Escrito por: Xico Sá (Jornalista, Cronista, Escritor e Poeta)
Reginaldo Rossi, recifense do bairro dos Coelhos, não tinha pressa amorosa , amava, pronto, demoradamente, as mulheres. Amava lentamente a vida, como quem enxerga um ovo colorido na vitrine –madaleine uma ova velho Proust. Reginaldo está sendo celebrado pelo que mais odiava: ser chamado de brega. Um dia perguntei como ele queria a lápide. Ele disse:
“Amo o amor e canto essas coisas, sou uma espécie de Frank Sinatra, mais ou menos um Roberto e infinitamente Serge Gainsbourg. Tá bom pra você, xará?”
E continuou: “É ridículo que pensem a gente de forma reduzida ao chifre mínimo. Como se o chifre não fosse o principal assunto de Shakespeare e Kurt Cobain”. Yes , Reginaldo amava o Nirvana, que onda.
Ele sabia que eu gostava de tudo isso. E ainda mais ele sabia que me chamo Francisco Reginaldo por causa dele. Fiz questão de procurá-lo desde que cheguei ao Hellcife from Cariri, pense rua do Progresso com rua das Ninfas.
Minha mãe amava a Jovem Guarda e ele fazia parte dessa coisa toda. Era o quente, como me explicava ontem José Teles , pense num cabra que sabe de música!
Brega? Esse rótulo que a classe média pregou nos cantores românticos brasileiros como forma de diferenciá-los e separar os talheres da CasaGrande & Senzala. O necessário, importantíssimo e genial historiador baiano Paulo César de Araújo, autor de “Eu não sou cachorro não” (ed. Record), deixou isso patente. Eis o volume-mor da formação, tô falando.
Reginaldo amava esse livro. “Bicho, escreve sobre essa tese”, me cutucava. “Paulo matou a pau, xará”. Passei 24 horas com Reginaldo, gravando o maior depoimento do meu Flaubert, minha educação sentimental, com Paulo Caldas , diretor do cinema pernambucano. Ele mostrou a importância de ser Reginaldo.
A importância da canção romântica brasileira. A narrativa da dor. A dor amorosa do chifre e da traição que, por medo ou preconceito, a classe média nacional trata como folclore.
Carnavaliza.
Nessa hora esquece que é a vida, é o mesmo tema de Dostoievski.
Esquece.
Chega de tese.
Reginaldo sabia, teve um sonho com Beethoven, numa das suas melhore s e desconhecidas canções: “Cante, e Junto com Haendel e o amigo Bach/Cante deixe quem quiser falar/Cante, que quem for jovem vai gostar”.
Regi é maior do que o folclore em torno da dor de corno. Reginaldo Rossi é uma forma de contar a vida que todos nós escondemos: é o que escondemos enquanto manifestação amorosa acovardada.
É o meu Walter Benjamim, minha escola do Crato .
Vejo aqui da minha janela da rua da Aurora: o Capibaribe e o Beberibe se juntam para -sem desmentir a secura cabralina- formar um oceano de lágrimas pelo meu ReiGinaldo.
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