A Face rejuvenescida da música maranhense

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Do rap ao rock, do samba à música pop, uma legião da jovem safra de cantoras brasileiras – talentosas, charmosas e aguerridas –  vai ocupando espaços. Isso mostra que a música brasileira está sempre inovando e trazendo novos talentos. Mesmo com as dificuldades e a distância geográfica dos demais centros desenvolvidos do país, o Maranhão não foge desse contexto. Três bons exemplos são Tássia Campos, 26 anos, Dicy Rocha, de 32 anos e Cris Campos, de 30 anos.

Tássia Campos encara a música como um processo natural. “É como respirar massa e ter a garganta como instrumento”, brinca. Para Dicy “a música sempre fez parte de vários espaços da vida dela”. “A música sempre esteve presente em casa, na família, entre amigos, lá na infância acompanhando as cantorias na comunidade, nos terreiros e rodas”, afirma.

Oriunda de família de músicos, em que o pai José Severiano era violonista e colecionador de música popular, e o avô Eustáquio Martins Rocha, tinha um grupo musical juntos com os irmãos e primos chamado “Os Pretos Mutum”, Dicy conta que a influência da família é marcante no trabalho dela. “A minha família sensibilizou os meus ouvidos.É uma ligação ancestral muito forte. Hoje, todos esses sons se refletem no trabalho que eu tenho buscado para apresentar ao público”, relata.

Cris Campos começou os trabalhos a serviço da religião. “Iniciei cantando aos 11 anos, em uma banda chamada Salmos, na igreja católica do Angelim. Profissionalmente tudo começou em 2001”, conta.

Renovação

Questionadas por representarem a face rejuvenescida da música produzida no Maranhão, Tássia considera a pergunta difícil e encara como uma responsabilidade para uma resposta imediata. Ao insistir no questionamento, ela responde: “desconfio que seja uma oportunidade que o Maranhão está tendo de ganhar novo fôlego, abrir a cabeça. Já ouvi um artista das antigas dizer que essa nova geração é a geração do mal feito. Fiquei ofendida, mas depois vi muita coisa e entendi”. “Galera, sejamos novos e descolados, mas afinem as guitarras. Se o caso é representar, que representemos dignamente, de forma profissional e sempre aperfeiçoando o bem maior: a música”, adverte.

Preocupada com o ônus, Dicy prefere esquivar-se de ser representante da nova ordem na música local, mas se manifesta de forma mansa, com humildade e o discurso de quem veste a camisa entre o tradicional e a modernidade. “Quero dizer que o fato de eu estar integrada a esse cenário do novo, me permite não negar a música de quem veio antes. Pelo contrário, isso se traduz até mesmo na minha forma de compor e na escolha do repertório dos shows, mostrando canções de compositores que por algum motivo não são tão conhecidos. Essa aliança entre passado e presente me acompanha até na formação da banda. Junto comigo estão João Simas, que é um músico muito jovem, e o Josemar Reis, que tem uma história bonita demais na música feita no Maranhão”, admite.

Para Cris, oxigenar a cena é necessário na construção de uma cadeia produtiva musical renovada. Ela diz orgulhosa em fazer parte dessa nova sonoridade que ecoa no Maranhão. “Lógico, sinto que as ações de outrora não foram em vão. Faço parte de um cenário musical atual que trabalhei para surgir e colaborei para reforçar a identidade. Sei que estou no caminho certo, sinto isso. Sinto que minhas letras chegam onde tem que chegar e as bandas que trabalho têm musicalidades muito interessantes também. E isso tem repercutido positivamente. Provavelmente, tem afinidades também com o público de São Luís, que tem procurado outras sonoridades e as tem descoberto. É por isso fico mais feliz ainda pelo fato de que as ações de hoje vão trazer bons frutos amanhã”, ressalta.

Gosto musical

Na opinião das três cantoras ouvir o outro é essencial pois as influências são necessárias para que se possa criar um caminho original e autoral. Tássia não esconde as suas predileções musicais definidas por ela como eclética e mundana. “Quando criança eu tinha um gosto musical meio estranho para minha idade. Eu todos os dias ouvia um vinil que a Maria Creuza, Toquinho e Vinícius gravaram. Eu me amarrava em Secos e Molhados, ouvia Ivan Lins, me divertia com os Demônios da Garoa, ouvia atentamente o padre Zezinho com minha avó. E quando cresci essas predileções não mudaram muito, mas fui conhecendo outras coisas, Flora Purim, Fela Kuti, Tom Zé, Novos Baianos, Caetano, Gil, Bob Marley. Aprendi a cantar com Gal Costa, comecei a ouvir Itamar Assumpção, Sérgio Sampaio, Josias Sobrinho, César Teixeira. Sempre gostei de ouvir tudo. Acredito que isso aumenta nosso repertório interno, engrandece a gente, porque temos muito a aprender com esses caras e essas caras”, assegura.

