Maria Raimunda Araújo ou Mundinha Araújo, irmã dos músicos Tony, Nato e Sávio Araújo, de um clã enorme de artistas, será homenageada pelo bloco afro Akomabu no Carnaval da capital maranhense, em 2013. Aos 70 anos, festejados em 8 de janeiro deste ano, a jornalista, ativista e pesquisadora maranhense foi uma das fundadoras do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN), em 1979. Desde então, vem desenvolvendo pesquisa sobre a resistência do negro escravo no Maranhão. Coordenou o “Mapeamento Cultural dos Povoados de Alcântara (1985-1987), e foi diretora do Arquivo Público do Maranhão (APEM), de 1991-2002.
Publicou os seguintes livros: “Breve Memória das Comunidades de Alcântara , “A Invasão do Quilombo Limoeiro”, “Insurreição dos Escravos do Viana”. Foi organizadora da obra “Documentos para a História da Balaiada”, e recentemente publicou “Em Busca de Dom Cosme Bento das Chagas – Negro Cosme: tutor e Imperador da Liberdade” (2008). Toda essas obras se constituem em um valioso banco de dados, cujas informações têm contribuído para a construção do negro do Maranhão.
Em entrevista, com muita autenticidade e personalidade firme, ao jornalista Pedro Sobrinho, Mundinha Araújo relata que o fato de ser uma das precursoras da difusão do Movimento Negro Maranhão veio juntamente com a ditadura miitar de 64 no Brasil e o ativismo do ‘Black Is Beautiful’, norte-americano, em que preto era sinônimo de belo.
Mundinha quebrou paradigmas em São Luís, em uma época, aderindo ao cabelo estilo ‘Black Power’ e roupas com estampas para chamar atenção que o negro tinha valor, independente de sua origem social. Imaginem, uma mulher, negra, com cabelo carapinhado, transitando da rua Grande à praça da Misericórdia, local onde nasceu, com direito a vaias e xingamentos da aristrocracia e plebeus que faziam a história do Centro de São Luís no fim dos anos 70.
Sem se curvar a qualquer tipo de preconceito, Mundinha Araújo foi persistente em construir uma história que será contada pelo bloco afro Akomabu, criado para a beleza do ser negro na Passsarela do Carnaval e da vida. Para Mundinha, essa homenagem estava anunciada. Segundo ela, veio no momento exato deixando-a emocionada, porém não envaidecida. E cita o militante Magno Cruz [in memorian] como o grande criador desse tributo a ser festejado em vida.
Imirante – O bloco afro Akomabu homenageia você em vida com o tema, “Mundinha Araújo: a Guerreira Que Faz História”. Aos 70 anos e mais de 30 anos de militância. Você se sente a guerreira que faz história no Movimento Negro do Maranhão ?
Mundinha Araújo – Eu não me considero guerreira. Sou persistente com o que faço. Sou disciplinada. Sou uma mulher que chega aos 70, cuidando de mim. Não tenho filhos. Moro sozinha. Administro minha casa. Administro minha vida. E consegui até hoje frequentar locais de pesquisas, estudando dessa nossa história, a história do povo negro. O título de guerreira para essa homenagem que o Akomabu presta para mim fica por conta do saudoso Magno Cruz. (rsrsrsrsrsrsrsrsrsrs)
Imirante – Qual a avaliação que você de sua atuação como ativista e precursora do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN), no sentido de ações efetivas no conscientizar e melhorar a qualidade da população negra do Maranhão, que continua não sendo levada a sério, vivendo em sua maioria em sistema de casta, excluída socialmente. As estatísticas sócio-econômicas estão aí para constatar essa triste realidade…
Mundinha Araújo – O movimento no Maranhão começa lá pelos anos 70 e a nossa maior preocupação era o de conhecer a história do povo brasileiro, especialmente a do negro do índio, e muito ajudaram para construir a história do país. Os índios não se submeteram a escravidão. Já o negro aceitou e veio para o Brasil na condição de escravo. Infelizmente, a história tem sido ingrata com as populações negras até hoje. E o Maranhão se insere nesse contexto. Só com a educação para se reverter essa triste realidade, esse desconforto em que o povo negro ainda vive. Ela é o instrumento fundamental para abrir as cabelas e, a partir daí, se criar oportunidades para todos. Mas, procuro mostrar com as minhas pesquisas e palestras que ao longo da história o povo negro sempre reagiu em busca de uma libertação definitiva.
Imirante – Uma cena da novela Lado a Lado, da Rede Globo, me chamou atenção. A personagem Constância, vivida pela atriz Patrícia Pillar, em um diálogo com Lázaro Ramos (Zé Maria), disse que a escravidão tinha acabado. Era coisa do passado. Assim como o mito da democracia racial, esse discurso que a escravidão acabou e os tempos são outros continua. Na sua opinião como o negro deve reagir a esse pensamento da maioria da população brasileira em pleno século XXI ?
Mundinha Araújo – Realmente, os tempos são outros. É preciso que haja, sempre, reação do povo negro percebendo que, nos dias de hoje, racismo é crime. Eu acho difícil que alguém desconheça essa lei que faz com o negro procure uma delegacia quando se sentir vítima de um ato discriminatório por causa da cor. Infelizmente, ainda existem alguns resquícios de escravidão e o problema da democracia não foi resolvido, mas o povo negro também obteve conquistas e já sabe como lutar por seus direitos.
