Os protestos que tomaram as ruas brasileiras neste ano mostraram um fenômeno que já acontecia ao redor do mundo: os cidadãos viram na internet uma ferramenta com imenso potencial de divulgar o que ocorria nas manifestações.
Neste contexto, a Mídia NINJA (Narrativas Independentes Jornalismo e Ação) virou o centro das atenções, transmitindo imagens dos protestos por todo o país ao vivo e pela rede, para até 100 mil pessoas. O grupo, formado em 2011 e composto em grande parte por não jornalistas, se somou à queda da exigência do diploma – ocorrida em 2009 – e ao debate a respeito das novas Diretrizes Curriculares Nacionais, entrando para o foco das discussões nas faculdades de jornalismo e comunicação social. Divulgada no último mês de agosto, a pesquisa State of Journalism Education, do instituto norte-americano Poynter, coloca mais uma dúvida às instituições de ensino: a academia e o mercado enxergam o jornalismo da mesma forma ?
O estudo obteve 1,8 mil respostas que mostram um distanciamento entre o que profissionais do mercado e professores pensam sobre a profissão. Entre os educadores, 96% acreditam que a graduação é fundamental para entender os valores do jornalismo. No entanto, esse índice cai para 57% quando se trata de editores e jornalistas que trabalham na área. A diferença de quase 40 pontos é semelhante a do ano passado e se reflete em outro item também. Enquanto quase a totalidade dos professores vê a formação como muito ou extremamente importante para apurar, editar e apresentar as notícias, 59% dos profissionais a enxergam da mesma forma.
Ainda assim, 39% dos professores norte-americanos acham que a academia não está adequada às mudanças do mercado. Quase metade daqueles que trabalham em redação também creem nisso. A necessidade do diploma para contratar o jornalista também é questionada nos Estados Unidos. Metade dos educadores consideram a graduação necessária, contra 41% dos profissionais.
Para a presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), Mirna Tonus, a pesquisa da Poynter reflete uma realidade diferente da brasileira. A professora ressalta que, para falar do descompasso no que se refere à necessidade de diploma para a contratação é necessário analisar o que ocorre na prática. Professor de jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Eduardo Meditsch percebe um desalinhamento entre mercado e academia – mais evidente, no entanto, no país norte-americano. “Há um desgaste na credibilidade do ensino de jornalismo nos Estados Unidos. Isso se deve pelo mesmo problema que se observa aqui. Nós importamos os modelos americanos, e eles não dão certo lá”, afirma.
Meditsch ressalta que, no Brasil, acontece um fenômeno diferente. Como o diploma foi exigido por muito tempo, a maior parte das redações é diplomada e tende a contratar profissionais formados na área.
Coordenador do curso de jornalismo da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Heitor Rocha afirma que o fim da obrigatoriedade do diploma só interessa à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT). “Os grandes empresários, mesmo que continuem só contratando jornalistas formados, têm interesse em menosprezar o estatuto do acervo necessário para o exercício profissional do jornalismo, porque fazem parte da estrutura de poder, para a qual a categoria sempre representa uma ameaça”.
Diretora da UFRJ é contra obrigatoriedade
Por outro lado, a diretora do curso de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivana Bentes, sempre considerou a exigência do diploma uma ideia equivocada. Para ela, não há uma necessidade real, já que cada vez mais os cidadãos estão habilitados para produzir informação relevante. Ainda assim, isso não significa o fim do ensino superior em jornalismo, nem mesmo a redução da procura – que, pelo contrário, é crescente. O que falta, para Ivana, é uma formação menos engessada e mais aberta à pluralidade de linguagens. “A qualidade dos cursos e da formação sempre teve diretamente a ver com projetos pedagógicos desengessados, com consistência acadêmica e professores de formação múltipla e aberta”, opina.
“Há uma distorção histórica do campo acadêmico do jornalismo, que se voltou para as ciências humanas e esqueceu a ciência aplicada, onde nos enquadramos”, afirma Meditsch. Segundo o professor da universidade catarinense, a hegemonia da área das humanas nos departamentos de comunicação fez o curso desprezar a evolução tecnológica e se voltar ao diagnóstico de problemas culturais e sociais em detrimento de questões concretas. “A interdisciplinaridade só ocorre dentro das ciências humanas e não na área tecnológica. Devíamos estar com as escolas de engenharia, inovando”.
Mirna acredita que as universidades estão acompanhando as novas tecnologias e vêm discutindo isso há tempos. O processo, entretanto, é lento. São mais de 360 cursos no País e não se pode exigir que todos acompanhem as rápidas mudanças ao mesmo tempo, afirma. Ivana vê um momento rico, de troca entre uma geração de professores analógicos e uma de estudantes digitais. É preciso que o aluno aprenda com os conhecimentos teóricos e que os educadores se abram às experiências pós-mídias digitais. “São mundos complementares, não opostos. As universidades precisam sim reformular seus cursos, criar laboratórios e desengessar suas práticas”, afirma.
Atuação dos “ninjas” provoca reflexão
A professora da UFRJ não vê um descompasso entre a universidade e o mercado, mas sim entre estes dois e um novo ambiente formado pelas redes sociais. Aprender com as novas práticas sociais, do chamado “jornalismo cidadão” é um desafio que se impõe. Sabendo explorar este contexto surgiu, dentro do circuito Fora do Eixo, a Mídia Ninja. Ivana acredita que a grande contribuição do grupo para o ensino do jornalismo foi mostrar que é possível se formar uma rede de mídia autônoma que misture jornalismo e ativismo, quebrando com as regras normalmente discutidas nos cursos. “Isso tem mexido com as estruturas. Se tem todas as características jornalísticas que a gente preconiza é outra questão. Mas o impacto é grande, qualquer movimentação midiática chega à academia”, afirma Mirna.
Os “ninjas” também levantaram um debate sobre o modelo de negócios no jornalismo. Cabe à academia, segundo Meditsch, estudar essas experiências e inventar modelos que sustentem a profissão. Cada vez mais, os jornalistas tendem a trabalhar como freelancers e produtores independentes e é preciso que os cursos foquem mais no empreendedorismo e na sustentabilidade da profissão, acredita o professor.
Texto: publicado em 9/9/2013