Já Dicy define o seu gosto musical como colorido e atemporal. Diz se identificar com a música de influência e raiz negra. “Meus últimos shows sempre tiveram essa opção mais forte por esse tipo de sonoridade, o ‘Baile Black’, o ‘Rosa Semba’. O meu gosto musical vai de Clementina de Jesus a Dobet Gnahoré. Tudo toca na minha vitrola. Não dispenso nada. Tudo tem importância”, garante.

Cris se define como um artista pra lá de diversificada nas influências e que as mesmas vêm de um clã musical. “Meu pai e minha mãe sempre foram muito musicais, muito embora cada um tivesse o seu gosto. Meu pai ouvia muito chorinho e logo eu virei grande consumidora do estilo. Já minha mãe, tocava sanfona e diversos outros instrumentos e, além disso, na minha infância, ela ouvia diariamente música erudita. Era confuso na escola ter amigos que ouviam sons mais populares. Mas eu gostava bastante do que ouvia em casa. Herdei os vinis da ‘mama’ e ouço sempre Schubert, Beethoven, Bach, Vivaldi e tantosoutros mestres, como ouvia na nossa casa na Madre Deus”, relembra.

Ela comenta sobre o envolvimento com a cultura popular e da relação com os novos nomes da Música Popular Brasileira (MPB). Cita como exemplos os bois na capela de São Pedro, além de Clara Nunes, Monica Salmaso, Renato Anesi, Cordel do Fogo Encantado, Céu, Camille, US3, Saravah Soul, A Roda, Renata Rosa, Beirut, Norah Jones, Ceumar, Blues Etílicos, Pitanga em Pé de Amora, Criolina, Validuaté, Academia da Berlinda, Orquestra Contemporânea de Olinda, Maria Betânia, Gal, Mayra Andrade, Salif Keita, Cesária Évora, Tom Zé, Lenine, Lula Queirog.

Navegar é Preciso

A internet tem auxiliado muito os novos artistas, sem grana nem gravadora, na divulgação de seus trabalhos. Na opinião das três a ferramenta de comunicação ajuda quem consome e faz música.

Indagada, Tássia reflete: o que seria de mim sem a internet ? “É o caminho mais veloz da informação.Tenho um canal que chama Soundcloud. Lá disponibilizo áudios de shows e ensaios, isso aproxima o público da gente e os shows tem sido divulgados basicamente pelas redes sociais, facebook, twitter. É massa quando curtem, comentam, compartilham, retweetam. Isso serve de termômetro para aceitação do teu trabalho. As possibilidades são infinitas, principalmente por eventos que são pensados, produzidos e financiados por mim mesma”, brinca (rsrs)

Cutucadas se a internet veio também para tornar os caminhos mais curtos, um facilitador na aldeia, as três artistas têm a resposta na ponta da língua. “O artista precisa de palco, de outros palcos que não sejam o da sua cidade de origem, precisa mostrar o trabalho pra mais gente. O artista tem de ir aonde o povo está”, defende.

Dicy reconhece a necessidade em navegar na internet e tenta ser funcional no uso destas ferramentas. “O bom é que sou muito curiosa. Uso as redes sociais, como o facebook, para poder comunicar melhor e divulgar o que venho fazendo, além de manter o contato com o trabalho de outros artistas independentes. Já recebi convites interessantes e parcerias foram articuladas com pessoas de diversos lugares pela internet, o que é maravilhoso, porque ela reduz distâncias e me aproxima virtualmente de pessoas, artistas e sons”, elogia.

Ela também acredita na produtividade a partir do próprio ‘habitat natural’ e afirma que a música não pode ser refém o tempo inteiro do mercado e de políticas culturais governamentais. “Eu prefiro acreditar na força da arte e da música que a gente faz aqui. É preciso entender o local onde a gente canta. Não dá pra pensar em fazer um trabalho aqui tendo o Sudeste como referência. Quando você compreende sua própria casa, você faz o melhor que pode, com os recursos que você tem e o resultado sai verdadeiro e positivo”, sugere.

Já Cris Campos converge na força da internet e das redes sociais para valorizar a música local no Globo. A artista fala da criação de um blog e diz estar online com o facebook e o twitter para divulgar os trabalhos a qual está inserida e usa uma frase do Tolstoi para definir a conversa: “Se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia”, acredita.

