam o estúdio da RGE em São Paulo para instaurar um novo tempo na música brasileira. E não só nela: o movimento da trupe teve influência nas artes plásticas, no cinema, na moda. Avesso da bossa nova, radicalização da Jovem Guarda, retorno antropofágico à Semana de Arte Moderna de 22, gozação generalizada, anarquia… O Tropicalismo foi tudo isso e algo mais.

Moreira da Silva – “O último malandro” – 1958

Moreira “descobriu petróleo”, em 1936, ao discursar no meio de Jogo proibido (Tancredo Silva), que entregava o ouro do jogo de chapinhas (“Essa ganha, essa perde/ Na voltinha que eu dou”). Nascia um novo estilo, que ficaria costurado indelevelmente ao protótipo do malandro de terno de linho S-120, chapéu panamá e sapatos brancos encarnado por MDS. A arte sagaz deste motorista de ambulância seria reconhecida pela ala intelectualizada da MPB. Ele gravaria com Chico Buarque e seria parceiro de Jards Macalé, com quem fez diversos shows. Seus breques caudalosos e narrativos imprimiram clássicos do ramo, como “Na subida do morro”, com Ribeiro Cunha.

Elza Soares – “Baterista Wilson das Neves” – 1968

A bateria melódica de Wilson das Neves dueta de igual para igual com a garganta rítmica da cantora em “Deixa isso pra lá” (Edson Menezes/ Alberto Paz). Descobre-se logo por que a composição é apontada entre os primeiros exemplos de rap (ritmo & poesia) do país. O samba-canção modernista “Copacabana” (João de Barro/ Alberto Ribeiro) tem uma solista lânguida, de derreter catedrais, entre os glissandos do piano. Convocado obrigatório da era das big bands, “In the mood” (Joe Garland/ Andy Razaf), em versão gaiata de Aloysio de Oliveira, é definitivamente nacionalizado pela intérprete criada na favela de Padre Miguel, carregando latas d’água na cabeça.

Paralamas do Sucesso – “Selvagem?” – 1986

Os cariocas Paralamas do Sucesso já tinham cinco anos de estrada, dois LPs, uma participação no Rock in Rio e um punhado de sucessos – “Vital e sua moto”, “Patrulha noturna”, “Química”, “Óculos”, “Meu erro” – quando engrossaram a voz e passaram a ser vistos como algo mais do que meninos engraçadinhos. Se os primeiros trabalhos recendiam às influências estrangeiras, no caso Police e UB40, o terceiro álbum de Herbert Vianna (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria), “Selvagem?”, rugia a presença de um novo animal na floresta do BRock.

Ultraje a Rigor – “Nós vamos invadir sua praia” – 1985

Roger Moreira é um dos compositores mais geniais da geração dos anos 80. O primeiro LP do quarteto paulistano “tipo exportação” de rock Ultraje a Rigor demorou mais de um ano para sair. Quando chegou às lojas, com “Rebelde sem causa”, “Mim quer tocar”, “Ciúme”, “Eu me amo”, foi um verdadeiro antídoto contra a seriedade.

Zé Ramalho – “A peleja do diabo com o dono do céu” – 1979

Na leva nordestina dos anos 1970, ao paraibano de Brejo da Cruz José Ramalho Neto, o Zé Ramalho, nascido em 1949, coube rebobinar para a sintaxe de guitarras pós-tropicalistas a literatura de cordel e a cantoria versificada dos bardos do sertão. O impacto de A peleja do diabo com o dono do céu já começa nas imagens de capa e encarte, concebidos pelo solista do disco e dirigidas pelo cineasta alternativo Ivan Cardoso, criador do gênero do “terrir”. Reúnem-se ZR com sua cabeleira, bigode e cavanhaque místicos, a atriz Xuxa Lopes, o cineasta José Mojica Marins, criador do personagem Zé do Caixão, revivido nas fotos, e o artista plástico Helio Oiticica, o pai do conceito “tropicália”, envolto numa de suas capas-parangolés.

Chico Science & Nação Zumbi – “Da lama ao caos” – 1994

O impacto da figura de Chico Science, de chapéu de palha e óculos escuros, cantando forró e maracatu como se estivesse se giletando ao som de uma Anarchy in the PE, ainda não foi devidamente aquilatado, embora seu prestígio tenha ido bater no exterior e na geração do Mombojó. A proposta de Chico à frente do grupo Nação Zumbi – e de outros próceres do movimento Mangue Bit, depois Mangue Beat, como Fred 04, do Mundo Livre S/A – era subversiva: pegar formas de música folclóricas e lhes dar um banho de butique de Chelsea. Os conservadores de Pernambuco ficaram tiriricas com as liberdades tomadas por Chico, Fred & Cia, mas a rapaziada de todo o Nordeste enxergou uma maneira de enfim sair do século 19. O disco tem forró, maracatu, frevo, samba, soul, heavy metal, punk rock, música eletrônica, tudo sacudido na mesma tigela, salgado por uma poesia praiana  (Deu no G1)

Sem comentário para "João do Vale: música essencial para ouvir"


deixe seu comentário

Twitter Facebook RSS