Imirante – Ainda tendo como referência a novela Lado a Lado, um aspecto mostrado na novela é sobre o outro lado do negro, que está sempre assumindo uma posição de vítima usando sempre como argumento o fato de se conviver com o racismo. Por outro lado, o folhetim da Globo mostra o negro preconceituoso, arrogante, ambicioso, com sede de poder, alienador. O que fazer para reverter esses valores de negro que também se posiciona como preconceituoso e opressor ?
Mundinha Araújo – Eu não tenho resposta para esse tipo de pergunta. Uma coisa são as ações coletivas. A outra é o indivíduo. Pra muita coisa não tenho resposta, principalmente, para o plano afetivo e subjetivo. Sei que a história constata que entre os povos negros, desde os tempos dos cativeiros, já não havia essa solidariedade de classe. Quem ascendia socialmente, se considerava superior. Isso sempre existiu. O negro que trabalha na Casa Grande é diferente do que trabalha na Senzala. Isso passa pelo processo de educação e aprendizagem da vida.
Imirante – E as redes sociais ? Por que é tão inconsistente a mobilização negra nas redes ? O que fazer para que o discurso de ser negro se estenda das academias, seminários e conferências e se estenda as essas novas mídias sociais, até porque os jovens, independentes de serem negros ou brancos compartilham diariamente dessas redes, que os tornam sem identidade, e, de certa forma, é um grande formador de opinião e interação ?
Mundinha Araújo – Não tenho nenhuma familiaridade com as redes sociais. Eu uso o mínimo de internet. Uso o computador apenas para digitar. Acho que é um problema de minha geração. Não tenho facebook, não tenho nada. Ouço falar. Não dá mais pra mim e não estou preocupada com isso. Os mais jovens estão inseridos nesse mundo. Eu não.
Imirante – Como você vai retribuir essa homenagem prestada pelo Akomabu, primeiro bloco afro do Maranhão, que você ajudou a construir no período em que a palavra de ordem no Globo era: ‘Ser Preto é Ser Bonito” ?
Mundinha Araújo – Essa proposta de homenagem foi apresentada por Magno Cruz e todo o grupo e integrantes do Centro de Cultura Negra (CCN) aceitaram. Muitos diziam que já era tempo. Outros diziam finalmente. Eu penso que eles queriam fazer isso. Eu fico agradecida, mas não envaidecida. E a minha retribuição é a de me colocar sempre à disposição do movimento. O de estar presente assim que for necessário.
Imirante – Várias publicações lançadas, pesquisas, muita militância, 70 anos de vida e homenagem em vida feita pelo bloco afro Akomabu. O que ainda falta para acontecer em sua vida profissional e pessoal ?
Mundinha Araújo – Eu tenho muita coisa para fazer. Eu adoro tanto viver. No ano passado, recebi muitas homenagens nos 400 anos de São Luís. Me perguntava: será que estou perto de morrer ? Estou aqui viva e acelerando as pesquisas. Tenho uma sobre a “Catarina Mina”, que pretendo publicar ainda esse ano. Tem outra sobre o bumba meu boi e uma pesquisa sobe os quilombos do século XIX. Enfim, trabalho todo o tempo, organizando e buscando sempre mais.
Imirante – Você continua cantando ?
Mundinha Araújo – Canto sempre em casa.( rsrsrsrsrs). Me faz bem, assim como dançar. Gosto do contato com os mais jovens. Com essa homenagem os mais jovens querem me conhecer. Gosto muito dessa convivência.
Imirante – No mais novo disco do bloco Akomabu , você canta “Luta de Negro”, de autoria de Paulinho Akomabu.
Mundinha Araújo – Essa música o Paulinho Akomabu fez em 1985. Ele tinha dezesseis anos na época. Eu me emocionei ao ouvir a música e resolvi colocar a voz nela aos meus 70 anos.
Imirante – O que você diria aos jovens brancos sobre a luta contra o racismo ?
Mundinha Araújo – Independente da cor da pele, o mais importante é poder mostrar que a educação, principalmente, a familiar é fundamental para orientar e abrir uma consciência sobre os princípios dos direitos humanos, em que somos iguais perante à lei e que a questão da cor da pele é apenas um detalhe.
Imirante – Está pronta para enfrentar a maratona do Carnaval com o Akomabu ?
Mundinha Araújo – Se Deus quiser e os Orixás também (rsrsrsrsrsrs). Eu vou acompanhar. É uma energia muito boa que o bloco passa. Eles estão felizes. É como se estivesse cumprindo um dever. Ninguém me deve nada. Eu só fiz o que fui determinada a fazer.
Imirante – Como a voz da experiência sobre a questão do negro e do racismo no Maranhão, você tem algum recado a passar para os que estão à frente do Centro de Cultura Negra – CCN – na atualidade ?
Mundinha Araújo – É não desisti da luta. Tem tanta coisa para ser feita. Eu vou sempre procurar aprender e ensinar. Essa é a minha marca.
Foto: Arquivo/O Estado do Maranhão