Novas entre Aspas

O sucesso muitas vezes demora a chegar. Tássia campos diz que já chegou a questionar se ainda é uma cantora revelação, nova ou não. “Essa imagem não foi criada por mim, quando dei por mim já estavam dizendo isso nas chamadas para entrevistas em rádios ou TVs. Acredito que sempre sou dita e tida como “novidade” por ainda ser inédita em disco e por sempre cantar os novos compositores e trilhar um caminho de oposição. Essa questão da dificuldade em divulgar o trabalho em rádios ou TVs ainda é polêmico porque nós aqui [Brasil], temos muito o que aprender sobre a difusão da cultura e claro, para além desses veículos de comunicação. Agora, não se pode cobrar apenas das rádios a tocarem a música produzida aqui, se os artistas não estão em praça pública mostrando seus trabalhos e se grande parte dos trabalhos tem aspecto amador. Embora difícil, me orgulho de fazer algo novo e independente. Se tivesse ficha técnica para os meus shows eu faria assim: direção artística: eu – direção executiva: eu, produção: eu- patrocínio: vaquinha lá em casa”, brinca (rsrs).

Dicy tem consciência que ser nova ou não faz a diferença. O importante para ela é trabalhar como uma artista que faz carreira independente de discografia e divulgação em rádios e TVs. Ela aproveitou para mencionar sobre o primeiro CD. “Não quero ser refém de um mercado que acaba sendo limitador. Estou em processo de gravação do disco e tenho feito ele sem pressa, sem gravadora e sem grande expectativa de mídia. É um trabalho que está sendo feito com cuidado e paciência’, revela.

Para quem acha que elas são farinha do mesmo saco, elas respondem que em comum têm a música, mas cada qual no seu quadrado. “Nossas trilhas sonoras são diferentes pelas opções musicais que cada uma coloca no seu trabalho. Ser diferente não é ser oposto. A gente toca junto no mesmo rádio”, argumenta Tássia. “Cada uma tem uma trilha sonora a seguir. Somos musicalmente diferentes e acreditamos em estéticas diferentes”, diverge no raciocínio Dicy. “Nossa, acho muito diferente o meu trabalho do das meninas. Vivemos esse instante do “novo”, mas há diferença no que fazemos. A música hoje é muito híbrida, com “colagens” de ritmos de diversos lugares. Cada uma de nós tem uma proposta de trabalho diferente, bem como trajetórias de vida diferentes.
Obviamente que isso reflete no que produzimos”, acrescenta.

Projetos Musicais

Ávidas por ideias e fazer barulho com música, Tássia está articulando o primeiro disco “Gravação Sem Fim”, mas encontra dificuldades financeiras para concebê-lo. Em dueto com o músico maranhense, Chico Saldanha, ela gravou uma faixa do projeto discográfico de Zeca Baleiro, com poemas de José Chagas. E mostrou afinidades com o reggae ao participar, no último dia 30 de abril, do projeto Desentope Batucada, capitaneado pelos ‘deejays’ Pedro Sobrinho e Franklin, participando do tributo a Bob Marley, ao interpretar pérolas do ‘Rei Midas’ jamaicano.

Já Cris Campos diz que o seu momento é sempre seguir com show solo ou com o Coletivo Gororoba ou com Afrôs. “Esses três momentos paralelos e diferentes só vem a colaborar para que eu seja muito mais musical e estar sempre pensando em arte, com vontade de criação”, admite.
Transcrito da Revista Ótima/ Foto: Rodrigo Corrêa

 

3 comentários para "A Face rejuvenescida da música maranhense"


  1. Flávia Anchieta

    Acompanho a carreira de Tássia Campos e Dicy Rocha. Ainda não conheço Cris Campos. Mas digo que é muito inspirador ver talentos como estes que conheço, a Dicy que caminha por uma trilha a qual admiro, com suas raízes africanas e bela voz e Tássia com um trabalho maduro e profissional. As duas demonstram o tesão pela música com muito talento e com isso acredito que finalmente o Maranhão esteja no caminho certo. Sou fã!
    Bela entrevista Pedro Sobrinho, quero mais!

  2. Tassia Campos

    Pedrinho, obrigada!Gente como tu se torna essencial para garantir que a gente produza coisas bacanas sempre!
    Obrigada!

  3. pedro sobrinho

    Agradeço a Flávia Anchieta e a Tássia Campos. Eu costumo sempre dizer que a melhor forma de nos tornarmos cosmopolitas é enxergando em primeiro lugar o nosso umbigo e perceber nele que existe um belo. Portanto, defendo as coisas que acredito e é produzida no meu território. Sou daqueles que Santo de Casa faz milagre, sim senhor ! desde que ouse, seja criativa e independente.

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